DESASTRE AMBIENTAL
A mancha da discórdia
Secretarias do GDF e empresa divergem sobre a origem do óleo que poluiu o Paranoá
Ullisses Campbell
Joédson Alves
Ullisses Campbell
Joédson Alves
Duas semanas depois de descoberta uma enorme mancha de óleo nas águas do Paranoá, há apenas uma certeza. E ela é positiva: o acidente não representou um desastre ambiental de grandes proporções. Os três km² de produtos químicos que cobriram uma área do lago próxima ao Iate Clube no último dia 16 deixaram como vítimas oficiais dois peixes e um quero-quero, além de duas tartarugas que tiveram o casco tingido. "A parte poluída é 100% recuperável, pois esse material não chegou ao fundo", afirma o secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Eduardo Brandão.
No que diz respeito às causas do dano ambiental, no entanto, faltam explicações conclusivas e sobram trocas de acusações. As autoridades responsáveis pelos setores envolvidos entraram em um jogo de empurra-empurra que não ofereceu respostas convincentes à população.
Logo de início, apareceram duas hipóteses para a origem do transtorno. Uma das suspeitas indicava como fonte do material poluente o combustível usado nas caldeiras do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN). A outra tentativa de explicação apontava as obras de recapeamento na Asa Norte, parte do programa do GDF batizado de Asfalto Novo.
Em vez do aguardado esclarecimento, o que veio à tona foi uma briga de laudos com resultados confusos e contraditórios. O primeiro documento oficial, produzido pelo Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB) no dia 27, concluiu que o óleo encontrado nas águas era idêntico ao combustível usado nas caldeiras do hospital. Seguindo essa linha, a substância poluente teria escorrido pelo duto de esgoto até as águas do lago.
Com base no laudo da UnB, a Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal lavrou uma multa de 280 mil reais para a Secretaria da Saúde, órgão ao qual se subordina o HRAN. Poucos dias depois, porém, o professor da universidade que assinou o laudo, Paulo Anselmo Suarez, relativizou as conclusões de sua análise. "Não posso afirmar com precisão a origem do produto porque o recolhimento das amostras foi feito pelo governo e não pelo laboratório", disse.
Em um primeiro momento, o secretário da Saúde, Rafael Barbosa, declarou que repassaria a multa para a empresa Técnica Construção Civil e Serviços em Geral, encarregada de operar as duas caldeiras do hospital. Como o laudo da UnB deixou dúvidas, o subsecretário de Logística e Infraestrutura da Secretaria da Saúde, Pedro Cardoso, subordinado a Barbosa, anunciou que buscaria novas explicações para o acidente. "Vamos fazer outros laudos, inclusive em universidades de São Paulo, para saber, de fato, a origem desse óleo. Se houvesse um vazamento de tal porte, as caldeiras parariam e o hospital deixaria de funcionar", afirmou Cardoso.
A empresa responsável pelas caldeiras do HRAN também resolveu questionar a análise feita pela UnB. Apresentou, então, um segundo laudo no dia 30, elaborado por técnicos de um laboratório privado. Esse documento afirma que a mancha de óleo do lago contém solventes usados no asfaltamento das ruas. E eles não estariam presentes no combustível utilizado nas máquinas do hospital.
A conclusão de que a sujeira saiu do recapeamento do asfalto foi rejeitada pela cúpula do GDF. Questionado por VEJA BRASÍLIA sobre a possibilidade de chuvas fortes terem levado componentes do material asfáltico para o lago, o governador Agnelo Queiroz (PT) demonstrou irritação. "Não resta a menor dúvida de que a mancha veio do HRAN, tanto que estou providenciando a substituição das caldeiras movidas a óleo por outras mais modernas", disse Queiroz.
Aqui, cabe uma contextualização. O programa Asfalto Novo prevê o recapeamento de metade da malha rodoviária do DF, ao custo total de 770 milhões de reais. Trata-se de uma das maiores vitrines eleitorais para a campanha de reeleição de Queiroz no ano que vem. Sob esse ponto de vista, a notícia de que o óleo que sujou o lago escorreu das obras da Asa Norte não interessa ao governador.
