domingo, 22 de setembro de 2013

AQUECIMENTO GLOBAL

AQUECIMENTO GLOBAL

A espiral fatal do degelo

O Ártico é a vítima mais visível do aquecimento global. A redução progressiva de sua cobertura de gelo coloca a região no rumo de uma transformação sem volta

Filipe Vilicic e Raquel Beer Veja -

Vladim Balakin/Getty Images
Em nenhuma região da Terra os efeitos do aquecimento global são mais perceptíveis que no Ártico. A vida na vasta área de 30 milhões de quilômetros quadrados no extremo norte é regida por um ciclo natural de aumento e redução na cobertura gelada ao longo do ano. É esse mecanismo que agora dá sinais de estar desregulado. Desde que a Nasa, a agência espacial americana, começou a monitorar o Ártico com imagens feitas por satélite, em 1979, o volume de gelo existente em setembro, o mês que sinaliza o fim do verão ártico, diminuiu 80%. Se considerados os últimos meses do inverno, a redução foi de 33%. 


As mudanças no ciclo natural de congelamento e degelo são decorrência do aumento da temperatura média em todas as estações. No fim deste mês, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, publicará a primeira parte de seu quinto relatório. O capítulo sobre o Ártico, do qual se tem conhecimento por um rascunho preliminar que vazou em dezembro, contém indicações que podem levar a um prognóstico preocupante: até 2040, a camada congelada na superfície do Oceano Ártico deve desaparecer totalmente durante a primavera e o verão. 



O aquecimento global afeta mais o Ártico do que o restante do planeta. Enquanto a temperatura média da Terra se elevou menos de 0,5 grau desde 1980, no Círculo Polar Ártico o aumento foi de 1,6 grau. "O solo ártico tem alta concentração de metano, gás 23 vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO2) para o efeito estufa", explica o físico Peter Wadhams, do grupo de estudos sobre oceanos polares da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. "Sem a superfície congelada, que reflete 80% dos raios solares, o calor é absorvido pela água e pelo solo." Nas últimas três décadas, o leito marinho se aqueceu 3 graus. O efeito é multiplicador. À medida que se torna mais quente, maior é a quantidade de metano que libera. 



A alteração do ciclo de congelamento e descongelamento exerce enorme impacto na saúde do ecossistema da região. O urso polar, por exemplo, depende da cobertura congelada do oceano para caçar sua presa favorita, a foca. Como o congelamento está ocorrendo mais lentamente e o degelo mais rapidamente, a temporada de caça do urso se tornou muito curta, ameaçando a sobrevivência da espécie. "O derretimento tem superado o congelamento num ritmo tão acelerado que em 2040 provavelmente já não teremos gelo no verão e, em dois séculos, também não sobrará muito no inverno", diz Wadhams. 



O rascunho do relatório do IPCC avalia em 95% a probabilidade de o homem ser o principal culpado pela mudança climática. O aquecimento no Ártico não é um fato novo. Sabe-se que há aumento gradual da temperatura ao menos desde 1880. De lá para cá, subiu 2,8 graus. A hipótese provável é que o aumento na emissão de gasesdo efeito estufa, devido à atividade humana, como a agricultura e a indústria, seja responsável pelo aquecimento global. A influência da humanidade na temperatura global é um fato novo. Períodos mais quentes e outros mais frios fazem parte dos ciclos naturais do planeta e se sucedem em escala geológica. No momento, sentimos os últimos resquícios de uma era do Gelo. Nos últimos 10 mil anos, o aquecimento natural permitiu o desenvolvimento da agricultura e a expansão da humanidade. O problema é que agora parece já não haver nada de natural nas mudanças climáticas. 



No relatório a ser divulgado, o IPCC pela primeira vez considera a possibilidade de que a alta atividade solar, que se intensificou nas últimas décadas, esteja contribuindo para o aquecimento global. Seria o inverso do que ocorreu entre 1350 e 1850, período em que a baixa atividade solar provocou súbita queda na temperatura, a chamada Pequena era do Gelo. O IPCC será cauteloso ao atribuir responsabilidades. Seus redatores querem evitar a repetição das falhas do relatório de 2007, entre as quais estavam grosseiras manipulações de dados. Há quatro anos, o vazamento de e-mails trocados entre cientistas mostrou que alguns deles exageravam intencionalmente a gravidade do aquecimento global como artifício para obter financiamento para pesquisas. O novo estudo do IPCC está sendo elaborado por 550 cientistas, 100 a mais do que no anterior. "Estamos pressionados, conferindo tudo milhões de vezes", disse a VEJA o economista americano Alec Rawls, revisor do relatório. Rawls, que foi responsável pelo vazamento do rascunho, acredita que a natureza também tem influência nos humores do clima. 



A rapidez do aquecimento não dá tempo para que os animais do Ártico se adaptem. No próximo meio século se expandirá a fronteira conhecida como "linha da árvore". Ela divide o Ártico em duas partes: a com e a sem árvores. Com o deslocamento da "linha", parte da tundra deve se transformar em florestas boreais e os desertos gelados podem virar tundra. Muitas espécies, como a Raposa­do-Ártico, podem estar condenadas. 



Afirma o geólogo e glaciologista Jefferson Simões, um dos revisores do estudo do IPCC: "Essas alterações afetarão a teia alimentar mundial e também, diretamente, os quatro milhões de pessoas que moram no extremo norte. O derretimento da calota polar provocará a elevação do nível do mar". Podem ser necessários enormes investimentos para conter a incidência de enchentes em cidades litorâneas. 



A presença do dedo humano nas mudanças climáticas é, de qualquer forma, difícil de negar. Nos últimos 10 mil anos, a temperatura média subiu 5 graus. Antes da revolução Industrial, a vilã era a agricultura — o desmatamento aumenta a emissão de CO2, o principal gás do efeito estufa. Após a revolução Industrial, a concentração de CO2 na atmosfera deu um salto de 30%. A profilaxia para diminuir o ritmo do aquecimento do Ártico é conhecida: reduzir a emissão de gases do efeito estufa, principalmente o CO2. Isso se faz com o uso de combustíveis renováveis, com reflorestamento e com a adoção de práticas verdes, como a reciclagem do lixo



A dúvida em relação ao Ártico é a mesma existente a respeito do aquecimento global: a Terra não se adaptará sozinha às mudanças climáticas? Seja qual for a resposta, atitudes verdes resultam em benefícios para as pessoas e para o ambiente. Um exemplo: como consequência do esforço para conter o aquecimento global, o desmatamento caiu 20% desde 1990 em todo o mundo. É como se a terra estivesse com câncer, sem se saber se é maligno ou benigno. Por via das dúvidas, recomenda-se quimioterapia. Se for maligno, o mal foi eliminado. se for benigno, não se correu o risco.

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