MÃOS NA TERRA
A moçada interferiu em seu entorno
Com o projeto de recuperação de um córrego, estudantes de uma escola do Rio de Janeiro aprenderam mais sobre mata ciliar e conseguiram trazer de volta à vegetação ao local
Sophia Winkel
Jose Luis Cernadas Iglesias/Creative Commons
As chuvas intensas que caíram sobre a região da Serra Fluminense em 2011 erodiram o solo, destruíram a vegetaçãodas margens dos rios e deixaram centenas de mortos e desabrigados. O professor de Geografia Rafael Pereira Machado, do Centro Interescolar de Agropecuária José Francisco Lippi, na zona rural de Teresópolis, a 94 quilômetros do Rio de Janeiro, transformou o acontecimento em uma possibilidade de aprendizagem para os alunos do 9º ano, desenvolvendo um projeto de intervenção ambiental que ocorre todos os anos desde então.
Assim, a garotada estudou a mata ciliar e aprendeu a importância de preservá-la para minimizar as consequências de desastres enquanto planejava a recuperação do córrego que passa pela escola. Em sala, Machado começou questionando os jovens sobre o que eles conheciam a respeito da mata ciliar. Alguns nunca tinham ouvido falar nesse tipo de vegetação. O educador explicou que ela ficava nas margens de rios, igarapés, lagos e represas e perguntou se eles achavam importante evitar seu desflorestamento.
Uma parte da turma respondeu que não, justificando que a área poderia ser utilizada para o plantio - uma das principais atividades econômicas do local é o cultivo de hortaliças, e muitas famílias das redondezas se dedicam a esse trabalho. Por isso, a preocupação com a disponibilidade de terras agricultáveis faz parte do dia a dia dos adolescentes.
O professor levou à sala um material - planejado e preparado previamente por ele - que trazia informações sobre as matas ciliares, indicando ocorrência, características gerais e principais espécies de fauna e flora ali encontradas. Ele também continha textos sobre o processo de erosão e o cálculo dos índices pluviométricos. Os alunos foram orientados a fazer a leitura como tarefa de casa. Na aula seguinte, todos discutiram os dados descobertos.
Na sequência, por meio de slides com fotos e notícias de 2011, Machado contou sobre o desastre natural da época. Ele comentou que a ocupação irregular das encostas das montanhas provocara o deslizamento de terras e o desabamento de casas. Explicou também que muitas moradias que ocupavam as margens dos rios foram alagadas com a cheia e que a força da água de grandes enxurradas havia derrubado a floresta. Jovens que perderam parentes ou que ficaram desabrigados compartilharam suas experiências.
Sueli Furlan, docente da Universidade de São Paulo (USP), sugere explicar que osleitos dos rios receberam materiais vindos dos chamados movimentos de massa (deslizamentos de encostas que estavam encharcadas pelas chuvas). Com menos espaço e mais chuva (houve um alto índice pluviométrico no período), os rios invadiram uma área maior, que era ocupada pela vegetação e por pessoas. Machado discutiu que, se houvesse maior preocupação em impedir o desflorestamento e a instalação de casas perto dos rios, a mata estaria abundante e poderia protegê-los, além de colaborar para o escoamento de água.
Ao longo do projeto, o professor fez paralelos entre fatos conhecidos por todos e os conceitos de Geografia estudados nas aulas. Ele comentou, por exemplo, que era preciso ter água para a produção de hortaliças, pois essa cultura depende de muita irrigação. Tal recurso provém dos rios, que só poderiam ser utilizados se fossem protegidos pelas matas ciliares.
Em seguida, o professor previu a necessidade de envolver os pais dos alunos, muitos deles agricultores que dependem da perenidade dos rios da cidade. Por isso, Machado sugeriu que a garotada conversasse com os familiares sobre o que estava aprendendo em sala, falando sobre o papel desse tipo de vegetação, a importância de preservá-la e sua relação com a disponibilidade de recursos hídricos.
INTERVENÇÃO CONSCIENTE
Na etapa seguinte, Machado e os estudantes foram ao riacho da escola - o Córrego da Toca, um braço da bacia hidrográfica do Rio Bengala, que abastece a cidade, para observar o impacto das chuvas abundantes. Eles encontraram uma paisagem devastada, que incluía arbustos tombados, muitas áreas com o solo exposto e margens erodidas. Após a identificação dos problemas, todos delimitaram com cordas e varetas as zonas mais críticas, sem mata ou onde ela poderia estar mais densa. O professor aproveitou a visita de campo para fazer alguns registros fotográficos do processo.
