REVOLUÇÃO ENERGÉTICA
A reinvenção do fogo
Para resolver a crise global de energia e evitar que o clima destrua nossa civilização, a humanidade precisa de uma nova revolução
Alexandre Carvalho dos Santos
Ilustração: Alexandre Piovani
Foi o fogo que nos fez humanos. Quando o homem pré-histórico dominou a chama, conquistou uma fonte de energia que permitiu cozinhar a comida, aumentando a ingestão de nutrientes e tornando possível um cérebro tão potente.
Milênios depois, foram os combustíveis fósseis que nos fizeram modernos. A queima de carvão e petróleo tornou disponível à nossa espécie uma quantidade mastodôntica de energia, o que inaugurou a civilização industrial – e possibilitou os carros, as fábricas, os aviões, a globalização, a internet.
Agora, à beira de uma crise ambiental que ameaça destruir nossas cidades, nossas plantações e nossa economia, o homem precisa de uma terceira revolução. “Precisamos reinventar o fogo”, diz o físico Amory Lovins, considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do planeta.
“É um absurdo que, no século 21, 80% da energia consumida ainda seja gerada com a queima de pântano decomposto”, disse Lovins numa palestra. Soa mesmo pré-histórico: iPads movidos a carvão queimado. Assim, sufocamos a Terra com uma nuvem de fumaça e fuligem.
A crise de energia que enfrentamos na verdade são duas. De um lado, a energia que usamos para transporte, que move carros, caminhões e aviões. Do outro, aquela que produzimos em usinas e serve para abastecer casas e fábricas, e para iluminar ruas. Cada um desses problemas parece impossível de resolver. Lovins acha que a solução é juntar os dois. “O problema da energia é mais fácil de resolver junto que separado”, diz.
Ao mesmo tempo em que mudamos o combustível dos carros, tornando-os elétricos, precisamos mudar a matriz energética do mundo, trocando o óleo e o carvão por sol, vento e gás gerado pela queima de lixo. Resolver um sem o outro não adiantaria. Carros elétricos não servirão para nada se a energia que eles puxam da rede continuar provindo de pântano queimado. E serão as baterias dos carros, plugados na rede, que armazenarão a energia solar e eólica para os dias nublados e sem vento.
Lovins tem um plano para aposentar carvão e petróleo até 2050. “Será uma das transições mais importantes da história, rumo a um novo modelo de civilização, com energia de fontes gratuitas e inesgotáveis”. Uma revolução tão grande quanto a descoberta do fogo. Veja algumas ideias que irão alimentar essa revolução.
APROVEITE A BRISA DO MAR
O vento gira uma hélice gigante conectada a um gerador que produz eletricidade. Difícil encontrar fonte de energia mais limpa que a eólica. Só que as turbinas ocupam espaço pacas e causam inconvenientes para quem vive perto delas.
Em Portugal, uma solução criativa foi levá-las para o lugar que fez a fama de Cabral: o mar. Além do espaço abundante, no oceano não tem prédio ou montanha obstruindo o vento.
No final de 2011, a EDP, companhia de energia portuguesa, instalou sua primeira turbina eólica offshore, com uma tecnologia chamada WindFloat, um sistema flutuante. Portugal, diga-se, já tem quase 50% de sua energia proveniente de fontes limpas. A meta é que, em 2020, elas respondam por dois terços do total. Melhor trocar a piada de português pela de papagaio.
CARREGUE MENOS PESO
Dois terços da gasolina no tanque de um carro é usada para mover o peso do próprio carro. Não faz mesmo muito sentido usar duas toneladas de aço para carregar cerca de 100 quilos de gente – na média, um carro transporta 1,4 pessoa.
A Alemanha saiu na frente na corrida para criar carros feitos de ligas metálicas superleves. Incentivadas pelo governo, que está taxando os compradores de carros beberrões e usando o dinheiro para subsidiar os mais econômicos, a Volkswagen e a BMW lançaram este ano seus primeiros modelos de veículos ultraleves. O XL-1, da Volks, feito de fibra de carbono, faz mais de 100 quilômetros com um litro de gasolina.
O desenvolvimento de carros mais leves pode ser a tecnologia que faltava para finalmente viabilizar os carros elétricos. Afinal, hoje em dia, os elétricos já são bonitos, rápidos, confortáveis e não custam mais uma fortuna absurda. Só que ninguém quer um carro cuja bateria descarrega depois de 200 quilômetros, e depois leva horas para recarregar. Se o peso do veículo diminuir, a bateria poderá durar o dobro.
Ah, enquanto a Alemanha cria incentivos para que empresas inovem, no Brasil carro elétrico paga o dobro do IPI do carro a gasolina. Não é à toa que, enquanto no mundo a frota de veículos elétricos e híbridos já passou dos 4,5 milhões de veículos, a frota elétrica brasileira é de 70. Não 70 mil – 70 carros mesmo. “Só existe carro elétrico onde há políticas públicas de incentivo. E o Brasil é um dos únicos países sem nada nesse sentido”, diz Paulo Roberto Feldmann, economista da USP.
