quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Moacyr Araújo: ‘Brasil precisa cuidar melhor da saúde do seu oceano’

Moacyr Araújo: ‘Brasil precisa cuidar melhor da saúde do seu oceano’Débora Spitzcovsky - 29/11/2013 às 13:11

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Aumento de temperatura, acidificação, perda de oxigênio… O acúmulo de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera está castigando os oceanos do planeta. Para o especialista Moacyr Araújo, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco, no Brasil, o aumento do nível do mar será o principal desafio a ser enfrentado.

“Em termos de pesquisa, nos últimos dez anos o Brasil tem tomado iniciativas importantes no Atlântico Sul, motivado inclusive por questões econômicas, como o pré-sal. Mas esquecemos de investir na resiliência do nosso oceano, de apostar em medidas que aumentem sua capacidade de reagir às pressões que está sofrendo”, disse Araújo, que, ao lado do climatologista Tercio Ambrizzi, coordenou o Grupo de Trabalho 1 do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (leia também O que diz o Primeiro Relatório sobre Mudanças Climáticas no Brasil).
O especialista em oceanografia concedeu entrevista exclusiva ao Planeta Sustentável. Confira, abaixo, os principais momentos dessa conversa.
O novo relatório do IPCC apontou que os oceanos estão sofrendo forte pressão por conta do acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera. Como está o oceano brasileiro?
Apesar de ainda ser pouco estudado, em comparação com outros oceanos – como o Índico, o Pacífico e o Atlântico Norte –, o oceano que banha o Brasil, o Atlântico Sul, sofre os mesmos impactos dos demais e todos os problemas estão interligados. O aumento das emissões deixa os oceanos mais quentes, o que, por sua vez, implica na alteração do PH, ou seja, na acidificação, e na menor concentração de oxigênio na água.

Mas, em médio prazo, a questão que talvez tenha maior impacto no planeta, onde metade da população ou mais vive na beira dos oceanos, é o aumento do nível do mar – que também é reflexo do aumento da temperatura, que causa expansão da água. Esse problema merece destaque, em particular no Brasil, onde cerca de um terço da população vive na costa. Não foi à toa que o assunto ganhou capítulo exclusivo no novo relatório do IPCC. O aumento do nível do mar apontado nesse documento foi maior do que a maioria da comunidade científica esperava. Ou seja, vamos chegar em 2050 com um aumento maior do que o que havia sido previsto há 10 anos.
Quais os principais impactos desse aumento do nível do mar no Brasil?
Quando falamos sobre o aumento do nível do mar, logo pensamos no oceano ‘engolindo’ porções de terra, mas não é só isso que pode acontecer. Associado a esse fenômeno, há mudanças em todos os processos de interação ‘oceano-atmosfera’, uma vez que o nível do oceano está aumentando porque ele está mais quente e, se ele está mais quente, significa que está trocando mais energia com a atmosfera para buscar equilíbrio térmico. Em resumo, essa situação se reflete na intensificação de eventos extremos, porque ao receber mais energia, o sistema atmosférico também vai começar a buscar seu próprio equilíbrio.

É importante frisar que o aumento na ocorrência de eventos extremos não significa, apenas, que ocorrerão mais chuvas em determinadas regiões onde já chovia, ou mais furacões em uma região em que já ocorriam. Significa, também, a ausência de chuvas em regiões onde há seca, porque o fenômeno puxa para os extremos, tanto em intensidade, quanto em frequência.
Quais são as regiões brasileiras que serão mais impactadas?
Com certeza, a região costeira. Nela, eu ainda destacaria os estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina, que vão sofrer bastante com o aumento do nível do mar. No Sul do Brasil, ainda na costa, também existe propensão à entrada de frentes que geram instabilidades atmosféricas e provocam, mais frequentemente, fenômenos como furacões e tornados. Se formos para o interior, o problema da seca no Nordeste será agravado, e no Sudeste o excesso de chuva será um problema importantíssimo. 

E, claro, os mais pobres sempre serão os mais vulneráveis a esses impactos, não só porque estão mais expostos ao problema, mas porque não têm condições de reagir a ele. Esse é o conceito clássico da vulnerabilidade.
O Brasil tem se dedicado a questão dos oceanos?
O Brasil está participando de grandes fóruns internacionais, dando boas contribuições e sendo consultado sobre o assunto, o que é ótimo. Em termos de pesquisa, nos últimos 10 anos, o país também tem tomado iniciativas importantes no Atlântico Sul, motivado inclusive por questões econômicas, como o pré-sal. Entre elas, vale destacar a criação do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas e Hidroviárias, este ano.

Esse olhar para os oceanos veio de forma tardia. Outros países – como França, Alemanha e Inglaterra – acordaram muito mais cedo para essa questão, também porque têm uma história de conquistas econômicas pelo mar. Mas, em comparação com outras nações em desenvolvimento, o Brasil está bem, dando passos para tratar o oceano como um viés importante de seu desenvolvimento, que de fato é.
No entanto, esquecemos de investir na resiliência do nosso oceano, de apostar em medidas que aumentem sua capacidade de reagir às pressões que está sofrendo. Parar de lançar gases poluentes na atmosfera é importante, claro, mas cuidar localmente dasaúde do oceano – que já mostrou ser um grande aliado no processo de combate aoaquecimento global – também é fundamental. Aumentar a resiliência é como dar uma vitamina ao oceano para que ele ‘suporte cada vez melhor a barra’. Afinal, não está fácil.
E como isso pode ser feito?
Há uma série de medidas. É importante, por exemplo, cuidar da saúde do estuário, dos mangues e dos recifes de corais, da região costeira… Parar de jogar lixo nos oceanos também é fundamental.

Mas uma política importantíssima, que inclusive é uma recomendação do Painel Brasileiro, é a criação de áreas de proteção ambiental, porque você cria focos de saúde, de fortalecimento dos oceanos. Muito ainda deve ser feito no Brasil nesse campo. O mar territorial brasileiro é, praticamente, do tamanho da Amazônia e só 0,5% dessa área é protegida. O ideal seria proteger, pelo menos, 10% em áreas espalhadas. Ou seja, identificar os hotspots, que são os sistemas importantes para aumentar a resiliência dos oceanos, e protegê-los. Não há a menor dúvida de que o Brasil precisa investir nisso. Já assinamos vários acordos, inclusive na Convenção da Biodiversidade da ONU, prometendo aumentar essas áreas de proteção, mas ainda não fizemos nem de forma mínima o que é necessário ser feito.
Por que há tanta resistência na criação de áreas de proteção ambiental no Brasil?
Muitos desses hotspots, importantes para aumentar a resiliência do oceano brasileiro, já estão mapeados – embora ainda haja muito para mapear –, à espera de ações concretas, da criação de unidades de conservação, mas isso não acontece por conta de forçantes econômicas, como sempre. A pesca é um grande conflito e existem, também, interesses do setor de óleo e gás para que isso não seja feito.

Além disso, há a questão do turismo. Mundo afora, já se percebeu que os turistas procuram por lugares preservados, gostam de ir para locais onde há preocupação com o meio ambiente, mas no Brasil essa ficha ainda não caiu. Muitos governos – esferas municipais, estaduais e, até mesmo, federais – têm receio de fechar determinadas áreas, porque não vão mais poder colocar um resort ali ou convidar o turista para pisar em um coral de recifes. É preciso uma mudança de mentalidade. Pesar na balança o que é mais importante.      
Foto: © Conservation International/Sterling Zumbrunn 

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