A versão aceita pelo político tem outro defensor dentro do GDF. Para Nilson Martorelli, presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), estatal que gerencia o Asfalto Novo, não há a menor hipótese de que o óleo tenha saído das obras. Na opinião de Martorelli, nem vale a pena discutir o assunto. "Não nos interessa mais polemizar se o óleo saiu daqui ou dali. O que importa é que estamos tomando todas as providências para limpar o lago e as galerias que ainda contêm óleo impregnado", afirma.
Embora os estragos provocados pelo vazamento sejam aparentemente pequenos, a descoberta das causas do acidente tem importância maior do que a revelada na fala de Martorelli. Afinal, se o problema não for corrigido, outros episódios mais graves poderão acontecer.
De positivo, pode-se concluir que o caso serviu para revelar como é precário o sistema de aquecimento de água não apenas do HRAN, mas também de outros nove hospitais públicos do DF. Fabricadas há trinta anos, suas máquinas funcionam precariamente até 24 horas por dia. Na quarta-feira, 30/10, o engenheiro Valdo Vidal, responsável pelas caldeiras do HRAN, deu entrevista com a roupa toda suja de óleo. "Aqui tem vazamento todos os dias porque as máquinas são velhas", disse.
Mesmo assim, ele garante que não houve um derramamento que pudesse percorrer três quilômetros até chegar ao Paranoá. Ainda de acordo com o engenheiro, esse tipo de óleo, conhecido como BPF, só escorreria por uma distância tão longa se estivesse a uma temperatura superior a 60 graus. Proprietário da Técnica, empresa que terceiriza o serviço nos dez hospitais, Jair Rodrigues da Costa diz que gostaria de desistir desse negócio, mas não consegue por se tratar de um serviço essencial. Ele já foi multado em 63 mil reais por outro vazamento, ocorrido no ano passado. "Essas máquinas só me trazem dor de cabeça e prejuízo. São uma bomba-relógio prestes a explodir", alerta.
AS DUAS VERSÕES DE UMA MESMA HISTÓRIA
Duas semanas depois de descoberta uma enorme mancha de óleo nas águas do Paranoá, há apenas uma certeza. E ela é positiva: o acidente não representou um desastre ambiental de grandes proporções. Os três km² de produtos químicos que cobriram uma área do lago próxima ao Iate Clube no último dia 16 deixaram como vítimas oficiais dois peixes e um quero-quero, além de duas tartarugas que tiveram o casco tingido. "A parte poluída é 100% recuperável, pois esse material não chegou ao fundo", afirma o secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Eduardo Brandão.
No que diz respeito às causas do dano ambiental, no entanto, faltam explicações conclusivas e sobram trocas de acusações. As autoridades responsáveis pelos setores envolvidos entraram em um jogo de empurra-empurra que não ofereceu respostas convincentes à população.
Logo de início, apareceram duas hipóteses para a origem do transtorno. Uma das suspeitas indicava como fonte do material poluente o combustível usado nas caldeiras do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN). A outra tentativa de explicação apontava as obras de recapeamento na Asa Norte, parte do programa do GDF batizado de Asfalto Novo.
Em vez do aguardado esclarecimento, o que veio à tona foi uma briga de laudos com resultados confusos e contraditórios. O primeiro documento oficial, produzido pelo Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB) no dia 27, concluiu que o óleo encontrado nas águas era idêntico ao combustível usado nas caldeiras do hospital. Seguindo essa linha, a substância poluente teria escorrido pelo duto de esgoto até as águas do lago.
Com base no laudo da UnB, a Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal lavrou uma multa de 280 mil reais para a Secretaria da Saúde, órgão ao qual se subordina o HRAN. Poucos dias depois, porém, o professor da universidade que assinou o laudo, Paulo Anselmo Suarez, relativizou as conclusões de sua análise. "Não posso afirmar com precisão a origem do produto porque o recolhimento das amostras foi feito pelo governo e não pelo laboratório", disse.
