Cidade mais desigual do Brasil vive completamente isolada
Só é possível chegar de avião ou barco em São Gabriel da Cachoeira, município amazonense que detém o título de pior distribuição de renda do país
Barco leva suprimentos pelo Rio Negro para a cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM)
São Paulo – Localizada no meio da Amazônia e com mais de 90% de sua população composta por 23 diferentes povos indígenas, São Gabriel da Cachoeira (AM) está bem longe de poder desfrutar da fatia do bolo conquistado pela 7ª maior economia do mundo, o Brasil.
Às margens da bacia do Rio Negro e mais de 850 Km distante da capital Manaus, só é possível chegar até o município de 40 mil habitantes com barco ou avião.
Mas o isolamento da cidade mais desigual do país não é apenas geográfico. Na opinião do vice-prefeito Domingos Camico Agudelos (PPS), o local também foi esquecido pelos governantes nas últimas décadas.
“Nós sabemos dos grandes problemas do nosso município, mas enquanto não for criada uma política pública específica, abrangente e compartilhada pelos três governos (municipal, estadual e federal), eles não serão resolvidos”, afirmou Camico a EXAME.com.
Com índice de Gini de 0,8, São Gabriel da Cachoeira não apenas lidera o ranking dos municípios mais desiguais do país, como também apresentou piora nas duas últimas décadas, segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano 2013, da ONU.
O movimento está na contramão do país, que melhorou no mesmo período e atingiu 0,5. O índice de Gini vai de 0 a 1. Quanto mais próximo de zero, melhor.
Embora a distribuição de renda seja apenas um dos parâmetros para medir o desenvolvimento de uma região, ela pode indicar falhas na autossuficiência do modelo econômico, o que provoca alta dependência de programas assistenciais como o Bolsa Família.
Com quem está o dinheiro?
“São Gabriel não tem referencial econômico, embora haja potencial para isso. A agricultura familiar ainda é predominante e de baixa produção, sendo apenas uma pequena parte do excedente comercializada”, diz o vice-prefeito.
De fato, embora os 10% mais ricos ganhem 201 vezes mais do que a dos 40% mais pobres, a cidade não é dominada por milionários. A renda média per capita do décimo que compõe a classe mais alta é de apenas R$ 2.438, enquanto no Brasil o valor é de R$ 3.884.
Se consideramos toda a população, a renda per capita cai para R$ 355, enquanto a do Brasil é de R$ 793.
Segundo Camico, uma das únicas fontes de renda alternativas é aquela gerada pelo funcionalismo público ou cargos do Exército, que é presente região por causa da fronteira com a Colômbia.
Ele destaca também que o fato de muitos não terem renda alguma não significa que exista uma "epidemia" de fome, uma vez que o alimento produzido nas comunidades é sufiente para a alimentação de todos.
Desenvolvimento
Para Camico, a importância do funcionalismo e a presença militar não faz com que a cidade seja comandada por partidos ou coronéis.
“As comunidades (indígenas) são muito organizadas e a população tem consciência política, tanto é que dificilmente um prefeito é reeleito, o que faz com que a rotatividade no poder seja alta”, afirma.
Por que então a desigualdade só piorou? Segundo o vice-prefeito, há dois motivos prioritários. O primeiro deles é a dificuldade logística da região, onde a maior parte do transporte só é possível por meio pluvial.
“Nós ainda estamos reivindicando junto ao governo federal uma parceria para levar energia elétrica para todos. Imagina o quanto é difícil levar atendimento de saúde para essa população”, afirma Camico.
O outro problema apontado pelo vice-prefeito é a falta de recursos para a educação.
“Nós temos 235 ‘escolas’, mas somente 70 têm prédios próprios, e que estão sucateados. Os professores se viram dando aula em suas próprias casas ou em centros comunitários”, disse. “Como as classes têm poucos alunos, a verba acaba indo quase toda no salário e deslocamento, pois não há estrutura adequada”.
Embora os índices de educação tenham melhorado – a exemplo da taxa de analfabetismo da população acima de 15 anos, que foi de 33% em 1991 para 14% em 2010 -, a porcentagem da população adulta com ensino fundamental completo ainda é baixa (43%).
Já o total que possui ensino superior completo é ainda mais alarmante, não chegando a cinco por cento (4,38%), menos da metade da média brasileira (11,2%).
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