quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Açúcar: doce vício

Açúcar: doce vício

Para o bem e para o mal, ficamos viciados há 10 mil anos

por Rich Cohen
O FUNDO DO COPO
Elas tinham de ir embora. A máquina de refrigerante, a de petiscos, a fritadeira industrial. Içadas e arrastadas pelos corredores, foram para a calçada é lá ficaram, assim como outros refugos, sob o desolador céu cinzento, atrás da Kirkpatrick, uma de várias escolas de ensino fundamental de Clarksdale, no sul dos Estados Unidos. Isso foi há sete anos, quando os administradores se deram conta da magnitude do problema. Clarksdale, célebre cidade no delta do Mississippi que legou ao mundo a era de ouro do blues, com seus algodoais e suas planícies ondulantes margeando o rio e suas ainda belas mansões vitorianas, está no centro de uma colossal crise de saúde. Obesidade, diabetes, pressão sanguínea elevada, doenças cardíacas: para alguns especialistas, esse é um legado do açúcar, um produto que trouxe acorrentados para o Novo Mundo os ancestrais da maioria dos negros americanos, dos habitantes de Clarksdale aos do interior do Brasil. “Sabíamos que tínhamos de tomar alguma providência”, me diz a diretora da Kirkpatrick, SuzAnne Walton.
Nascida e criada em Clarksdale, SuzAnne me conduz a uma volta pela escola enquanto fala sobre como seu pessoal está tentando ajudar os alunos, que, em sua maioria, faz duas refeições por dia na cantina: assados em vez de frituras, frutas em vez de doces. Ela está de avental de médico, o traje habitual dos professores nas segundas- feiras, para reforçar o comprometimento da escola com a saúde e o bem-estar. O alunato é 91% afro-americano, 7% branco “e três latinos” – os 2% restantes. “As crianças comem o que dão a elas, e quase sempre isso significa guloseimas doces e baratas: bolos, cremes, balas. Pelo bem dos alunos, era preciso mudar”, explica ela.
É o caso de Nicholas Scurlock, que está na quinta série e começou a estudar na escola de ensino médio Oakhurst. Nick mal alcançou a altura mínima para poder andar na montanha-russa de qualquer parque de diversão, mas já pesa 61 quilos. “Ele tem pavor das aulas de educação física”, me conta SuzAnne. “Tem dificuldade para correr, para respirar. O menino sofre com tudo.”
Encontro Nick na cantina, sentado ao lado da mãe, Warkeyie Jones, uma beldade de 38 anos. Ela me conta que mudou seus hábitos alimentares por interesse próprio e para dar exemplo a Nick. “Eu comia doce o dia inteiro, porque trabalho sentada, e o que mais podia fazer? Mas agora como aipo”, comenta ela. “Os outros vêm me dizer: ‘Ah, você está fazendo isso porque arrumou namorado’. E respondo: ‘Não, estou fazendo isso porque quero viver e ter saúde’.”
Pegue um copo d’água, ponha açúcar até a borda, espere cinco horas. Quando voltar, verá que os cristais assentaram no fundo do copo. Clarksdale, uma cidade gorda em um dos condados mais gordos no estado mais gordo do país industrializado mais gordo do mundo, é o fundo do copo americano, onde o açúcar assenta no corpo de crianças como Nick Scurlock.
NG - Cereal
Os Estados Unidos têm registro de 2 mil marcas de cereal matinal. Embalados como alimento integral saudável nos anos 1800, esses derivados, na maioria das vezes do milho, começaram a evoluir, nos anos 1920, para vários tipos: flocos açucarados, bolinhas, rosquinhas... - Foto: Robert Clark
MESQUITAS DE MARZIPÃ
No começo, na ilha da Nova Guiné, onde a cana-de-açúcar foi domesticada há 10 mil anos, as pessoas cortavam a planta e a comiam em estado bruto: mastigavam o caule até a doçura explodir na boca. Uma espécie de elixir, a cura para todos os males, resposta a qualquer estado de espírito, o açúcar figurava com destaque nos antigos mitos da Nova Guiné. Em um deles, o primeiro homem faz amor com um talo de cana e gera a raça humana. Em cerimônias religiosas, os sacerdotes bebiam água açucarada em cascas de coco; a bebida foi mais tarde substituída nas cerimônias sagradas por latas de Coca-Cola.