A INVEJA VAI SALVAR O MUNDO
Dez anos atrás, o pesquisador do comportamento Robert Cialdini conduziu uma pesquisa curiosa na Califórnia. O objetivo era descobrir como convencer as pessoas a economizarem energia. Um quarto dos moradores recebeu um bilhete emocional, tipo “salve o planeta”. Outro grupo foi abordado com um apelo cívico: seja um bom cidadão”. Um terceiro recebeu o bilhete “desligue o ar e economize 54 dólares”. Todas essas abordagens tiveram efeito zero. Mas o quarto grupo recebeu um bilhete que dizia “seus vizinhos estão economizando mais que você”. A redução das contas foi brutal.
Humanos são seres sociais, que se importam com o que os outros fazem. Com base nessa pesquisa, surgiu a Opower, uma empresa que usa design para fazer contas de luz com gráficos que comparam seu uso de energia com a média dos vizinhos e os mais econômicos entre eles. A conta traz também dicas para quem quer melhorar.
A Opower está atuando em seis países melhorando o design das contas de luz, e calcula que já economizou US$ 250 milhões em contas. Motivar as pessoas a economizar é fundamental porque oito em cada nove unidades de energia produzidas são desperdiçadas.
DEIXE O SOL AQUECER E O VENTO ESFRIAR
Parece bobagem, mas o consumo global de energia pode baixar muito apenas reformando prédios e casas ao redor do mundo. Exemplo disso é o Empire State Building, prédio famoso de Nova York. Em 2009, foi feita uma obra para vedar as janelas (de maneira a não perder calor) e usar vento e sol para regular a temperatura. A obra custou US$ 20 milhões. Acha muito? Pois, com a economia de energia, o investimento já se pagou em apenas três anos.
A petroquímica Dow fez uma reforma bem mais ambiciosa em sua sede para torná-la mais eficiente. Gastou US$ 1 bilhão – e já faturou 9 bilhões com a economia. Provavelmente tem oportunidades para ganhar uns trocados reformando a sua casa também.
OUTRA FORMA DE COBRAR
Hoje, empresas de energia ganham mais dinheiro quanto mais energia você usa. Esse é um bom exemplo de incentivo perverso. Desse jeito, as empresas não se sentem nem um pouco estimuladas a economizar. “Devíamos pagar mais às empresas que fazem seus clientes reduzirem a conta de luz”, diz o físico Amory Lovins, cientista-chefe do Instituto Rocky Mountain de energia.
Incentivos bem planejados podem acelerar muito a mudança de hábitos. No Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo, o governo criou programas de estímulo a empresas de energia limpa. Com isso, surgiram empresas como a inglesa A Shade Greener e a americana Sun Run, que instalam paineis solares na casa dos clientes e não cobram um centavo deles. O cliente ganha um painel solar inteiramente grátis e ainda poupa todos os meses na conta de luz. Em troca, a empresa recebe os incentivos do governo e passa a ter o direito de explorar os paineis, vendendo energia para a rede.
Não é o governo que vai resolver a crise de energia: somos eu e você, com as decisões que tomamos no dia-a-dia sobre como nos locomovemos, como iluminamos nossas casas, como nos aquecemos. Mas o governo pode ao menos criar estímulos para nos comportarmos melhor.
DESCENTRALIZE JÁ!
Você sabe como funciona esse negócio de energia. De um lado, uma empresa gigante que opera usinas imensas, produzindo energia em quantidades astronômicas. Do outro, nós, tomando banho em nossos chuveiros elétricos, queimando pão com nossas torradeiras. Pois não precisa ser assim.
Na Alemanha, as redes elétricas têm duas mãos – são as chamadas redes inteligentes. Assim como qualquer pessoa pode puxar energia da rede (e pagar por isso), todo mundo pode produzir energia em casa e jogá-la na rede (ganhando dinheiro por isso). “Eu pago todos os custos da minha casa com a energia gerada pelas placas solares que eu mesmo instalei no telhado”, diz o engenheiro Peter Loster, que vive numa casa em Straubing, na Bavária, e fatura algo como 500 euros por mês vendendo energia para a rede elétrica europeia (quase R$ 1.300). Na Bavária, estado ensolarado ao sul da Alemanha, há em média três paineis solares por habitante – uma capacidade de produção de energia solar maior que a dos Estados Unidos inteiros.
Empresas como a alemã Siemens e a americana GE já vendem kits completos bem simples que qualquer um pode instalar em casa. Produzir energia perto de onde ela é consumida é bom porque linhas de transmissão são ridiculamente ineficientes. Na média, dois terços da energia que sai da usina se perde antes de chegar na sua torrada. Mas claro que as grandes empresas de energia não querem perder o monopólio e no mundo todo fazem lobby para evitar que as redes elétricas deixem o consumidor fornecer.
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