Com o objetivo de tentar aumentar o investimento em esforços para reduzir o impacto das mudanças climáticas, a ONU acaba de lançar um relatório que deveria ser de leitura obrigatória  para aqueles que fazem políticas públicas em tempos de crise do clima como os que estamos vivendo. Chama-se “Poverty and Death: Disaster Mortality 1996-2015” (“Pobreza e Morte: Mortalidade por desastres de 1996 a 2015”, em tradução literal) e foi lançado nesta quinta-feira (13), Dia Internacional de Redução de Desastres. Traz informações que não deixarão os mais sensíveis quietos em suas cadeiras. Como, por exemplo, o fato de que em 15 dos últimos 20 anos os desastres relacionados com o clima mataram mais pessoas do que terremotos. E mais: no ano passado houve mais mortes causadas por ondas de calor do que o terremoto que estremeceu o Nepal em abril.

Na solenidade que antecedeu a divulgação do relatório, o secretário das Nações Unidas, Ban ki-Moon, fez um apelo a todos os governantes para trabalharem junto ao setor privado e à sociedade um foco em tentar diminuir essas catástrofes.

“Vamos passar de uma cultura de reação para uma cultura de prevenção de acidentes”, disse ele.


Na prática, o governo brasileiro está menosprezando o pedido de Moon. Em notícia divulgada ontem pelo jornal “Valor Econômico”, sabe-se que o presidente Temer, obedecendo às regras do mercado e às leis que regem o desenvolvimento a qualquer custo, anunciou que vai dar prioridade à concessão de rodovias na próxima rodada do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Construir mais estradas significa dar espaço aos automóveis, que precisam de combustíveis fósseis. É tudo o que os líderes que ratificaram o Acordo de Paris, entre eles o Brasil, se comprometem a tentar evitar daqui por diante para manter o aquecimento global do jeito que está. E, como se percebe, do jeito que está já é bastante ruim para muitos.Vê-se que, neste caso, promessa não é dívida para o novo governo brasileiro.


Voltando ao relatório lançado pelas Nações Unidas. Dá para perceber, mesmo em leitura rápida, que o tom subiu bastante e a denúncia contra a desigualdade social passou a ser assumida sem retoques pela ONU.


“É fácil esquecer esses megadesastres que mataram 100 mil pessoas nos últimos 20 anos, mas eles são arautos de eventos extremos que ainda não aconteceram e que irão acontecer se o mundo não se esforçar para erradicar a pobreza e alcançar os demais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos na agenda de desenvolvimento para 2030”, disse Moon.


Um megadesastre é aquele que mata mais de cem mil pessoas. Os três desse tipo que marcaram os últimos 20 anos – o Tsunami do Oceano Índico, o Ciclone Nargis e o terremoto recente que devastou o Haiti, país que tentava se reerguer de outra desgraça – determinam a importância de o mundo dos países emergentes se prepararem para situações ainda piores. Aliás, o Haiti segura um nada honroso primeiro lugar por ser o país que mais perdeu pessoas em desastres causados por tempestades e furacões e terremotos nos últimos 20 anos. Quase 230 mil haitianos morreram vítimas desses fenômenos entre 1996 e 2015. Baseando-se na média populacional de 2006, isso é o equivalente a 2.460 mortes por cem mil habitantes. Muita coisa.


“A evidência demonstra que tais eventos são previsíveis, e requerem uma política contra riscos de desastres forte, tanto em nível local quanto regional ou global”, diz o relatório apresentado pela ONU.


Fato é que, no sumário do trabalho, já fica muito claro que é preciso ter mais foco para aliviar o impacto sobre a mudança climáticaem países que contribuem menos com a emissão de gases poluentes. Mas que, assim mesmo, são as maiores vítimas, aqueles que sofrem perdas desproporcionais de vida em cada evento extremo exacerbado pelo aumento do nível do mar e por causa do aquecimento da terra e dos oceanos. 

“A média de mortes para todos os tipos de desastres naturais aumentou para 69.800 por ano na década de 2006 a 2015. Entre 1996 e 2005 esta média era de 64.900”, diz o estudo.


No total, China teve 554 desastres entre 1996 e 2015 e está entre os dez países que mais tiveram mortes causadas pelos eventos extremos. Índia também teve aumento de tempestades, e 90 desses eventos tiraram a vida de 15.860 pessoas entre 2006 e 2015.


Aqui na América do Sul, o estudo mostrou que a incidência de tempestades é frequente na Venezuela. Houve 66 mortes por tempestades no período compreendido entre 2006 e 2015, mas quando se analisa outra década, de 1996 a 2005, esse número sobe para 30.100, segundo o estudo. É que muitas vidas se perderam num único evento, acontecido em 1999 no estado de Vargas.


Outro estudo apresentado pela ONU dentro desse mesmo relatório sobre pobreza e desastres naturais, mostra que, em termos relativos, países menores podem perder uma proporção maior de seus recursos econômicos quando são atingidos por furacões, ciclones tropicais e outras tempestades. Esse nível alto de perda se aplica também a vidas humanas. Mas é preciso observar que ainda assim, em termos absolutos, tempestades causaram mais mortes em nações maiores nos últimos 20 anos.


O estudo não detalha o tipo de ação que deve ser tomada para evitar que os países pequenos sejam tão vulneráveis também aos eventos causados pelas mudanças climáticas, além de estarem também fora do sistema econômico. Mas a ONU relembra, no site da United Nations Office for Disaster Risk Reduction, escritório criado com o fim de chamar a atenção para a necessidade de reduzir os riscos de desastres, a campanha “Sendai Sete: Sete alvos, sete anos," que foi adotada pelos Estados-Membros das Nações Unidas em março passado.


“Trata-se de uma oportunidade para que os governos de todos os níveis, grupos comunitários, organizações da sociedade civil, setor privado, organizações internacionais e Nações Unidas promovam e partilhem as melhores práticas em todos os níveis e em todos os setores, a fim de reduzir o risco de desastres e perdas”.

Disponível em: http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/relatorio-da-onu-chama-atencao-para-mortes-causadas-por-aquecimento-global-100-mil-em-20-anos.html