A classe notou que parte da vegetação havia sido perdida e, mesmo com as restaurações feitas pelas turmas dos três anos anteriores, ainda não estava em boas condições. Iniciativas como essa são de médio e longo prazos, pois as plantas nativasdemoram anos para crescer. Além disso, uma ação desse tipo não pode ser de responsabilidade exclusiva da comunidade escolar. "A recuperação de áreas destruídas e a prevenção de acidentes são dever do poder público", afirma a geógrafa e formadora de professores Ana Lúcia dos Santos.
Machado convidou os alunos a pensar quais intervenções poderiam ser feitas para recuperar a região do córrego. "Ainda em campo, muitas ideias surgiram para revitalizar a área", relembra. Em conjunto, os estudantes e o professor decidiram plantar mais 50 mudas, entre as que já haviam sido introduzidas nos anos anteriores, para que a mata crescesse mais densa. Os jovens também escolheram aplicar um volume extra de terra para aumentar a camada de solo, prevendo a erosão das margens. Além disso, instalaram telas de proteção entre as plantas e o córrego e acrescentaram pilhas de sacos de areia para evitar novos desabamentos.
Nos casos em que não há um rio próximo à escola, a opção é levar a classe para conhecer um local parecido dentro da própria cidade. Maquetes também podem ser usadas para simular o impacto das chuvas. "Dá para construir a vegetação ciliar e verificar como ela interfere nos cursos de água. É possível simular um desabamento das encostas das montanhas com e sem plantas, por exemplo, e entender como cada uma das situações age sobre o leito dos rios", explica Ana Lúcia.
Vale lembrar que uma recuperação como a realizada pela turma de Machado só será efetiva se seguir aspectos técnicos. O professor recorreu a materiais da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Rio de Janeiro para orientar a classe. Como alternativa, Sueli sugere usar o documento Cadernos da Mata Ciliar bit.ly/mata-ciliar, elaborado pela Associação Ação Nascente Maquiné (Anama). Ambos contêm orientações de como fazer esse tipo de intervenção.
Ao fim do projeto, o córrego tinha recuperado seu curso normal. E a turma reconheceu a necessidade de colaborar com a preservação de seu entorno usando para isso os conhecimentos adquiridos durante o percurso do estudo.
1. LEITURAS SOBRE A MATA CILIAR
Selecione textos que tragam conceitos sobre esse tipo de vegetação e recomende a leitura em casa. Em classe, proponha um debate sobre o material.
2. AULAS PARA APROFUNDAR
Em aulas expositivas aprofunde os conceitos abordados nos textos. Estimule a participação dos alunos.
3. PROJETO DE INTERVENÇÃO
Sugira uma visita a um rio para que todos avaliem as condições da vegetação de suas margens. Estimule a garotada a pensar em medidas para revitalizar a área.
Assim, a garotada estudou a mata ciliar e aprendeu a importância de preservá-la para minimizar as consequências de desastres enquanto planejava a recuperação do córrego que passa pela escola. Em sala, Machado começou questionando os jovens sobre o que eles conheciam a respeito da mata ciliar. Alguns nunca tinham ouvido falar nesse tipo de vegetação. O educador explicou que ela ficava nas margens de rios, igarapés, lagos e represas e perguntou se eles achavam importante evitar seu desflorestamento.
Uma parte da turma respondeu que não, justificando que a área poderia ser utilizada para o plantio - uma das principais atividades econômicas do local é o cultivo de hortaliças, e muitas famílias das redondezas se dedicam a esse trabalho. Por isso, a preocupação com a disponibilidade de terras agricultáveis faz parte do dia a dia dos adolescentes.
O professor levou à sala um material - planejado e preparado previamente por ele - que trazia informações sobre as matas ciliares, indicando ocorrência, características gerais e principais espécies de fauna e flora ali encontradas. Ele também continha textos sobre o processo de erosão e o cálculo dos índices pluviométricos. Os alunos foram orientados a fazer a leitura como tarefa de casa. Na aula seguinte, todos discutiram os dados descobertos.
Na sequência, por meio de slides com fotos e notícias de 2011, Machado contou sobre o desastre natural da época. Ele comentou que a ocupação irregular das encostas das montanhas provocara o deslizamento de terras e o desabamento de casas. Explicou também que muitas moradias que ocupavam as margens dos rios foram alagadas com a cheia e que a força da água de grandes enxurradas havia derrubado a floresta. Jovens que perderam parentes ou que ficaram desabrigados compartilharam suas experiências.