O produto difundiu-se de ilha em ilha e chegou ao continente asiático por volta de 1000 a.C. Na Índia, em 500 d.C., era beneficiado e transformado em pó para ser usado como remédio para dor de cabeça, espasmos estomacais, impotência. Durante muitos anos, a ciência da refinação permaneceu secreta, passada de mestre para aprendiz. Em 600, a arte havia chegado à Pérsia, onde os governantes recebiam seus convidados com uma profusão de doces. Quando exércitos árabes conquistaram a região, levaram para casa o conhecimento e a adoração ao açúcar. Foi uma onda irresistível: primeiro aqui, depois ali, o produto acabou aparecendo onde quer que Alá fosse cultuado. “Em todos os lugares que estiveram, os árabes levaram tanto o produto quanto a tecnologia de produção”, escreve Sidney Mintz em Sweetness and Power (“Doçura e Poder”). “Dizem que o açúcar seguiu o Corão.”
Os califas muçulmanos criavam espetáculos nos quais o marzipã era o astro: amêndoas moídas e açúcar esculpido em invenções exóticas que exibiam a riqueza do Estado. Um escritor do século 15 descreveu uma mesquita inteira de marzipã, encomendada por um califa. Os pobres a admiraram, entraram para orar e depois a devoraram. Os árabes aperfeiçoaram seu refino e o transformaram em indústria. O trabalho era brutal. O calor do canavial, as centelhas das foices, a fumaça da casa das caldeiras, o esmagamento nas moendas. Em 1500, com a demanda em alta, o trabalho era considerado próprio apenas para o escalão mais inferior da mão de obra. Muitos dos trabalhadores em canaviais eram prisioneiros de guerra, europeus do leste capturados durante embates dos exércitos cristãos e muçulmanos.
Os primeiros europeus que se apaixonaram pelo açúcar talvez tenham sido os cruzados ingleses e franceses que foram ao Oriente arrancar a Terra Santa das mãos dos infiéis. Voltaram cheios de visões, histórias e lembranças. Como a cana não se dá bem em climas temperados – precisa de terras tropicais encharcadas pela chuva para prosperar –, o mercado europeu desenvolveu-se com base em um fluxo irregular de fornecimento muçulmano. O açúcar que chegava ao Ocidente era consumido apenas pelos nobres, uma raridade classificada como especiaria. Mas, com o crescimento do Império Otomano nos anos 1400, o comércio com o Oriente ficou mais difícil. Para a elite ocidental enfeitiçada pelo produto, havia poucas opções: negociar com os pequenos fabricantes da Europa meridional, derrotar os turcos ou providenciar novas fontes.
Na escola, chamam esse período de era das explorações: a busca por territórios e ilhas que levou os europeus a todos os cantos do mundo. Na realidade, em boa medida, tudo não passou de uma procura por terras em que a cana pudesse prosperar. Em 1425, o príncipe português Henrique, o Navegador mandou mudas à Madeira com um grupo inicial de colonos. Logo, a cana se instalou em outras ilhas recém-descobertas no Atlântico: Cabo Verde, Canárias. Em 1493, quando Colombo partiu em sua segunda viagem ao Novo Mundo, levou a planta. Assim nasceu a grande era do açúcar, das ilhas antilhanas e das plantações escravistas, que abriram caminho, mais tarde, para as grandes usinas fumacentas, o consumo em massa, as crianças obesas e os homens de agasalho esportivo tamanho GGG se locomovendo em cadeiras de rodas elétricas.
ESCRAVOS DO AÇÚCAR
Colombo plantou os primeiros pés de cana em Hispaniola (a ilha onde hoje estão o Haiti e a República Dominicana) – não por coincidência, local da grande revolta escrava séculos depois. Dali a décadas, engenhos despontavam nas terras altas de Jamaica e Cuba, onde a floresta fora derrubada, e a população nativa, quando não escravizada, eliminada por doenças ou guerra. Os portugueses criaram o modelo mais eficaz de produção, e transformaram o Brasil em uma das primeiras colônias de lavoura exportadora, com mais de 100 mil escravos produzindo toneladas de açúcar. Com o aumento da plantação de cana, caiu o preço do produto. E, com a queda nos preços, cresceu a demanda. No século 17, o açúcar começou a passar de especiaria de luxo, no nível da noz-moscada e do cardamomo, a gênero básico, primeiro, à classe média e, depois, aos pobres.
