domingo, 14 de setembro de 2014

David Doubilet: até as profundezas

David Doubilet: até as profundezas

O mais respeitado fotojornalista subaquático de todos os tempos, David Doubilet fala da sua paixão pelo seu trabalho

por David Doubilet
     
Recentemente me indagaram sobre quando ocorreu o meu “momento baleia” – ou seja, quando deixei de ser um mamífero terrestre e me tornei uma criatura anfíbia com uma câmera na mão. A primeira vez em que de fato molhei os pés não resultou de nenhum grande espírito aventureiro, mas do fato de eu ser um menino tímido e curioso com 9 anos de idade. No lago Augur, em Nova York, meus orientadores no acampamento de verão tiveram de lidar com um garoto estranho que sofria de asma e não se misturava com os outros. Por isso, eles me deram uma máscara de mergulho e sugeriram que eu fosse até o lago e retirasse os galhos acumulados sob um cais, lembrando-me de que seria bom se voltasse à superfície de vez em quando para respirar. Mergulhei em um turvo e esverdeado mundo mágico. Vi percas-sóis e lúcios escondidos entre juncos, assim como uma aranha-pescadora gigante que me deixou apavorado. Passei horas ali explorando e até me esqueci de que deveria retirar os tais galhos.
Logo depois, conheci o meu herói, Jacques Cousteau, em Manhattan, por ocasião da estreia de O Mundo do Silêncio, que ganhou o Oscar de melhor documentário. Ao aproveitar os recursos do cinema paramostrar as profundezas do mar, o filme me deixou fascinado. Contei a Cousteau que desejava ser fotógrafo submarino. Ele sorriu e, dando de ombros à maneira francesa, me disse: “Por que não? Vá em frente!”
Minha família tinha duas casas: uma em Manhattan, onde a gente não está longe de um rio, e outra, para as férias, em Elberon, Nova Jersey, perto do mar. Depois daquela primeira incursão subaquática, eu passava os dias de verão a explorar as águas verde-escuras do Atlântico. Quando fiz 12 anos, ganhei uma câmera Brownie Hawkeyede meu pai. Impermeabilizamos a Brownie com um saco de plástico e a prendemos no interior de uma velha máscara de mergulho. Essa foi a minha primeira câmera submarina. Os primeiros resultados foram pavorosos, mas não perdi o entusiasmo.
Ainda adolescente, tornei-me assistente no Laboratório Marinhode Sandy Hook, na costa da Nova Jersey. Junto com os cientistas, mergulhava em um local conhecido como “zona ácida”, onde era lançada boa parte dos rejeitos industriais de Nova York e Nova Jersey. Essa experiência evidenciou que o rigor da ciência não era páreo para minha predileção pela fotografia. Decidi então estudar comunicações na Universidade de Boston, mas também passei boa parte do tempo na outra margem do rio com amigos do Massachusetts Institute of Technology. Um deles era o doutor Harold Edgerton, o lendário inventor do flash estroboscópico. Nossas longas conversas sobre tecnologia se mostraram muito úteis quando comecei a trabalhar para a NATIONAL GEOGRAPHIC. Na minha primeira pauta fui ao lago Ontário documentar um experimento, chamado projeto Sublimnos, que tratava de um hábitat submarino ártico para seres humanos. Logo estava fotografando as mais diversas criaturas, como tubarões, crustáceos e nudibrânquios, permitindo-me mergulhar fundo em paisagens marinhas que pareciam estranhas mas eram de uma beleza excepcional. A primeira vez que me dei conta do esplendor poético dos oceanos foi ao fotografar um campo de enguias-de-jardim. Meu sonho era um novo tipo de imagem que capturasse o delicado balanço dessas enguias, sem qualquer perturbação em seu ambiente. Com muito esforço da equipe, conseguimos isso na costade Eilat, em Israel, com uma câmera oculta na areia controlada a distância e acionada por um cabo comprido que ia até um esconderijo subaquático. Quando a foto foi revelada, sabia que tínhamos afinal um artigo – e também que a fotografia submarina era a minha vocação.
Quanto mais eu mergulhava, mais eu descobria mundos sobre osquais a humanidade pouco sabia e quase nada entendia. A grande “história” da década de 1970 relacionada ao mar foi o filme Tubarão, claro, e a NATIONAL GEOGRAPHIC me enviou em uma viagem ao redor do planeta para fazer uma cobertura mais verdadeira sobre esses animais. Ao lado da doutora Eugenie Clark, observei o universo dos tubarões por um ano e meio, desde a costa do Japão, passando pelo mar Vermelho, até a Austrália. Com a ajuda de vários especialistas, ajudamos a demolir diversos mitos sobre esses animais tão estigmatizados.
Fazer fotos em um ambiente submarino é semelhante a fotografar acidade de Nova York envolta em densa neblina com apenas 50 metros de visibilidade. Além disso, a gente não alcança o nível das ruas, pois só se consegue fotografar de uma altitude de 20 andares e, dependendo das marés e de outros fatores, às vezes temos apenas 15 ou 20 minutos por dia para trabalhar. Também não conseguimos conversar com ninguém, pois não falamos sua língua, e todos se afastam rapidamente, tornando ainda mais difícil obter a imagem de um rosto.
Minha carreira como fotógrafo foi a descoberta de que o mundo sob aquele cais no lago Augur se estende por todo o planeta. Embora agente imagine o mar como um ambiente extraterreno, a maior parte do globo – e grande parte de sua fauna – está, na verdade, sob a superfície da água. Conhecemos tão pouco esse universo oceânico que cada mergulho traz descobertas surpreendentes. Não há como negar que vivemos a Era da Exploração Submarina. Os oceanos, porém, estão sofrendo com a acidificação, a pesca excessiva, a poluição e o aumento na temperatura das águas. A química do planeta está mudando, e os recifes de coral já foram irremediavelmente danificados. Espero que minhas imagens ajudem os leitores a ver o oceano não como uma fronteira remota, mas sim como parte vital do planeta, que deve ser valorizada e preservada para as próximas gerações.

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