sábado, 6 de dezembro de 2014

Crise da água: como as árvores trazem chuvas e refrescam a cidade

Crise da água: como as árvores trazem chuvas e refrescam a cidade

O botânico Ricardo Cardim, autor do blog Árvores de São Paulo, explica o papel das árvores para regular o clima e as chuvas em tempos de seca e mudanças climáticas

ALEXANDRE MANSUR /11/2014 
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Copa de uma árvore em São Paulo (Foto: Alexandre Mansur)

Existe uma relação entre a árvore na frente de sua casa com as chuvas que deveriam aliviar a crise de água em São Paulo. Pouca gente lembra disso. Na entrevista abaixo, o botânico Ricardo Cardim, autor do blog Árvores de São Paulo explica como a arborização urbana ou mesmo as plantas de jardim podem ajudar a aumentar a umidade da atmosfera, gerar nuvens de chuva, reduzir a irritação da poeira no ar e ainda diminuir o calor.
ÉPOCA: A região da Grande São Paulo passa por um período de seca sem precedentes.Existe alguma relação entre o ciclo de chuva de uma grande cidade e a arborização urbana?
Ricardo Cardim: São as árvores que transferem umidade do solo para a atmosfera. As raízes profundas das árvores chegam às camadas com água saturada no solo ou aos lençóis freáticos. Pela fotossíntese, a planta puxa a água do fundo da terra e joga essa umidade na atmosfera. A umidade do ar ajuda a baixar as partículas poluentes em suspensão. Isso melhora a saúde das pessoas. Além disso, também ajuda a formar nuvens e um clima propício para as chuvas. Se a cidade tem vegetação abundante, com árvores de grande porte, ela fica mais úmida e tem mais água. A gente precisa aumentar a cobertura verde para otimizar a chuva que cai na cidade. Precisamos destampar nossas nascentes. Elas estão concretadas. Muitas estão escondidas dentro de um bueiro, fornecendo água que vai para o sistema de esgoto. É um desperdício. O ideal seria pegar a água das nascentes urbanas e aproveitar para limpeza ou rega de plantas. A cidade de São Paulo tinha mais de 300 rios. Por falta de visão e planejamento, as grandes avenidas foram construídas em cima desses rios, asfaltando as nascentes. Se tivéssemos preservado nossa malha de rios, brejos e nascentes, mesmo com a falta de chuvas, não faltaria água agora.
ÉPOCA: Um levantamento feito pela SOS Mata Atlântica revelou que 79% da áreas de mananciais do sistema Cantareira, o maior da metrópole, foi desmatada. Qual é a relação entre o desmatamento e a seca?
Cardim: A região de nascentes e das represas perdeu a mata ciliar, aquela vegetação que protege a borda do curso d’água. Quando não tem mata ciliar, a água fica no fundo da terra. Não sobe para a superfície e ajuda a aumentar o curso dos rios. Sem mata ciliar, também temos mais erosão. Com isso, os reservatórios perdem capacidade para guardar água. Hoje não há políticas públicas para reestabelecer as matas ciliares. É só pegar uma foto de satélite das represas que abastecem a cidade, como Billings ou Guarapiranga. Dá para ver o solo ocupado de forma irregular, com construções até a beira da água, por cima de onde deveria haver vegetação.

Raízes de uma árvore em São Paulo (Foto: Alexandre Mansur)
ÉPOCA: A falta de água em São Paulo foi agravada pelas temperaturas recorde registradas este ano. Qual é o papel das árvores urbanas para amenizar o calor?
Cardim: A arborização tem a capacidade de reduzir o efeito ilha de calor. É o calor gerado no meio das grandes áreas urbanas pela concentração de prédios, pavimentação ou calçamento de cimento e asfalto. Essas estruturas absorvem o calor. São pedaços de deserto. Áreas com pouca arborização podem ter até 14 graus centígrados a mais do que bairros mais verdes, segundo um estudo de Magda Lombardo, a Unesp.
ÉPOCA: Como podemos classificar o grau de cobertura vegetal da grande São Paulo?
Cardim: A cidade tem muito pouco verde. Tem 2,6 metros quadrados de área verde por habitante. O mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde é 12 metros quadrados por habitante. Além disso, o pouco verde de São Paulo é mal distribuído. Alguns bairros como Jardins e Pacaembu têm mais árvores e outros como bairros da Zona Leste e o Centro são mais desérticos. A maior parte da cidade é deficiente em verde. E não adianta contar a vegetação da Serra do Mar e da Serra da Cantareira.

ÉPOCA: Como a população se relaciona com as árvores da cidade?
Cardim: A população é prejudicada pela falta de manutenção da arborização. Se tem uma árvore na calçada em frente, começa a dar cupim. A prefeitura não trata. Acaba sendo obridada da derrubar a árvore. Ou a planta é mutilada por causa da fiação aérea. Muitas vezes as calçadas sufocam a árvore. Deixam pouco espaço entre o tronco e o cimento. A árvore adoece e cai. Com isso tudo, pela falta de cuidados, a árvore vira inimiga da população. É um risco para a casa ou o carro. As pessoas acham que folha é sujeira. Isso é falta de uma campanha de conscientização. Falta vontade do poder público para ajudar a população a mudar essa percepção.
ÉPOCA: Nesse momento de racionamento de água, é desperdício regar as plantas ou molhar o jardim?
Cardim: Alimentar a vegetação que ajuda a umidecer e refrescar a cidade não é desperdício. É um investimento necessário. A água que vai para as plantas volta na forma de umidade na atmosfera. O ideal seria usar água de reuso para regar as plantas. Ou água guardada da chuva. Mas nem sempre há essa opção. Uma dica é cobrir a terra com folhas secas, palha, bolas de argila ou pedrinhas. Isso protege o solo. Reduz a perda de umidade. Outra opção é aproveitar a água da lavagem de alimentos, desde que não tenha cloro. Quem tem chuveiro a gás pode aproveitar aqueles primeiros momentos, quando a água está esquentando, para encher um balde e usá-lo para molhar as plantas.

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