BRASÍLIA E RIO - A estratégia de ampliar a testagem para Covid-19 com o objetivo de reabrir a economia, defendida pelo ministro da Saúde, Nelson Teich, é vista com ressalvas pela cúpula da Organização Mundial da Saúde (OMS), por autoridades de saúde pública e por epidemiologistas ouvidos pelo GLOBO.
Teich avalia que, a partir da testagem, o país poderia “sair da política de isolamento e distanciamento”.
— A gente tem que entender mais da doença. Quanto mais a gente entender, maior vai ser a nossa capacidade de administrar o momento, planejar o futuro e sair desta política do isolamento e do distanciamento. Para conhecer a doença, a gente vai ter que fazer um programa de testes — afirmou.
A OMS, porém, se opôs a recomendar programas que usem “passaportes de imunidade” para liberar a circulação de trabalhadores, porque não há garantias de que uma pessoa não possa ser infectada pelo vírus da Covid-19 mais de uma vez.
O GLOBO pediu ao Ministério da Saúde o detalhamento do programa de testagem de Teich, e o órgão informou que “a estratégia de como será utilizada a testagem está sendo definida”.
Algo que já se sabe do programa é que ele será ancorado nos chamados testes rápidos (sorológicos), que detectam se a pessoa examinada já foi exposta ao novo coronavírus a partir da presença de anticorpos no sangue.
Até 18 de abril, o Ministério da Saúde havia distribuído 2 milhões desses testes, com a previsão de mais 7 milhões até o final de maio, visando testagem em massa. “Tal política de testagem permitirá a identificação dos casos confirmados de Covid-19 com aquisição de imunidade, permitindo o estabelecimento do isolamento com maior precisão, bem como o retorno às atividades com maior segurança”, diz boletim epidemiológico.
Após alguns países, como o Chile, anunciarem programas de testagem em massa para triar trabalhadores imunes, o secretário-executivo da OMS, Michael Ryan, pediu "prudência. — Nós não temos certeza de que alguém com anticorpos está totalmente protegido contra a doença — afirmou.
Ryan disse ainda que há problemas em relação à qualidade dos testes rápdidos que estão sendo usados ao redor do mundo.
Para José David Urbaéz, consultor da Sociedade Brasileira de Epidemiologia, liberar a circulação de pessoas com base no teste de anticorpos seria temerário.
—O vírus é muito novo e a gente não sabe como as pessoas se comportam em relação a ele — alerta o epidemiologista. — Não temos estudos suficientes para cravar que uma pessoa que tenha anticorpos para a Covid-19 não possa ser reinfectada.
O diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, defende aumento da testagem no Brasil, desde que não comprometa o isolamento social.
— Quanto mais testes realizarmos, mais conheceremos sobre a dinâmica da pandemia – explica. — Mas precisamos lembrar que há uma proporção crítica entre o número de casos graves e a quantidade de leitos. Por isso, temos que garantir também o isolamento social.

Estados com cautela

O secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, criticou a ideia do passe livre para atestar quem está imune ao vírus.
— Isso até faria sentido se as evidências científicas apontassem nessa direção, mas ainda não temos essas informações — pondera.
Para a secretária de Saúde do Rio Grande do Sul, Arita Bergmann, a testagem dos anticorpos será apenas um dos elementos do planejamento. O recurso está na estratégia de vários países buscando reabrir a economia de maneira cautelosa.
— Os países que saíram na dianteira no combate ao coronavírus conciliaram o isolamento com a testagem em massa. A Coreia do Sul, por exemplo, fez 200 mil testes em poucas semanas, e depois rastreou as províncias mais atingidas pelo patógeno para estabelecer o confinamento. Mas uma medida não deve ser contraponto à outra – explica Rômulo Neris professor visitante da Universidade da Califórnia.
— Algumas nações tentaram relaxar o lockdown após o pico de infecções, e agora os exames estão detectando novas infecções.