Sueli Furlan, docente da Universidade de São Paulo (USP), sugere explicar que osleitos dos rios receberam materiais vindos dos chamados movimentos de massa (deslizamentos de encostas que estavam encharcadas pelas chuvas). Com menos espaço e mais chuva (houve um alto índice pluviométrico no período), os rios invadiram uma área maior, que era ocupada pela vegetação e por pessoas. Machado discutiu que, se houvesse maior preocupação em impedir o desflorestamento e a instalação de casas perto dos rios, a mata estaria abundante e poderia protegê-los, além de colaborar para o escoamento de água.
Ao longo do projeto, o professor fez paralelos entre fatos conhecidos por todos e os conceitos de Geografia estudados nas aulas. Ele comentou, por exemplo, que era preciso ter água para a produção de hortaliças, pois essa cultura depende de muita irrigação. Tal recurso provém dos rios, que só poderiam ser utilizados se fossem protegidos pelas matas ciliares.
Em seguida, o professor previu a necessidade de envolver os pais dos alunos, muitos deles agricultores que dependem da perenidade dos rios da cidade. Por isso, Machado sugeriu que a garotada conversasse com os familiares sobre o que estava aprendendo em sala, falando sobre o papel desse tipo de vegetação, a importância de preservá-la e sua relação com a disponibilidade de recursos hídricos.
INTERVENÇÃO CONSCIENTE
Na etapa seguinte, Machado e os estudantes foram ao riacho da escola - o Córrego da Toca, um braço da bacia hidrográfica do Rio Bengala, que abastece a cidade, para observar o impacto das chuvas abundantes. Eles encontraram uma paisagem devastada, que incluía arbustos tombados, muitas áreas com o solo exposto e margens erodidas. Após a identificação dos problemas, todos delimitaram com cordas e varetas as zonas mais críticas, sem mata ou onde ela poderia estar mais densa. O professor aproveitou a visita de campo para fazer alguns registros fotográficos do processo.
A classe notou que parte da vegetação havia sido perdida e, mesmo com as restaurações feitas pelas turmas dos três anos anteriores, ainda não estava em boas condições. Iniciativas como essa são de médio e longo prazos, pois as plantas nativasdemoram anos para crescer. Além disso, uma ação desse tipo não pode ser de responsabilidade exclusiva da comunidade escolar. "A recuperação de áreas destruídas e a prevenção de acidentes são dever do poder público", afirma a geógrafa e formadora de professores Ana Lúcia dos Santos.
Machado convidou os alunos a pensar quais intervenções poderiam ser feitas para recuperar a região do córrego. "Ainda em campo, muitas ideias surgiram para revitalizar a área", relembra. Em conjunto, os estudantes e o professor decidiram plantar mais 50 mudas, entre as que já haviam sido introduzidas nos anos anteriores, para que a mata crescesse mais densa. Os jovens também escolheram aplicar um volume extra de terra para aumentar a camada de solo, prevendo a erosão das margens. Além disso, instalaram telas de proteção entre as plantas e o córrego e acrescentaram pilhas de sacos de areia para evitar novos desabamentos.
Nos casos em que não há um rio próximo à escola, a opção é levar a classe para conhecer um local parecido dentro da própria cidade. Maquetes também podem ser usadas para simular o impacto das chuvas. "Dá para construir a vegetação ciliar e verificar como ela interfere nos cursos de água. É possível simular um desabamento das encostas das montanhas com e sem plantas, por exemplo, e entender como cada uma das situações age sobre o leito dos rios", explica Ana Lúcia.
Vale lembrar que uma recuperação como a realizada pela turma de Machado só será efetiva se seguir aspectos técnicos. O professor recorreu a materiais da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Rio de Janeiro para orientar a classe. Como alternativa, Sueli sugere usar o documento Cadernos da Mata Ciliar bit.ly/mata-ciliar, elaborado pela Associação Ação Nascente Maquiné (Anama). Ambos contêm orientações de como fazer esse tipo de intervenção.
Ao fim do projeto, o córrego tinha recuperado seu curso normal. E a turma reconheceu a necessidade de colaborar com a preservação de seu entorno usando para isso os conhecimentos adquiridos durante o percurso do estudo.
1. LEITURAS SOBRE A MATA CILIAR
Selecione textos que tragam conceitos sobre esse tipo de vegetação e recomende a leitura em casa. Em classe, proponha um debate sobre o material.
2. AULAS PARA APROFUNDAR
Em aulas expositivas aprofunde os conceitos abordados nos textos. Estimule a participação dos alunos.
3. PROJETO DE INTERVENÇÃO
Sugira uma visita a um rio para que todos avaliem as condições da vegetação de suas margens. Estimule a garotada a pensar em medidas para revitalizar a área.
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