No século 18, contudo, estava consumado o casamento do açúcar com a escravidão. Em intervalos de poucos anos, uma nova ilha – Porto Rico, Trinidad – era colonizada, desmatada e plantada. Quando os nativos morriam, os fazendeiros os substituíam por cativos africanos. Depois da colheita e do beneficiamento, o produto era empilhado no porão de navios e levado a Londres, Amsterdã, Paris, e trocado por produtos acabados, que, por sua vez, eram enviados à costa ocidental da África e trocados por mais escravos. Até o tráfico ser proibido na Inglaterra, em 1807, mais de 11 milhões de africanos foram mandados ao Novo Mundo, e mais da metade foi para a lavoura da cana. Segundo o político e historiador trinitino Eric Williams, “a escravidão não nasceu do racismo; ao contrário, o racismo é consequência da escravidão”. Em outras palavras, os africanos não foram escravizados por serem considerados inferiores; foram considerados inferiores para justificar a escravização necessária à prosperidade do comércio do açúcar.
A primeira ilha açucareira inglesa foi Barbados. Deserta quando um capitão inglês a encontrou, em 14 de maio de 1625, a ilha logo se encheu de moendas, casas grandes de fazenda e casebres. A cana dominou a terra, como fez onde quer que tenha sido plantada nas Antilhas. Em um século, os campos estavam esgotados, e o lençol freático, exaurido. Àquela altura, os fazendeiros mais ambiciosos tinham deixado Barbados em busca da próxima terra. Em 1720, quem estava usando a coroa açucareira era a Jamaica.
Para um africano, a vida nessas ilhas era infernal. Por todas as Antilhas, milhões morreram nos canaviais e engenhos ou quando tentavam fugir. Aos poucos, o pecado do tráfico começou a ser sentido na Europa. Reformadores pregavam a abolição; donas de casa boicotavam a cana plantada por escravos. Em Cândido, de Voltaire, um escravo explica por que perdeu uma mão e uma perna: “Quando trabalhamos no engenho e prendemos o dedo na moenda, eles cortam fora nossa mão; quando tentamos fugir, cortam uma perna; essas duas coisas aconteceram comigo. É a esse preço que vocês comem doce na Europa”.
Mas não havia como baixar a febre. O açúcar foi o petróleo da época. Quanto mais se comia, mais se desejava. Em 1700, o inglês médio consumia 1,8 quilo por ano. Em 1800, o consumo aumentara para 8,2 quilos. Em 1870, o mesmo glutão comia 21 quilos por ano. Estava satisfeito? Não! Em 1900, eram 45 quilos por ano. Hoje, o americano médio consome 35 quilos do produto industrializado por ano – ou seja, mais de 95 gramas por dia. No Brasil, maior produtor mundial de açúcar, estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) levam a conta ainda além: mais de 50 quilos por ano.
NG - Xarope
Em sopa, refrigerante e muitos outros produtos, viscosas ondas de xarope de milho com alto teor de frutose (abreviado como HFCS) inundam a paisagem dos alimentos industrializados. O HFCS é mais barato e doce que a sacarose, açúcar feito de cana ou beterraba. Há diferença biológica? “Nada digno de nota”, diz Marion Nestle, professora de nutrição da Universidade de Nova York. “Faria bem para todos comer menos de quaisquer desses tipos.” - Foto: Robert Clark
O CULPADO
Parece que toda vez que estudo uma doença e encontro o caminho até a causa inicial, acabo voltando ao açúcar.” Richard Johnson, nefrologista da Universidade do Colorado em Denver, conversa comigo em seu consultório em Aurora, no Colorado, com as montanhas Rochosas congestionando o horizonte. É um homem grandalhão, de olhos que faíscam quando fala. “Por que um terço dos adultos no mundo todo tem pressão arterial alta se, em 1900, eram só 5%?”, pergunta ele. “Por que 153 milhões de pessoas tinham diabetes em 1980, mas agora são 347 milhões? Por que há cada vez mais americanos obesos? O açúcar é um dos culpados – se não o principal.”
Nos idos de 1675, quando a Europa Ocidental vivia seu primeiro surto de consumo, Thomas Willis, médico e membro fundador da Royal Society britânica, notou que a urina de pessoas com diabetes tinha “um surpreendente gosto adocicado, como se estivesse impregnada de mel ou açúcar”. Duzentos e cinquenta anos depois, Haven Emerson, da Universidade Colúmbia, mostrou que um grande aumento nas mortes por diabetes entre 1900 e 1920 correspondeu a uma elevação no consumo de açúcar. Nos anos 1960, o nutricionista John Yudkin fez uma série de experimentos com animais e pessoas, e concluiu que grandes quantidades de açúcar na alimentação acarretavam altos níveis de gordura e insulina no sangue: fatores de risco a doenças cardíacas e diabetes. A mensagem de Yudkin, contudo, foi logo abafada por um coro de outros cientistas que atribuíram as maiores taxas de obesidade e doenças cardíacas ao famigerado colesterol, proveniente do excesso de gordura saturada na alimentação.
