Maurício Barros de Castro
Restam apenas 20 saveiros em atividade, brava resistência à modernidade, que trouxe estradas e caminhões, fatores fundamentais para sua quase extinção. Seus nomes são inspiradores, invocam a grandeza do passado ou a poesia de quem tem intimidade com a natureza: Sombra da Lua, Vendaval, É da Vida, Flor do São Francisco, Rompe Nuvem, Rei do Oriente e Vencedor das Lutas são alguns deles. Todos sobrevivem graças ao amor de antigos mestres e entusiastas.
Os saveiros, com sua vela central, eram presença emblemática no porto de Salvador, o principal entreposto comercial do Império Português até 1763, quando, enfim, a capital da colônia foi transferida da cidade baiana para o Rio de Janeiro. Até essa decisão, Salvador era porta de entrada de mercadorias europeias, asiáticas e de escravos africanos; e de saída para açúcar, fumo e pau-brasil. As grandes naus portuguesas faziam as viagens continentais, enquanto o vai e vem no recôncavo ficava por conta dos saveiros.
Do encontro colonial entre brasileiros e portugueses, entre o Oriente e o Ocidente, despontou um intercâmbio de comércio e informações culturais que desaguou no Novo Mundo. Tudo se deu pela via marítima, e um dos reflexos dessa confluência de povos é o saveiro. Mas, apesar de ter reinado nas águas da Bahia, suas origens controversas são polarizadas nos trabalhos de dois navegadores: Lev Smarcevski e Pedro Agostinho.
O primeiro deles, Lev Smarcevski, escreveu um clássico da literatura náutica: Graminho: a Alma do Saveiro, com prefácio de Jorge Amado, que assim retratou o autor: "Nasceu na Ucrânia, a Bahia lhe deu régua e compasso e um saveiro para nele velejar". Para Smarcevski, o graminho, um instrumento de carpintaria de origem egípcia, "fornece os parâmetros variados com escalas diferenciadas para a construção de saveiros". Serve para garantir marcação e cortes precisos na madeira, e teria sido introduzido no Brasil pelos portugueses. Em seu livro, Smarcevski revela que o uso correto do graminho é o grande segredo da resistência da embarcação. Cada um desses barcos é uma peça de artesanato na qual essa ferramenta exerce a função de régua de cálculos medieval rústica, indispensável nas mãos de um habilidoso mestre artesão.
A origem dessas embarcações típicas da Bahia está na Índia, e sua tecnologia de construção também foi trazida para cá pelos portugueses, no século 16, segundo Smarcevski. Ele revela que o nome vem dos ancestrais saveleiros, embarcações utilizadas nos rios de Portugal para a pesca de um peixe chamado sável (ou sávalo). Porém, uma tese diferente é defendida pelo português Pedro Agostinho, autor de Embarcações do Recôncavo: um Estudo de Origens. Diz ele em seu livro: "Essa maneira de construir, primeiro o esqueleto e depois seu fundo e costado de tábuas topo a topo, assim como o corte transversal em U na altura da caverna mestra, permite identificar aqui uma tradição mediterrânea tardia. A essa tradição se filiaram os navios dos Descobrimentos". O ponto de convergência entre os dois autores é o papel importante do saveiro na formação econômica e cultural baiana, uma memória que os amantes da embarcação não irão deixar passar.
Um deles é o comerciante Jailton Pureza - conhecido como Jajá. Por 18 anos, foi dono do É da Vida, sempre ancorado no pequeno cais da Feira de São Joaquim, uma das maiores e mais tradicionais de Salvador, onde Jajá administra uma pequena loja. Com a decadência econômica do porto da feira, o homem enfrentou dificuldades financeiras e precisou vender seu saveiro. O barco está agora ancorado em Maragogipe, cidade do recôncavo com grande produção de cerâmica, um dos principais produtos transportados pelos saveiros nos dias de hoje.
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