Em um primeiro momento, o secretário da Saúde, Rafael Barbosa, declarou que repassaria a multa para a empresa Técnica Construção Civil e Serviços em Geral, encarregada de operar as duas caldeiras do hospital. Como o laudo da UnB deixou dúvidas, o subsecretário de Logística e Infraestrutura da Secretaria da Saúde, Pedro Cardoso, subordinado a Barbosa, anunciou que buscaria novas explicações para o acidente. "Vamos fazer outros laudos, inclusive em universidades de São Paulo, para saber, de fato, a origem desse óleo. Se houvesse um vazamento de tal porte, as caldeiras parariam e o hospital deixaria de funcionar", afirmou Cardoso.
A empresa responsável pelas caldeiras do HRAN também resolveu questionar a análise feita pela UnB. Apresentou, então, um segundo laudo no dia 30, elaborado por técnicos de um laboratório privado. Esse documento afirma que a mancha de óleo do lago contém solventes usados no asfaltamento das ruas. E eles não estariam presentes no combustível utilizado nas máquinas do hospital.
A conclusão de que a sujeira saiu do recapeamento do asfalto foi rejeitada pela cúpula do GDF. Questionado por VEJA BRASÍLIA sobre a possibilidade de chuvas fortes terem levado componentes do material asfáltico para o lago, o governador Agnelo Queiroz (PT) demonstrou irritação. "Não resta a menor dúvida de que a mancha veio do HRAN, tanto que estou providenciando a substituição das caldeiras movidas a óleo por outras mais modernas", disse Queiroz.
Aqui, cabe uma contextualização. O programa Asfalto Novo prevê o recapeamento de metade da malha rodoviária do DF, ao custo total de 770 milhões de reais. Trata-se de uma das maiores vitrines eleitorais para a campanha de reeleição de Queiroz no ano que vem. Sob esse ponto de vista, a notícia de que o óleo que sujou o lago escorreu das obras da Asa Norte não interessa ao governador.
A versão aceita pelo político tem outro defensor dentro do GDF. Para Nilson Martorelli, presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), estatal que gerencia o Asfalto Novo, não há a menor hipótese de que o óleo tenha saído das obras. Na opinião de Martorelli, nem vale a pena discutir o assunto. "Não nos interessa mais polemizar se o óleo saiu daqui ou dali. O que importa é que estamos tomando todas as providências para limpar o lago e as galerias que ainda contêm óleo impregnado", afirma.
Embora os estragos provocados pelo vazamento sejam aparentemente pequenos, a descoberta das causas do acidente tem importância maior do que a revelada na fala de Martorelli. Afinal, se o problema não for corrigido, outros episódios mais graves poderão acontecer.
De positivo, pode-se concluir que o caso serviu para revelar como é precário o sistema de aquecimento de água não apenas do HRAN, mas também de outros nove hospitais públicos do DF. Fabricadas há trinta anos, suas máquinas funcionam precariamente até 24 horas por dia. Na quarta-feira, 30/10, o engenheiro Valdo Vidal, responsável pelas caldeiras do HRAN, deu entrevista com a roupa toda suja de óleo. "Aqui tem vazamento todos os dias porque as máquinas são velhas", disse.
Mesmo assim, ele garante que não houve um derramamento que pudesse percorrer três quilômetros até chegar ao Paranoá. Ainda de acordo com o engenheiro, esse tipo de óleo, conhecido como BPF, só escorreria por uma distância tão longa se estivesse a uma temperatura superior a 60 graus. Proprietário da Técnica, empresa que terceiriza o serviço nos dez hospitais, Jair Rodrigues da Costa diz que gostaria de desistir desse negócio, mas não consegue por se tratar de um serviço essencial. Ele já foi multado em 63 mil reais por outro vazamento, ocorrido no ano passado. "Essas máquinas só me trazem dor de cabeça e prejuízo. São uma bomba-relógio prestes a explodir", alerta.
AS DUAS VERSÕES DE UMA MESMA HISTÓRIA
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