VIRADA DA MOBILIDADE
O impacto da imobilidade urbana em São Paulo
A capital paulista coloca nas ruas, todos os dias, 1.200 novos carros, que causam trânsito, poluição e mortes, entre tantos outros problemas que impactam diretamente a qualidade de vida da população. Como libertar São Paulo da ditadura do carro? Reunidos no primeiro seminário da Virada da Mobilidade, especialistas discutem o tema
Débora Spitzcovsky
deboni/Creative Commons
Na última década, a frota de carros da cidade de São Paulo cresceu 15 vezes mais do que a população. A capital paulista coloca nas ruas, todos os dias, 1.200 novos carros e, como consequência, registra índices de congestionamento nunca antes vistos na história. O problema ainda atinge o orçamento da cidade: os gastos anuais com trânsito chegam a R$ 40 bilhões, o que corresponde a cerca de 8% do PIB de São Paulo. Com esse valor, seria possível construir 525 km de metrô, por exemplo, que ajudariam - e muito - a resolver o problema da imobilidade nas ruas paulistanas.
Se o carro traz muito mais problemas do que benefícios para a cidade, por que é tão difícil se libertar dele no dia a dia? Reunidos no auditório da Editora Abril, em São Paulo, especialistas em mobilidade urbana debateram o tema nesta terça-feira (17/09), durante o seminário A Economia da Imobilidade, o primeiro promovido pela
. Confira, abaixo, o que eles disseram.
IDOLATRANDO O INIMIGO
Rachel Biderman, do instituto de pesquisa ambiental WRI no Brasil, atribuiu o atual momento de "ditadura veicular" à melhora da situação econômica do país e à publicidade. "Nos últimos anos, o carro foi um dos maiores focos de investimento de propaganda e marketing, sempre associado a coisas boas, o que fez com que as pessoas dessem uma importância desmedida a esse item de consumo", pontuou a especialista. No entanto, ela acredita que esse estado de idolatria está com os dias contados: "O colapso que está nas ruas finalmente faz as pessoas enxergarem o lado ruim do carro, que é um dos maiores vilões globais das mudanças climáticas".
(NÃO) RESPIRA, SÃO PAULO
O trânsito pode ser o problema mais visível causado pelo excesso de carros nas cidades, mas não é o único. "90% dapoluição de São Paulo vem do transporte motorizado e causa danos à saúde das pessoas que já somam bilhões de dólares por ano", revelou Simone Miraglia, do Laboratório de Economia, Saúde e Poluição Ambiental da Unifesp. Segundo ela, quanto mais congestionamento existir na cidade, mais expostas as pessoas ficam a sequelas e até a morte. "Quanto menor a velocidade dos veículos, mais eles emitem. E quanto mais tempo o motorista fica no trânsito, maiores são as chances de danos à saúde. É uma equação perigosa", explicou Miraglia. Como solução, ela cita os metrôs: "Sem a malha metroviária que tem hoje, São Paulo teria 75% mais poluição e risco de mortalidade 24 vezes maior. O metrô permite que a cidade economize US$ 18 bilhões por ano com saúde. Com esse dinheiro, dá para construir 120 km de linha a cada 12 meses".
IMPRUDÊNCIA QUE MATA
José Aurélio Ramalho, presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, trouxe ao debate outro problema ocasionado pelo excesso de carros nas ruas: o aumento de acidentes. "O número de vítimas com sequelas em acidentes de trânsito aumentou 51% no primeiro semestre de 2013, em comparação com 2012", revelou o especialista. Segundo ele, o uso de celular ao volante é a principal causa desses incidentes, seguido por outras imprudências, como excesso de velocidade, ultrapassagens inseguras, consumo de bebida alcoólica e sono. "Precisamos de mudanças urgentes no sistema de formação de condutores do Brasil. Estamos formando pessoas para matar", alertou Ramalho, que acredita que o investimento emtransporte público de qualidade também pode ajudar a reduzir o número de acidentes.
