sábado, 21 de dezembro de 2013

Diversão sem pirataria

Com o sucesso de novos formatos de venda, os consumidores se acostumam a pagar por conteúdo digital

GRAZIELE OLIVEIRA



Kindle
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NOVA GERAÇÃO Os irmãos Samir e Lívia Atum na frente de seus laptops. Eles gastam R$ 40 por mês em músicas (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Música (Foto: ÉPOCA)
Nos celulares dos irmãos Samir Atum, de 15 anos, e Lívia, de 13, é possível encontrar milhares de músicas – desde canções da banda indie Imagine Dragons a sinfonias de Mozart, passando por lendas do rock, como Black Sabbath, Guns N’Roses e AC/DC. Qualquer um conseguiria encontrar algo divertido nesse repertório, menos os defensores da pirataria. Não há um só arquivo ilegal nos iPhones e iPods da dupla. É tudo original, comprado de lojas oficiais de música na internet. Na década passada, quando a pirataria estava no auge e ameaçava acabar com a indústria fonográfica, era impossível imaginar que jovens como eles existiriam. Hoje, eles representam o futuro do consumo de conteúdo digital. A tendência vem se fortalecendo entre os consumidores de entretenimento e já é observada nos números mais recentes do setor. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), o faturamento das diversas modalidades de negócios digitais atingiu a marca de R$ 111,4 milhões em 2012. Ultrapassou as vendas de DVDs e Blu-rays musicais. O mercado de música digital chegou a 28,37% do mercado total de música noBrasil – em 2011, esse percentual era 16%.

Até 2008, a pirataria digital avançava a uma velocidade assustadora. Em 2002, 99% dos arquivos on-line eram ilegais, de acordo com a estimativa da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI). Em 2008, cerca de 40 bilhões de arquivos foram compartilhados ilegalmente – uma taxa de pirataria de 95%. O impacto da ação dos piratas foi tão forte que as vendas de CDs nos Estados Unidos desabaram.

Grandes lojas fecharam as portas. Em 2004, a britânica HMV saiu do país. Dois anos mais tarde, a Tower Records fechou todas as suas 89 lojas. Em 2009, a Virgin Megastore de Union Square, o maior armazém de discos de Nova York, com 5.000 metros quadrados dedicados à venda de artigos relacionados à música, encerrou suas atividades.

As vendas de CDs e DVDs continuam baixas, mas as grandes gravadoras finalmente conseguiram convencer o público a pagar por músicas no formato digital. Pela primeira vez nos últimos 13 anos, o faturamento da indústria fonográfica mundial cresceu entre 2011 e 2012. O crescimento se deve ao sucesso de lojas virtuais como o iTunes, que permite baixar faixas por US$ 0,99, e a serviços de streaming, que cobram uma mensalidade para que o usuário escute canções no computador ou no celular sem precisar fazer uma cópia. Boa parte desses sites oferece um período de degustação para quem está interessado em comprar uma assinatura. O preço e a praticidade são incentivos. “Baixar legalmente não é caro, é mais fácil e com boa qualidade”, diz Samir. Para as gravadoras e artistas, é uma boa fonte de renda. Em serviços de assinatura, 70% do faturamento vai para as gravadoras, segundo estimativas do mercado. Desse valor, elas repassam entre 30% e 50% para os artistas. Quanto mais sua canção é reproduzida, mais o artista ganha.
A música voltou a tocar (Foto: ÉPOCA)
“Há sete anos, a grande crítica era que a indústria fonográfica não sabia se adaptar ao mundo digital”, diz Claudio Vargas, vice-presidente no Brasil de digital e novos negócios da Sony Music. “Estamos trabalhando muito para entender, nos adaptar e conseguir oferecer modelos diferentes de serviços ao consumidor.” Segundo ele, o streaming é rentável para a indústria fonográfica de uma maneira diferente da habitual. Sai o modelo de receita garantida, proporcionada pela compra de meios físicos – os CDs e, depois, os DVDs – e entra o modelo de pagamento mensal de serviços on-line, capaz de oferecer um vasto catálogo de conteúdo. Todos, segundo ele, são sustentáveis do ponto de vista econômico. Os formatos digitais representam 40% dos negócios de venda de música da Sony no Brasil. Outras gravadoras também estão otimistas. “Acreditamos muito no Brasil no que se refere aos modelos de assinatura. Em quatro anos, esperamos que ele triplique. Isso colocará o Brasil entre os maiores mercados do mundo”, diz Danillo Ambrosano, diretor das áreas Digital, Novos Negócios e Licenciamentos da Universal Music Brasil.
JOGOS LEGAIS William Ribeiro, de 27 anos, só baixa jogos legalmente. “Piratear é perda  de tempo”, diz (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Games (Foto: ÉPOCA)
A indústria cinematográfica também demorou para se mexer diante da ameaça da pirataria. O surgimento de serviços como o Netflix convenceu o usuário a pagar por filmes em vez de pirateá-los. As emissoras de televisão e os estúdios de cinema oferecem seu conteúdo em sites de streaming e, em troca, recebem uma parte da renda obtida pela Netflix com vendas de assinaturas. “Essas indústrias perderam o primeiro trem da inovação, no início dos anos 2000. Agora, a opção que lhes sobrou foi exatamente essa: negociar com parceiros de download legal”, diz Ronaldo Lemos, pesquisador visitante do Media Lab (laboratório de mídia) do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Algumas emissoras, como a HBO, começam a lançar, com sucesso, seus próprios serviços de streaming. A Netflix passou a investir na produção de séries próprias, como o elogiado drama House of cards, com Kevin Spacey. Não faltam boas opções para quem está disposto a pagar por filmes e séries.
 Um império chamado Google 

