Talvez seja esperar demais dos governos no atual modelo de governança global. Mas, como já aconteceu em outras questões, a sociedade civil pode avançar mais rápido do que os políticos. E as empresas serão cobradas a participar.
Líderes mundiais se reuniram em Nova York, na terça-feira, a pedido do secretário-geral da ONU, para tentar desbloquear as negociações de um acordo climático. Esse processo está virtualmente paralisado desde o fracasso da conferência do Climade Copenhague, em 2009. Houve discursos grandiloquentes, manifestações de boas intenções, mas pouco avanço. Foi um mau presságio que os líderes da China e da Índia, dois dos três maiores emissores de gases-estuda, não compareceram.
A presidente Dilma Rousseff repetiu o discurso brasileiro em favor de um acordo "universal, ambicioso e legalmente vinculante". Esqueça o vinculante: EUA, China e outros países não aceitarão cumprir nada obrigatório. É também improvável que seja ambicioso, no sentido de cumprir metas de redução de Emissões sugeridas por cientistas. Universal? Não é garantido. Aliás, pode ainda nem mesmo haver acordo.
Em certas questões, a sociedade empurra os governantes
O mais provável é que seja assinado na conferência de Paris, em 2015, um acordo de metas voluntárias. Cada país estabelece as suas próprias metas e as cumpre se quiser e como puder. Já foi assim com o Protocolo de Kyoto, que era vinculante: os EUA ficaram de fora e, dos países que aderiram, alguns cumpriram suas metas, outros não. E a vida segue.
Isso lembra um pouco a polêmica sobre as sacolas plásticas descartáveis em São Paulo. Sua distribuição gratuita nos supermercados foi proibida por lei em 2012. Uma sacola enterrada num lixão leva até 200 anos para se decompor. Pesquisas indicavam que a maioria da população era a favor da proibição. Mas, após várias idas e vindas e um revolta dos consumidores, as sacolas voltaram. Desde o final daquele ano, não se fala mais disso.
Teoricamente, somos a favor de ações que beneficiem o ambiente, mas, na prática, há uma forte tendência a abdicarmos delas quando uma nossa comodidade ou necessidade é prejudicada.
Países funcionam mais ou menos do mesmo modo. São todos a favor de combater o Aquecimento Global, por meio da redução deEmissões de gases, desde que o ônus maior fique com os outros e desde que o sacrifício não prejudique a economia - e, assim, as chances de reeleição do governante de turno.
A implementação de qualquer acordo não vinculante ficará a cargo de cada país, que terá de adotar medidas impopulares, pois vão mexer com comodidades e necessidades. Alguns o farão, outros não; os primeiros reclamarão dos segundos e uns voltarão atrás. Muitos governantes encontrarão toda a sorte de pretexto para deixar essas medidas para o sucessor.
Basta lembrar que o atual governo da Austrália (conservador) revogou o esquema de mercado de carbono para as empresas do país criado pelo governo anterior (trabalhista), que visava estimular as empresas a reduzir as suas Emissões. Essa revogação foi uma das principais promessas de campanha do hoje premiê Tony Abbott, pois esse mercado de carbono estava prejudicando as empresas australianas.
O dilema é como fazer com que governos que pensam no curto prazo (às vezes curtíssimo) adotem medidas de longuíssimo prazo, com objetivo de evitar que a temperatura do planeta suba demais até final deste século.
Essa sensação geral de responsabilidade difusa, que permite culpar uns aos outros, estimula a inércia. A China pode argumentar que emite pouco, per capita, em comparação com os países ricos, e é verdade. Os europeus podem alegar que são os que mais reduzem as Emissões, e é verdade. Os indianos podem dizer que, se não aumentarem as suas Emissões, não sairão do atual padrão de vida miserável, o que também é verdade.
Mas o fato de os governos não avançarem nas negociações não significa que a batalha climática esteja perdida. Apesar da resistência (possivelmente temporária) ao fim das sacolas de plástico em São Paulo, em certas questões a sociedade sai na frente e acaba "empurrando" os governantes, ainda que isso leve algum tempo.
Em 1954, há apenas 60 anos, um dos maiores escritores do século XX fazia um safári na África, caçando leões e rinocerontes. Isso à época não escandalizava ninguém e naquele ano Ernest Hemingway recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Em poucas décadas, porém, a caça desses animais passou a ser amplamente condenada no Ocidente, sem que nenhum governo tivesse de fazer uma lei contra isso.
Esse tipo de caça ainda ocorre (hoje especialmente pela demanda da China), mas virou um estigma. Em 2012, o então rei da Espanha, Juan Carlos, desculpou-se publicamente depois que foi descoberto que ele participara de um safári de caça de elefantes em Botsuana. Esse episódio ajudou a acelerar a sua abdicação, neste ano.
É evidente a participação crescente da sociedade na questão climática. A reunião na ONU foi precedida pelos maiores protestos contra o Aquecimento Global. O principal resultado da reunião foi um engajamento inédito da iniciativa privada (bancos, seguradoras, fundos de investimentos), com promessas bilionárias de verba para mitigação dos efeitos do aquecimento e de investimentos "verdes", a serem cumpridas.
"A mudança está no ar", disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. "A cúpula do Clima mostrou uma abordagem global inteiramente nova, cooperativa, sobre mudança climática."
Não foi coincidência que os herdeiros da família Rockfeller, que fez fortuna nos EUA com petróleo, anunciaram na segunda-feira que deixarão de investir em combustíveis fósseis.
A americana Cargill, uma das principais empresas globais de agronegócio, anunciou ontem, também como parte da reunião da ONU, sua intenção de acabar com o Desmatamento em toda a sua cadeia de produção.
Essa mudança de atitude na sociedade, percebida pelas empresas, vira marketing, que vira cobrança pela sociedade.
Humberto Saccomandi é editor de Internacional. Escreve mensalmente às quintas-feiras.
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