Como resultado, a gordura passou a ter uma participação menor do que há 20 anos na dieta americana. Apesar disso, a porcentagem de americanos obesos na população só cresceu. Para Johnson e outros especialistas, a razão principal é o açúcar, sobretudo a frutose. A sacarose, ou o açúcar de mesa, consiste em quantidades iguais de glicose e frutose. A frutose é o tipo encontrado nas frutas, e é ela quem dá ao açúcar de mesa aquela doçura deliciosa. Johnson me explica que, embora a glicose seja metabolizada pelas células do corpo todo, a frutose é processada, sobretudo, no fígado. Se você comer demais em formas que são digeridas com rapidez, como nos refrigerantes e nas balas, seu fígado decompõe a frutose e produz gorduras chamadas triglicérides.
Uma parcela dessas gorduras permanece no fígado, que, depois de ficar exposto a elas por longo tempo, pode se tornar gorduroso e funcionar mal. Além disso, boa parte das triglicérides também é levada ao sangue. Assim, com o tempo, a pressão arterial sobe, e os tecidos se tornam cada vez mais resistentes à insulina. O pâncreas reage ao mandar mais insulina, tentando manter o equilíbrio. Por fim, ocorre a chamada síndrome metabólica, caracterizada por obesidade, mais comum na área da cintura, pressão arterial elevada e outras alterações metabólicas que, se não forem controladas, elevam o risco de diabetes do tipo 2 e, ainda mais, de ataque cardíaco. Nada menos que um terço da população adulta americana pode se encaixar nos critérios da síndrome metabólica indicados pelos Institutos Nacionais de Sáude, o órgão oficial de pesquisas biomédicas nos Estados Unidos.
No Brasil, o Ministério da Saúde considera a obesidade infantil epidêmica. Uma em cada três crianças brasileiras entre 5 e 9 anos está acima do peso ou obesa. Divulgado em 2013, um pioneiro estudo feito por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, da Faculdade de Medicina do ABC e do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, que avaliou o consumo de bebidas entre crianças e adolescentes de 3 a 17 anos em cinco capitais do país, apontou que o leite e a água quase desapareceram da dieta de crianças e adolescentes: na média, eles consomem 21 quilos de açúcar por ano apenas em refrigerante e outras bebidas industrializadas, como os sucos. O problema vem se acentuando nos últimos 20 anos, em decorrência da maior oferta de alimentos industrializados e das melhores condições econômicas das famílias.
Há pouco, a Associação Americana do Coração juntou-se à campanha de alerta contra o excesso do produto na alimentação. Seu argumento é que ele fornece calorias sem benefício nutricional. Segundo Johnson e seus colegas, essa não é a questão principal. Em excesso, ele é tóxico. “Não tem nada a ver com calorias”, diz o endocrinologista Robert Lustig, da Universidade da Califórnia em San Francisco. “O próprio açúcar é um veneno se consumido em doses elevadas.”
A ideia popular, argumenta Johnson, “é que os americanos são gordos porque comem demais e se exercitam de menos”. Mas eles comem demais e se exercitam de menos porque são viciados em açúcar, que não só engorda como também, depois do surto inicial de ânimo que traz, drena a energia do corpo e prostra a pessoa no sofá. “Você fica vendo televisão não porque os programas são maravilhosos”, alerta ele, “mas porque você não tem energia para se exercitar, pois está comendo doce demais.”
A solução? Pare de comer tanto açúcar. Quando as pessoas reduzem o consumo, muitos dos efeitos adversos desaparecem. O problema é que, no mundo atual, é dificílimo evitá-lo. A indústria usa-o para dar sabor a alimentos cuja gordura foi reduzida para que pareçam mais saudáveis – por exemplo, os assados sem gordura, que costumam conter altos teores de açúcar adicionado.
É o pior dos mundos: você adoece e morre não por comer o que adora, mas por comer o que odeia porque não quer adoecer e morrer.
NO PRINCÍPIO ERA A FRUTA
Se o açúcar faz tão mal, por que temos tanta vontade de comê-lo? A resposta sucinta é que uma injeção dele na corrente sanguínea estimula os mesmos centros de prazer no cérebro que reagem à heroína e à cocaína. Todas as comidas saborosas fazem isso em algum grau – por isso é que são saborosas! –, mas o açúcar tem um efeito muito intenso. Nesse sentido, ele é literalmente uma droga que vicia.
