Peças de carro, materiais da indústria de petróleo e até armações de óculos podem estar prestes a se juntar a etanol, cachaça e açúcar como produtos derivados da cana.
Cientistas brasileiros desenvolveram um jeito de transformar os resíduos da
planta em fibra de carbono, material um bocado valorizado pela indústria.
Hoje, o bagaço da cana-de-açúcar é o principal resíduo do agronegócio
brasileiro. Uma tonelada da planta usada para fazer etanol produz, em média, 140
kg de bagaço.
Boa parte desses restos acaba queimada nas próprias usinas como forma de
gerar energia, mas é uma destinação que ainda não consegue absorver todos os
resíduos gerados. Se armazenados incorretamente, eles podem se tornar um fator
sério de poluição ambiental.
Foi pensando nisso que um grupo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro) decidiu agir e dar uma destinação mais nobre ao “lixo”.
Eles desenvolveram um método que extrai a lignina -uma importante molécula
“estrutural” dos vegetais, responsável, entre outras coisas, pela sustentação-
do bagaço da cana e a trata para que ela seja transformada em fibra de
carbono.
“Não é como transformar garrafa pet em tapete ou em árvore de Natal. É uma
reciclagem com alto valor agregado, que pode gerar boas oportunidades, porque o
Brasil ainda não tem produção industrial de fibra de carbono”, diz Veronica
Calado, coordenadora do trabalho e também do Núcleo de Biocombustíveis, de
Petróleo e de seus Derivados da UFRJ.
Na verdade, o grupo de Calado aproveita o “lixo do lixo” da cana-de-açúcar.
Novas técnicas já permitem que o bagaço da produção de etanol seja tratado
quimicamente e usado para dar origem a mais álcool, o chamado etanol de segunda
geração.
Última etapa – A fibra de carbono é obtida depois que o
bagaço já passou por esse segundo processo. A lignina extraída do bagaço é
processada e passa por vários processos, que vão aumentando o teor de carbono.
No fim, obtém-se a fibra, que é laminada e pode ser vendida para as mais
diversas aplicações.
Dez vezes mais forte do que o aço, mas ainda maleável e com elevada
resistência à temperatura, a fibra de carbono é um material muito valorizado no
mercado, com preços que podem variar entre US$ 25 e US$ 120 por kg.
A principal maneira de obtê-la hoje é derivá-la do petróleo, com muitos
aditivos.
“A fibra de carbono pelo reaproveitamento da cana também é sustentável nesse
sentido, porque vai diminuir a dependência do petróleo para mais um uso”, avalia
Verônica, da UFRJ.
No mundo, já existem outras iniciativas para transformar a lignina em fibra
de carbono. Todos esses projetos estão também em fase experimental. O grupo
brasileiro, porém, orgulha-se de conseguir fazer o trabalho com menos aditivos,
obtendo ainda um “extrato” de lignina mais puro e com maior potencial de
transformação.
O trabalho carioca ainda está restrito aos laboratórios, mas a técnica já se
mostrou funcional. A coordenadora do estudo diz que não há ideia do preço final
da fibra, mas que “com certeza ela será mais barata do que a vinda do
petróleo”.
Agora, os cientistas estudam a melhor maneira de patentear o projeto.
(Fonte:
Giuliana Miranda/ Folha.com)
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