quarta-feira, 13 de maio de 2020


Direito à saúde se sobrepõe ao de ir e vir, dizem juristas sobre lockdown, negado em Manaus

mp-am
Aglomeração na Caixa de Manacapuru: direito de ir e vir em conflito com saúde pública (Foto: Divulgação/PMAM)
Por Jullie Pereira, da Redação
MANAUS – O direto à saúde e à garantia da vida tem maior valor em comparação com o direito de ir e vir, garantido pela Constituição Federal, afirmam juristas ouvidos pelo ATUAL sobre a implantação de lockdown (isolamento total) para conter o avanço do coronavírus. Em Manaus, pedido do MP-AM (Ministério Público do Amazonas) para implantar o isolamento total foi negado pela Justiça.
O advogado Marco Salum, membro da CNDC-OAB (Comissão Nacional de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil) explica que em caso de urgência de saúde pública, o direito prioritário é o direito à vida.
“Quando há um conflito de direitos de garantia, deve se pesar o que for emergencial, o que pode garantir o bem maior, que é a vida. Existe o direito de ir e vir e ninguém tem dúvida de que precisa ser cumprido, mas as medidas restritivas não impedem totalmente a pessoa de circular. A pessoa tem o direito, desde que justifique o que está fazendo. O direito de ir e vir está abaixo do direito de proteger vidas”, disse.
Segundo Salum, a probabilidade do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) ordenar o lockdown proposto pelo MP é baixa e outras alternativas são possíveis, como restrições mais firmes para bairros mais afetados.
“É difícil prever decisão judicial, mas não acho que será determinada. Apesar da necessidade de reforçar o isolamento, existe outra forma de fazer isso, por área da cidade, por exemplo, seria mais interessante”, disse.
A questão gerou debate nas redes sociais e divide opiniões. Entre os usuários do Twitter, o consenso é pelo direito de ir e vir. Veja algumas opiniões.
(Foto: Reprodução)
O advogado e sociólogo Helso Ribeiro diz que a justiça, há séculos, entende a saúde coletiva como suprema e acima de outras questões, como o direito de locomoção pessoal.
“O direito de ir e vir é um direito constitucional, mas existem valores e princípios que envolvem a Constituição e um deles é o da saúde coletiva. Lá no Direito Romano, há quase dois mil anos, já se tinha a ideia de que a saúde do povo era suprema e acima da lei. O Brasil não abre precedentes na questão da locomoção, porque países que têm uma democracia até mais desenvolvida que a nossa já determinaram a restrição, baseados numa ideia de saúde coletiva, tendo esse respaldo”, disse Ribeiro.
Para o jurista, a questão do lockdown envolve fatores sociais em que o estado deve intervir para garantir as condições do isolamento total e que as penalidades sejam revistas. “Você vai multar pessoas que não têm dinheiro, a pessoa vai reincidir, a reincidência vai gerar detenção. Não há como fazer isso. Às vezes há um discurso eleitoreiro, falacioso, mas a situação de fato inviabiliza esse tipo de medida”, disse.
Sobre a decisão do TJAM, o Ribeiro diz ser prudente escutar o Executivo para decidir sobre as novas medidas de isolamento.”Eu adoraria que ele [juiz] ouvisse o prefeito e o governador. Realmente é necessário que se faça alguma coisa, mas fazer isso com base em decisão vertical, de cima pra baixo, é complicadíssimo. O bom senso seria ouvir quem pode executar isso”, disse.
Possíveis multas
A Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, estabelece que em caso de infração à legislação sanitária as multas variam de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão e devem ser aplicadas levando em consideração a capacidade econômica do infrator. As multas são tipificadas em leves, graves e gravíssimas, as leves podem chegar a R$ 75 mil.
A lei também estabelece que as multas podem ser aplicadas em dobro em caso de reincidência e está sendo usada para embasar o único decreto de lockdown estabelecido no Brasil, que passou a ser vigente em São Luís do Maranhão, a partir do dia 3 de maio.
Em Manaus, os bairros mais populosos são os mais atingidos pela doença, como Cidade Nova (49 casos graves) e Compensa (45), e aglomerações são vistas em feiras, agências bancárias e supermercados.
“A gente sabe que preciisa ter alguma ferramenta que obrigue as pessoas a cumprir, mas todo o valor mínimo já começa muito alto, considerando que as pessoas já estão se aglomerando em frente às agências por um benefício de R$ 600. A chamada dosimetria (quando o o juiz leva em conta as circunstâncias agravantes e atenuantes) precisar ser usada. Esse valor tem que ser revisto de acordo com a pessoa que está recebendo a pena para que possa vislumbrar o pagamento disso, porque senão torna-se impagável uma medida de pena que não vai ser cumprida mesmo”, disse Marco Salum.
No início da tarde desta quarta-feira, 6, o governador Wilson Lima informou que o estado não tem efetivo policial para fiscalizar a capital e fazer valer multas ou detenções. Caso o lockdown seja determinado, o governado informou ser necessário o trabalho de órgãos de todas as esferas.
Quem pode sair
Em cidades que estabeleceram o lockdown, a permissão para circular nas ruas foi concedida para trabalhadores de serviços essenciais e pessoas que necessitam ir ao supermercado ou farmácia, sendo os locais fiscalizados para não haver aglomerações.
Um documento deve ser assinado pela empresa do funcionário, que alegue a necessidade dele estar fora de casa, com dados de CPF, RG, endereço de residência e informações da empresa. Dessa forma pode ser apresentado ao policiais em caso de abordagem.
Motoristas também devem ter suas declarações em mãos para circularem nas ruas. Em Manaus, o MP solicitou que as fiscalizações aconteçam até que o isolamento do convívio social atinja, no mínimo, 70% da população.
Situação no estado
O Amazonas registrou mais 1.139 casos de Covid-19, nesta quarta-feira, 6, totalizando 9.243 casos confirmados de Covid-19, segundo boletim epidemiológico divulgado pela FVS-AM (Fundação de Vigilância em Saúde). Também foram confirmados mais 102 óbitos pela doença, elevando para 751 o total de mortes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo sua participação e opinião !