O segmento que reagiu mais rapidamente ao ataque pirata foi o de videogames. Ele continua mantendo o lucro com várias plataformas de distribuição de jogos digitais. Somente no Brasil, as vendas de games on-line em 2012 foram de US$ 1 bilhão. Espera-se que cheguem a US$ 2,4 bilhões em 2015. Nos EUA, as receitas com games em formato digital dobraram em 2012 e chegaram a 40% do total do setor de jogos. Um dos segredos dos estúdios de games foi desenvolver ferramentas que identificam o jogador. Só é possível jogar on-line com um game original. “Relacionamos o jogador a uma conta oficial e o tiramos do anonimato. Se nos dermos conta de que ele usa um jogo pirata, poderá ser banido e perderá o acesso à rede daquele game”, diz Bertrand Chaverot, diretor da Ubisoft América Latina. Reduzir o preço dos jogos foi outra tática da indústria. Hoje, é possível encontrar jogos novos on-line a partir de R$ 59. Games antigos são ainda mais baratos.
O sucesso desses novos modelos de venda de conteúdo foi acelerado pelo cerco judicial à pirataria. Uma das maiores vitórias dos estúdios e gravadoras veio em 2011, quando um dos maiores sites de compartilhamento de arquivos do mundo, o Megaupload, foi tirado do ar. Com o fim do supersite de pirataria, um estudo da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, concluiu que o faturamento das vendas e aluguéis de vídeos pela internet de dois estúdios de cinema subiu de 6% a 10%. Com isso, o Megaupload juntou-se ao Naspter, outro gigante da pirataria que também fora alvo das gravadoras. O programa que popularizou a troca de arquivos pela rede protagonizou a primeira grande luta jurídica entre a indústria fonográfica e os piratas. Quase foi banido. Em 2002, foi comprado pela Roxio e tornou-se um site de downloads legais.
A indústria também apoia projetos de lei. O Stop Online Piracy Act (Sopa), de combate a pirataria, e o Protect IP Act (Pipa) para proteção da propriedade intelectual são os mais maduros. As propostas provocaram manifestações ou interrupções de serviços de sites importantes, como Google, Wikipédia e Craigslist, de classificados, no início de 2012. Desde então, estão paradas no Congresso americano. São propostas que dariam um impulso ainda maior ao download legal. Além do apoio a novas leis, houve ainda uma onda mundial de processos contra quem violasse regras de direitos autorais. Em agosto, uma brasileira residente na Alemanha recebeu uma notificação da Fox. Cobrava uma multa de R$ 3 mil por baixar ilegalmente o filme A árvore da vida. Há casos mais impressionantes. Em 2012, uma americana foi condenada a pagar US$ 220 mil por piratear 24 músicas.

Com o cerco aos piratas, adultos que viveram o auge da pirataria se uniram à geração de adolescentes como Samir e Lívia, que cresceram acostumados a pagar por músicas, filmes e games. O contador Willian Ribeiro, de 27 anos, é um deles. Ele usa plataformas de downloads pagos há um ano. Joga on-line no PlayStation e no Xbox e assina um serviço especial de TV a cabo que lhe permite alugar filmes para ver quando quiser. Para ter acesso ilimitado a tudo isso, gasta R$ 170 por mês. Por mais que possa se sentir tentado a baixar filmes e games ilegalmente, o tempo perdido para procurá-los e a exposição do computador a armadilhas cibernéticas, como vírus, fazem essa vontade passar rapidamente. “Quero ter a mesma sensação de conforto e qualidade de estar no cinema, sem perder tempo e nem ter dor de cabeça”, diz.
ASSIM FICA FÁCIL O  aposentado José Jorge Alves aderiu aos sites de streaming. Piratear era complicado (Foto: Rafael Motta/Nitro/Época)
Vídeos (Foto: ÉPOCA)
Os downloads legais também permitiram que músicas, filmes e games digitais atingissem um novo público: pessoas que não sabiam piratear e não tinham paciência para aprender. Nesse time está o aposentado José Jorge Alves, de 63 anos. “Piratear é uma mão de obra danada! É preciso se preocupar com uma série de coisas, como colocar legenda, procurar o arquivo seguro e, mesmo assim, a qualidade quase sempre é ruim”, diz. Para não ter esse trabalho, ele prefere assinar a Netflix e dividir sua conta com a família. “Minha mulher assistiu a uma série famosa antes mesmo de passar na TV aberta brasileira”, diz.