Mas por que nosso cérebro evoluiu de modo a reagir com prazer a um composto tóxico? A resposta, diz Johnson, está em nosso passado simiesco, quando o desejo por frutose era o que nossos ancestrais precisavam para sobreviver.
Há 22 milhões de anos, um tempo tão remoto que poderia até ser o princípio, grandes primatas povoavam a copa das árvores na floresta africana. Sobreviviam graças às frutas dessas árvores, doces com açúcar natural que eles comiam o ano todo – um verão eterno.
Um belo dia, talvez 5 milhões de anos depois, um vento gelado soprou nesse éden. O mar recuou, a calota de gelo se expandiu. Uma língua de terra emergiu das marés: uma ponte para fora da África, e alguns grandes primatas aventureiros seguiram por ela. Nômades, eles vaguearam e se fixaram nas matas pluviais da Eurásia. Mas o resfriamento continuou e substituiu os bosques tropicais frutíferos por florestas decíduas, em que as folhas se douram no outono, depois morrem. Sobreveio um tempo de fome. As matas se encheram de primatas famélicos. “Em algum momento, aconteceu uma mutação em um desses grandes primatas”, explica Johnson. Ela fez dele um processador de frutose muito eficiente. Até pequenas quantidades eram armazenadas em forma de gordura, uma enorme vantagem à sobrevivência nos meses em que o inverno caía sobre a terra e os alimentos escasseavam.
Mais tarde esse grande primata, com seu gene mutante e seu sadio desejo pelo raro e precioso açúcar das frutas, voltou para a terra de origem, a África, e gerou os parentes que vemos atualmente – inclusive o que espalhou seus descendentes adoradores de doce por todo o globo. “A mutação foi um fator tão poderoso que só os animais que a possuíam sobreviveram”, explica Johnson. “Por isso, hoje, todos os grandes primatas, inclusive o homem, têm essa mutação. Ela garantiu a vida de nossos ancestrais nos anos de escassez. Porém, quando veio a fartura de açúcar ao Ocidente, nos vimos diante de um um tremendo problema. Inundamos o mundo de frutose, mas nosso corpo evoluiu para sobreviver com quantidades bem pequenas desse açúcar.
Eis a grande ironia: justamente aquilo que nos salvou pode acabar nos matando.
NG - Iogurte
O feliz acidente do iogurte provavelmente aconteceu na Ásia, talvez quando alguém se esqueceu de guardar o leite e ele fermentou com o calor. Comercializado pela Danone em 1919, o produto era vendido em farmácias para assegurar a longevidade. A adição de frutas e açúcar impulsionou as vendas. E elas aumentaram ainda mais, a partir dos anos 1970, com o iogurte congelado. De início, os americanos rejeitaram o sabor azedo — compensado com mais açúcar. - Foto: Robert Clark
O CHEF SADIO
Mesmo com apenas 11 anos de idade, Nick Scurlock é um perfeito representante do americano médio na era do açúcar: hipereficiente em transformar em gordura a frutose que o publicitário e o vendedor de doces bombeiam para seu fígado a preços módicos. Sessenta e um quilos na quinta série, apaixonado pelo doce veneno que põe sua vida em risco. Sentado na cantina, ele sorri e, resignado, pergunta: “Por que as coisas boas fazem tão mal para a gente?
Problema maior que a tentação é o poder. Na melhor das hipóteses, a escola pode ajudar as crianças a tomar decisões menos perigosas. Anos atrás, a cantina da Kirkpatrick vendia bolinhos doces e pizza. Agora, em todo o distrito, os cardápios melhoraram. A escola tem uma horta, onde se plantam alimentos para a comunidade, uma pista de caminhada para os alunos e a população em geral, e um novo pátio para jogos.
Em certo sentido, a luta em Clarksdale não passa de mais uma frente na batalha contínua entre os barões do açúcar e os cortadores de cana. “Essa tragédia aflige os pobres bem mais que os ricos”, me diz Johnson. “Se você é rico e quer se divertir, sai de férias, viaja, compra coisas bacanas. Mas, se é pobre e quer comemorar, vai até a esquina e compra um pote de sorvete.”
Pergunto a Nick o que ele deseja ser quando crescer. “Chef de cozinha.” Ele pensa um pouco e se corrige: “Um chef de cozinha saudável”.

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