segunda-feira, 29 de julho de 2013

Tráfico de animais: um voo sem volta

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Suzana Camargo - FONTE SITE PLANETA SUSTENTÁVEL


O tráfico ilegal de animais silvestres mata milhares de espécies da fauna brasileira todos os anos no país. Transportados de forma precária e sem os mínimos cuidados necessários, quando apreendidos por órgãos fiscalizadores, aves, répteis e mamíferos já se encontram com a saúde muito debilitada e acabam morrendo depois da apreensão.
A pesquisadora Juliana Machado Ferreira, doutora em biologia genética e diretora executiva da Freeland Brasil, é uma das maiores envolvidas no combate contra o tráfico de animais silvestres no Brasil. Apaixonada pela causa, entre outros tantos projetos, quer lançar um Guia de Procedimentos e Cuidados de Pós-Apreensão para Aves Silvestres Traficadas, em colaboração com a organização SOS Fauna. O objetivo é que o material seja distribuído gratuitamente para os órgãos fiscalizadores, responsáveis pelas apreensões, e que dessa forma se consiga diminuir o número brutal de mortes de animais, principalmente aves silvestres, no país.
Na entrevista abaixo, Juliana fala mais sobre o tráfico, os grandes problemas enfrentados após a apreensão dos animais e como essa situação pode ser mudada.
Como é o mercado do tráfico de animais silvestres no Brasil?

Atualmente a maior força por trás do tráfico de animais no país é a demanda por animais silvestres de estimação. São principalmente passarinhos de gaiola, papagaios, araras, alguns répteis e mamíferos. O que acontece é que esses animais são retirados da natureza no Brasil todo e transportados para chegar nos mercados consumidores.

De que regiões são traficados os animais e onde há uma maior demanda?

Na realidade, os animais saem e são vendidos em todos os lugares. Tem ave do Sul sendo comercializada na Bahia e vice-versa. Mas o fluxo maior certamente é do Nordeste e do Centro-Oeste para o Sudeste. Os maiores mercados consumidores de animais silvestres são São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Acontece muito das pessoas quererem ouvir o som da terra natal. Um dos pássaros mais traficados, por exemplo, é o Galo da Campina, que é da Caatinga e não existe no Sudeste. Outra ave da Caatinga muito traficada também é o Azulão, que também pode ser vista no Cerrado e na Mata Atlântica.

Quando são realizadas a maioria das apreensões?

Geralmente à noite ou nos finais de semanas. São nesses dias que acontecem as feiras livres, principalmente nas periferias das cidades, onde são comercializados produtos de origem desconhecida e passarinhos. Os passarinheiros, que comercializam os animais traficados, se encontram nessas feiras sempre muito cedo, lá pelas 6 horas da manhã. Infelizmente, quando as apreensões são feitas nos finais de semana e de madrugada, nem todos os CETAS (Centros de Triagens de Animais Silvestres do IBAMA) ou locais de recebimentos de animais traficados trabalham em regime de plantão. Aí o que acontece é que muitos animais acabam ficando além do tempo desejado em delegacias ou mesmo os CETAS já estão muito cheios. É uma situação que é muito aquém da ideal.

O que acontece com os animais quando eles são apreendidos?

Quando são apreendidos pelos órgãos fiscalizadores competentes, estes animais já estão muito debilitados e normalmente há um lapso de tempo entre a apreensão e eles serem enviados para os locais apropriados, como os CETAS, ou até a chegada de um técnico ou veterinário. E o que a gente percebe hoje é que a maior taxa de óbito dos animais é no pós-apreensão. Eles já chegam debilitadíssimos e frequentemente são deixados em carros quentes, debaixo do sol, passando frio ou então no vento, não recebem água limpa ou é retirada a sujeira, e acabam morrendo.

Como isso poderia ser evitado?

Alguns procedimentos relativamente simples e básicos poderiam diminuir vertiginosamente a taxa de óbito no pós-apreensão – período este que deveria ir das horas iniciais até no máximo às 24 horas seguintes à apreensão, quando os animais precisariam ser encaminhados para locais que os recebam. Aves deveriam ser transportadas em gaiolas com maiores espaços, protegidas do vento, por exemplo. E no momento da apreensão já deveria haver um técnico responsável presente no local.

O problema do tráfico não está resolvido então após a apreensão dos animais?

Não, de jeito nenhum. A sociedade fica com a sensação de que agora os animais estão salvos, mas depois de apreendidos é difícil encontrar local para enviá-los, além deles darem muitas despesas. O processo de soltura também é muito complicado, ainda não existe um consenso entre pesquisadores sobre quais animais podem e devem ser soltos novamente ou não. Acabamos tendo depósitos de animais, e pior ainda, eles continuam sem cumprir suas funções ecológicas no ambiente, como por exemplo a dispersão de sementes, predação de insetos ou a reprodução, que em última análise é o que mantém a espécie.

Por que as aves não podem ser simplesmente soltas na natureza nos locais de apreensão?

A soltura tem que ser feita de forma tecnicamente responsável. Você abrir gaiola e soltar em qualquer lugar é uma coisa que não pode acontecer. Para que solturas responsáveis sejam realizadas, é necessário que os animais estejam saudáveis, tanto para não inserirem doenças nas populações naturais, quanto para conseguirem se manter vivos frente aos desafios ambientais – e não serem soltos apenas para morrer dois dias depois. É preciso ainda que apresentem comportamento de busca e reconhecimento da alimentação natural presente no local, vocalização próxima da selvagem, assim como reconhecimento de predadores, entre outros. Também é importante levar em conta e acompanhar interações e possíveis impactos nas populações naturais. Por fim, os animais devem ser soltos sempre dentro da área de ocorrência da espécie, no mesmo bioma de onde foram retirados, idealmente, na mesma região de onde foram coletados por conta de possíveis diferenciações comportamentais e genéticas.

É possível levar os animais de volta para a região de onde foram retirados?

Sim, mas é um processo caro, que leva tempo e são necessários conhecimentos técnicos e pesquisa científica para descobrir a origem dos animais.

O que é o guia de pós-apreensão para aves silvestres traficadas?

A ideia é selecionarmos umas dez espécies de animais, de cada região do Brasil, principalmente as mais traficadas, e descrever as características e os cuidados especiais que devem ser tomados com cada uma delas. Nossa intenção é que o guia seja distribuído gratuitamente em todo o país para os funcionários da Polícia Militar Ambiental e Polícia Rodoviária, que são os órgãos que fazem o maior número de apreensões. Já temos todo o conhecimento técnico para o guia, agora estamos somente procurando parceiros para viabilizar financeiramente o projeto.


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