Débora Spitzcovsky - site PLANETA SUSTENTÁVEL
As mudanças climáticas são reais e o homem tem grande responsabilidade nesse fenômeno. Como já comentaram e , aqui no blog, esta é a mensagem principal da primeira parte do relatório do , lançada na última sexta-feira (27/09) pelas Nações Unidas.
“Mas não devemos traduzir esse documento como se fosse o apocalipse. Trata-se, simplesmente, de um chamado de atenção para que o mundo entenda que é preciso agir para desfazer esse nó ou a situação ficará insustentável nos próximos 40 ou 50 anos”, afirma José Marengo, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro dos Grupos de Trabalho 1 e 2 do relatório AR5, do IPCC.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista exclusiva com o especialista.
OS PONTOS PRINCIPAIS
“A mensagem mais importante que esse novo relatório do IPCC traz é que, de fato, o planeta está esquentando. As análises mostram que, desde 1850, no início da era industrial, o aquecimento foi de cerca de 0,9ºC, sendo que mais de 66% dele aconteceu depois de 1950. Pode não parecer muito, mas, se fizermos analogia com algo que conhecemos bem, como o corpo humano, perceberemos que é grave. O aumento de 1ºC na nossa temperatura já causa febre e mal-estar. O mesmo ocorre com o planeta: mais 0,9ºC provoca forte impacto na biodiversidade.
Outro ponto importante é o fato de haver 95% de certeza de que o homem é responsável por boa parte desse aquecimento global, que é natural, mas está se acelerando por ação antrópica. É como se estivéssemos com o carro em uma descida: ele desce pela lei da gravidade, mas se você pisa no acelerador ele vai muito mais rápido. É hora de assumirmos nossa participação nessa situação para revertê-la”.
AS NOVIDADES
“Um dado que surpreendeu um pouco nesse novo relatório do IPCC é o fenômeno conhecido como hiato do aquecimento. A partir de 1999, a temperatura global caiu um pouco, o que levou muita gente a dizer que a era do aquecimento global acabou e entrávamos na era do resfriamento. O quarto relatório da ONU não tinha muita literatura sobre isso, mas agora a questão é mais estudada e sabemos que um resfriamento similar aconteceu entre 1950 e 1970. Depois disso, no entanto, a temperatura subiu com mais força. Por isso, o que se prevê é que esse período relativamente mais frio acabe em 5 ou 10 anos, quando voltará a esquentar mais intensamente.
Outro dado relativamente novo do AR5 é o papel dos aerossóis no clima. Essas partículas que vêm das queimadas ou da fumaça dos carros resfriam o planeta. No entanto, o volume de gases do efeito estufa é muito maior. Logo, a tendência de aquecimento global prevalece. Isso fica melhor representado nos modelos de agora”.
AS EXPECTATIVAS
“O IPCC não recomenda políticas, seu trabalho é fornecer evidências científicas. No entanto, o título do painel leva a palavra ‘intergovernamental’ justamente porque os pesquisadores são escolhidos pelos governos. O que queremos é que os países ouçam os resultados do trabalho daqueles que elegeram – e, portanto, confiam – e que a ciência passe a ser considerada pela política.
Esperamos que esse novo relatório leve as bases científicas necessárias para que os governos atuem nas negociações globais da COP19 e estabeleçam metas de redução de emissões. Se não, podemos chegar ao pior cenário apontado pelo AR5, de aumento de 4,8ºC na temperatura do planeta até o final do século, e aí será realmente um ‘salve-se quem puder’.
Não devemos traduzir esse relatório como se fosse o apocalipse. Mas se trata de um chamado de atenção. É preciso agir para ‘desfazer o nó’ que causamos no planeta ou a situação ficará insustentável nos próximos 40 ou 50 anos”.
O BRASIL
“Acredito que o Brasil esteja em uma boa posição. Os ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia e Inovação, por exemplo, uniram-se para implantar o Plano Nacional de Adaptação. E o melhor: essa decisão foi tomada antes da divulgação do AR5 e do relatório do , o que mostra que o governo está entendendo a importância do assunto.
Como o nosso país é, de certa forma, copiado por outros, essa iniciativa se torna ainda mais importante. A Argentina, por exemplo, já está pensando em fazer o Painel Argentino de Mudanças Climáticas, inspirado no nosso. Então, acho que o Brasil pode assumir liderança nessa área”.
OS DOIS GRAUS
“O limite de 2ºC no aumento da temperatura do planeta até 2050, sugerido pelo IPCC, chegou a ser mencionado até como compromisso político na , mas eu pessoalmente acho quase impossível não passarmos desse limite. Talvez ultrapassemos muito pouco, mas ultrapassaremos.
Para que isso não ocorresse, seria necessário muito comprometimento e negociação dos países e isso é muito difícil no cenário atual. A economia está muito ruim na Europa, a agenda ambiental foi para segundo plano e é o dinheiro que manda. Um país que está com problemas de desemprego não vai se preocupar em reduzir emissões, porque os governantes não querem ser impopulares.
Os benefícios de manter o desenvolvimento econômico são imediatos, aparecem em 1 ou 2 anos, dentro do mandato do presidente ou do primeiro-ministro. Mas as vantagens ambientais não são vistas tão rapidamente e podem aparecer até dois mandatos depois. Esse é um dos empecilhos das negociações, que já foi sentido em Dohan e na Rio+20, e precisa ser trabalhado para não atravancar a COP19, em Varsóvia, em novembro deste ano”.
Foto: softpixtechie/Creative Commons
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