terça-feira, 14 de outubro de 2014


Seca no sudeste: por que só atacar o bolso do consumidor é estupidez

A piada é sobre a seca na Califórnia mas poderia ser sobre a nossa.
 
10.10.2014 07h00m

Irene conta: “São Paulo está tão seco que alguém roubou minha garrafa d’água e deixou de lado o meu iphone”. Mas não tem nada de engraçado nisso pois a seca no sudeste não esvazia só os reservatórios paulistas. A Agência Nacional de Águas revelou que o estado das principais bacias hidrográficas brasileiras ameaça cerca de 40 milhões de pessoas.
Há uma percepção de que a escassez de água é reflexo de questões quase inevitáveis como o Aquecimento Global, o crescimento populacional e o consequente aumento da demanda de água na produção de alimentos e para os usos doméstico, industrial e municipal. Muita gente coça a cabeça e conclui que não há nada a fazer. Mas a “crise da agua” poderia ser mitigada pela forma como este recurso é gerido e utilizado. Por exemplo, melhorar o abastecimento inclui aumentar o acesso aos Recursos Hídricosconvencionais, a reutilização da água de drenagem e esgoto, as transferências inter-bacias, a dessalinização e o controle daPoluição e da saúde das margens e mananciais. E ainda: equilibrar as medidas de alocação, de fornecimento e do uso desse recurso visto a variação dos ciclos hidrológicos.


“Mas tem políticos e gestores dizendo que o controle do uso da agua se resume a mexer no bolso do consumidor. Vai lá...aumenta o preço! Cobra mais imposto! Faz uma lei! Cobra uma multa! Ou seja, o de sempre... Ninguém fala em como educar e incentivar o uso responsável da água”, Irene se exalta. E exemplifica: “o que dizer daqueles que varrem o chão com a mangueira ou mantem o carro impecavelmente lavado?”. Eu também acho que qualquer um se surpreenderia ao saber que manter nosso consumo médio de café diário envolve cerca de 130 litros de água. De fato, quase ninguém, mesmo os business men, tem ideia de quanta água vai na fabricação de nossos favoritos produtos de consumo.


E aí entra a ciência, mais uma vez. Muitos estudos têm proporcionado formas de medir a “pegada de água” de diferentes países e produtos específicos. Introduzida por Arjen Hoekstra em 2003, a “pegada de água” é um indicador do uso direto e indireto de água. Exemplo: a produção de carne e produtos agrícolas detém uma alta “pegada de água”. Daí a pressão sobre os Recursos Hídricos nos países produtores como o Brasil, um grande celeiro mundial. A coisa se complica pela crescente afluência da população mundial que demanda cada vez mais alimentos além de optar por dietas contendo mais carne e lacticínios.


A Water Footprint Network já propôs padrões globais para que as empresas calculem sua “pegada de água”: um paradigma que, em tese, seria aplicável a qualquer produto desde uma caixa de fósforos até artigos eletrônicos. A “pegada de água” confronta produtores e consumidores sobre o impacto de seus comportamentos em relação a esse valioso recurso.

Daí vem a ideia de agregar aos rótulos dos produtos suas respectivas pegadas hídricas, tal como já se faz para o conteúdo nutricional e calórico dos alimentos. Em tese, isso despertaria a consciência dos consumidores os incentivando a resistir produtos intensivos no uso de agua, e os fabricantes teriam motivos para reduzir o desperdício. Afinal, os padrões propostos para a “pegada de água” tornaram relativamente fácil quantificar o consumo e o desperdício deste recurso em ambientes de fábrica.


Algumas empresas têm assumido a liderança. Em 2006, a Coca-Cola revelou que usou 80 bilhões de galões de água para produzir suas bebidas. E mais: prometeu substituir cada gota usada (como eu não sei...). Em um artigo publicado no Relatório do Institute for Water Education da Unesco-IHE a brasileiríssima Natura mostrou ser a primeira empresa a quantificar a “pegada de água” total da empresa, considerando todo o ciclo de vida de seus produtos: desde a etapa de suprimento de matérias-primas, de produção, de distribuição até o uso pelo consumidor final. Sua iniciativa foi/é venerável visto que outras empresas se limitaram a quantificar a “pegada de água” na esfera operacional (fábrica).


Mas ainda temos desafios: onde se traçaria o limite de responsabilidade pelo uso da água ao longo da cadeia produtiva? Imagine que as matérias-primas necessárias sejam entregues por um caminhão. A empresa em questão deveria adicionar a “pegada de água” do caminhão ou do diesel usado pelo veículo? Será que um fabricante de bebidas deveria contabilizar a água usada para cultivar o açúcar que é usado em seus produtos? Ou esses dados deveriam ser parte da “pegada de água” do fornecedor? Sem um consenso sobre essas e outras questões será difícil equipar os consumidores com informações comparáveis e úteis.

De qualquer forma, medir a “pegada de água” na fabricação de um produto ou na oferta de um serviço por empresas ou governos geraria uma melhor compreensão sobre o impacto nos Recursos Hídricos locais e os ajudaria a alcançar decisões apoiando a sustentabilidade desse recurso nos âmbitos local e global.

Educar e equipar consumidores, governos e empresas seria uma das iniciativas necessárias para evitar crises futuras. Mas...simplesmente mexer no bolso do consumidor é uma saída estúpida, como tantas outras “soluções” aplicadas aos problemas do nosso país!

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