Quase 40 anos separam as gerações de Ribeiro e Alves, mas os dois apontam a economia de tempo como principal razão ao optar pelo download legal. Na vida moderna, não vale a pena gastar vários minutos na internet procurando o melhor conteúdo para piratear. Em poucos segundos, por meio dos serviços legais, é possível ter um universo inteiro de músicas, games, livros e filmes a seu dispor, sem ameaças de vírus. E tudo em versões on-line e off-line. “Quando a Netflix chega a um país, notamos que o tráfego em sites de pirataria diminui”, afirma Joris Evers, diretor de comunicação da Netflix.
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Nunca fomos tão ávidos por serviços sob demanda, totalmente modelados a nossos hábitos. Queremos todos os meios funcionando ao mesmo tempo. Queremos ouvir a mesma playlist no celular, no carro ou na TV, sem interrupção. “Oferecer um serviço simples, que permite compartilhar arquivos, quase como uma rede social, é o único jeito de concorrer com a pirataria”, diz Mathieu Le Roux, diretor-geral da Deezer na América Latina.
Até mesmo os piratas convictos começam a se mostrar dispostos a pagar por conteúdo e vêm aderindo ao download legal. Segundo uma pesquisa do Ofcom, órgão que regula o setor de comunicações no Reino Unido, os 20% que mais fazem downloads piratas são também os que mais gastam dinheiro com conteúdo digital: em média, R$ 522 por trimestre. Quem baixa arquivos ilegalmente de vez em quando gastou R$ 326 nesse mesmo período. E quem não faz downloads ilegais gasta menos com conteúdo: R$ 295 por trimestre. Números como esses já foram usados como argumentos por aqueles que defendem a pirataria como benéfica para a indústria – afinal, os piratas gastam mais do que os não piratas. Vince Gilligan, criador da sérieBreaking bad, admitiu que os downloads ilegais ajudaram a tornar a série mais conhecida. Mas ele reconhece que a emissora AMC, que produz a série, teria lucrado mais se todos pagassem para assistir ao programa. “Todos que trabalharam em Breaking bad, incluindo eu, teríamos ganhado mais dinheiro se esses downloads fossem legais”, disse Gilligan, em entrevista à BBC. “Todos precisamos comer. Todos precisamos ser pagos.” Ao reduzir a remuneração dos autores, a pirataria reduz o incentivo à criação e à inovação – e prejudica o próprio público. Menos séries como Breaking bad vêm à tona por causa dos piratas.

Mesmo em pequena escala, a pirataria pode ser prejudicial – não só para os grandes estúdios, mas também para os usuários. Mesmo se escapar dos processos judiciais e das multas, quem baixa músicas e filmes ilegalmente corre o risco de se tornar mais desonesto. “Quanto mais cometemos pequenos atos ilegais, maior a chance de repetirmos esse comportamento e de começar a ignorar as regras em outros aspectos da vida”, afirma o psicólogo Dan Ariely, professor da Universidade Duke. “É o que chamamos de efeito ‘que se dane’.” Além de ser mais práticas do que a pirataria, as alternativas legais para o consumo de músicas, games e filmes permitem que o cidadão fuja dessa armadilha moral. Não custa caro ser honesto.

Se, na década passada, as previsões para o futuro do conteúdo digital eram apocalípticas, hoje há motivos para otimismo. “Estamos mais perto de um mundo em que o conteúdo pode ser consumido de forma legal e barata”, disse a ÉPOCA o advogado Lawrence Lessig, professor de Direito da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. À medida que a indústria se ajusta aos desejos do consumidor e oferece novas opções para a venda de conteúdo, até os piratas mais convictos podem ser convertidos. O futuro pertence aos ex-piratas. A maturidade do conteúdo digital será marcada pelo equilíbrio entre o acesso à informação, o direito à propriedade intelectual e a inovação. 

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