INVESTIMENTO DE ARAQUE
Uma das sugestões que apareceram no debate para combater a "ditadura do carro" é mostrar a população que comprar um veículo nem sempre é bom negócio. "Vivemos um momento de juros baixos. É tentador efetuar o negócio, mas comprar um carro impacta o orçamento em longo prazo. Um veículo de R$ 30 mil custa cerca de R$ 12 mil por ano ao motorista, sem contar o financiamento", revelou Álvaro Dias, da A,R&D Finanças Pessoais. Para ele, esse dinheiro poderia ser melhor investido em saúde, educação ou moradia. "A pessoa compra o carro com a ilusão de que aquele objeto será um ativo na sua vida, mas a verdade é que com o tempo ele vira um passivo", esclareceu.
TRANSPORTE INTEGRADO JÁ
Outra necessidade apontada no debate para incentivar as pessoas a deixar o carro em casa foi o investimento em umarede integrada de transporte público. A questão foi levantada por Ailton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). "Se todo mundo resolver se locomover de metrô hoje, teremos espaço? Não adianta dizer para o povo abrir mão do carro, se a cidade não tem planejamento para isso. O metrô hoje leva oito passageiros em pé por metro quadrado, mas foi planejado para levar quatro. É preciso investir em outros modais, como ônibus, para balancear a equação", opinou o especialista. Brasiliense deixou claro, ainda, que a pressão da sociedade sobre os políticos é a arma mais eficaz para que aconteçam as mudanças que a cidade precisa no setor demobilidade urbana.
DIAS MELHORES NÃO VIRÃO, PORQUE JÁ CHEGARAM
Autor do livro
, o jornalista Leão Serva aproveitou sua participação no debate para evidenciar as boas notícias recentes na área de mobilidade urbana. "As pessoas pintam o trânsito como uma quimera avassaladora. Isso não anima ninguém a combater o problema", criticou Serva. Segundo ele, nos últimos três anos, cerca de 1,2 milhão de paulistanos adotaram o transporte por trilho. "Isso é praticamente todo o potencial de capacidade do metrô do Rio de Janeiro, que é o segundo maior do Brasil. Ou seja, há boas notícias. Não estamos em uma situação tão ruim assim", concluiu o jornalista.
CIDADES PARA PESSOAS
Para o vereador Ricardo Young, da Subcomissão de Mobilidade Urbana da Câmara dos Deputados de São Paulo, o problema no setor de transportes é resultado da crise de concepção das cidades. "Essa é a principal questão que temos que resolver. O desafio do século XXI são as cidades sustentáveis, espaços de convívio e regeneração dos serviços ambientais", afirmou o político. Para ele, essa revolução só vai acontecer com uma mudança cultural radical, que deve ser trabalhada localmente. "Muito além de deixar de usar o carro, as pessoas precisam entender sua relação com a cidade. As ruas são vias públicas, um espaço de encontro. Elas são muito mais do que uma simples ligação do ponto A para o ponto B", disse Young.
O PODER NA MÃO DE CADA UM
Marcio Nigro, fundador do Caronetas e um dos organizadores da Virada da Mobilidade 2013, encerrou o seminário falando a respeito da responsabilidade de cada cidadão. "A mobilidade é uma escolha diária. Já pensou o impacto que teria em São Paulo, caso apenas 30% das pessoas que foram para as ruas nas mobilizações de junho repensassem a forma como se locomovem na cidade? Muito além das políticas públicas, a mudança tem que partir das pessoas, das empresas...", pediu Nigro. Ele aproveitou para dizer que a guerra não é contra os carros, mas contra o modelo falido e insustentável de mobilidade urbana: "Em São Paulo, temos 0,57 carro por habitante. Em Mônaco, é 0,84 carro por habitante. É o maior índice do mundo e, no entanto, a cidade não tem trânsito, porque as pessoas sabem fazer suas escolhas de locomoção diária e andam muito a pé".
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