quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Pais envelhecem

Pais envelhecem

Quando o jovem estiver velho, e a memória enxovalhada, a lembrança do amor dará sentido a qualquer história

ISABEL CLEMENTE


A menina ainda está assustada, coração acelerado dentro do peito, o medo premindo os lábios. Quer chorar, mas o pai está brigando com o cavalo.
“Seu pangaré!! É minha filha que está aí em cima. Cavalo besta!“.
A menina agora quer rir mas não pode. O pai quando briga, briga mesmo. Está bravo ele. Com o cavalo, não com ela. Bravo como ficaria com uma grande e grave desobediência. Papai não tem muita paciência, ainda mais com um animal que sai disparado com a criança em cima gritando. Não fizera por mal, o bicho. Queria retomar o caminho para o ponto onde se reuniria aos demais cavalos e charretes do lago.   
“Eu não quero mais, pai."
“Vamos completar a volta. Eu estou segurando."
“Quero descer.“
“Fica aí. Confia em mim! Segura firme na rédea. Não solta“.  
Com passos firmes, o pai fala dos tempos em que serviu à cavalaria do Exército. Cavalgava animais muito maiores, treinados e bonitos. Aqueles sim eram de raça. Tinha até Puro Sangue. Um pangaré não iria fazer ele de bobo. Nunca mais. Não se preocupe. Um cavalo tem várias marchas, como um carro. São diferentes formas de andar. Antes de cavalgar, trotam. Sabe o que é trote, filha? Não é muito confortável. A gente sacode muito em cima do animal. Eu sacudi agora! Viu? Você trotou com o cavalo. Mas é só acelerar para ficar mais gostoso. O pai sabe tudo. Palavras difíceis, informações curiosas. Tem uma memória danada. E quer que a menina busque informação, consulte o dicionário. Fala palavras desconhecidas só para provocar. Papai sempre foi um provocador.  
De volta ao ponto de partida, o pai pega a menina no colo, com seus braços fortes, talhados na mania de carregar coisas. O pai faz serviços variados com o serrote e outras ferramentas no quintal, como podar árvores. Sobe também no sótão. Desce no porão. Um dia, o pai levou a menina ao sótão e ao porão. Ela ficou encantada, mas teve medo. Vai que tem morcego. Vai que tem barata. Confia em mim, dizia o pai. E lá ia a menina com medo confiar. Às vezes, ela hesitava muito e frustrava o pai. E se conseguisse se superar em algum obstáculo, o pai ria satisfeito e os olhos verdes ficavam bem apertados. Ganhavam um rabicho cheio de dobras no canto do rosto, como a cauda de uma estrela cadente, pensava. Soube depois, eram pés de galinha.
De um impulso, o pai desceu a filha da cela do cavalo. Ela pisou no chão com o alívio que só a terra firme oferece a quem acabou de cavalgar a contragosto. O cheiro do estrume lhe dava náuseas. Sempre ficava apreensiva com tantos cavalos ao redor, mas o pai foi logo brigando. Toma esse pangaré. Pangaré, ela achava, era uma ofensa para o bicho. Não fala assim não, pai, ela tinha vontade de falar, mas não dizia. E o dono do animal, que fazia jeito de quem não tinha gostado, amarrava a cara.
“Vamos pai, vamos!“ 
À medida que caminhavam para longe dos animais, o medo ia passando, dando lugar à euforia da grande experiência vivida.
“Eu puxava a rédea, e ele não me obedecia!“
“Eu vi.“
“Eu tentei frear, mas o cavalo disparou!“
“E eu atrás!“ 
“Você correu muito também!“, ela diz, com vontade de rir. “Você correu muito! Pegou o cavalo!“
Tinham uma grande história para contar em casa, quando chegassem. Ela teria uma grande história para lembrar mais de 30 anos depois, quando os músculos do pai não estivessem mais lá, nem os passos firmes. Quando o menor dos obstáculos fosse um inimigo à espreita. Quando a memória falhasse. Se pudesse, a filha correria atrás dela, a memória-pangaré, e alcançaria em nome do pai o cavalo em disparada. Quando as palavras, antes fartas, escapulissem na hora exata em que o pai precisasse delas. Reverenciadas no dicionário, estavam se escondendo por aí, ingratas, deixando frases incompletas. Menos uma, eterna em significado. Eu te amo. 

No calor, os animais precisam de atenção redobrada

No calor, os animais precisam de atenção redobrada

FERNANDA FRAGATA

Kindle
Share

Cães brincam em parque (Foto: Skip Bolen/Getty Images)

Nesta época do ano, os termômetros não param de subir, as crianças entram em férias, muitas pessoas diminuem o ritmo de trabalho, e a vontade de sair com a família toda pra passear é grande. Os parques ficam cheios. Os cães não ficam de fora da farra do verão. Mas cuidado. Eles precisam de atenção especial para que a saúde não fique em risco.
A pelagem densa, a proximidade do corpo com o asfalto quente e a dificuldade em regular a própria temperatura são alguns dos fatores que prejudicam a adaptação dos cães ao calor excessivo. Eles não suam pela pele para controlar a temperatura do corpo como nós. Tentam regular a temperatura através da respiração. Por isso ficam mais ofegantes no calor. Com a expectativa de dias cada vez mais quentes, é bom redobrar a atenção. Crianças, cães e gatos podem ter hipertermia, a popular insolação. Por isso, é bom evitar passeios nas horas mais quentes do dia, entre às 10h e às 16h. Deve-se evitar também andar com eles de carro, com as janelas fechadas e sem ar condicionado. Os gatos são ainda mais suscetíveis a problemas quando passeiam em dias de calor. Normalmente, o estresse de sair de casa já os deixa ofegantes. Com o calor, podem ter um quadro de hipertermia também. Sombra e água fresca são requisitos indispensáveis para o bem estar de nossos amigos de quatro patas.
É importante cuidado para não confundir os sintomas com um quadro respiratório. Quando os animais ficam ofegantes e com dificuldade de respirar, muitos donos os tratam como se fosse apenas falta de ar. O ideal é considerar o histórico. O dia está ou estava muito quente, ele passeou sob o sol ou o local em que está ou estava é muito abafado, então, as chances de que a temperatura deles esteja alta é grande.
Animais com hipertermia apresentam temperaturas acima de 40°C (o normal varia entre 37,5° a 39,3°C), ficam muito ofegantes, o coração dispara, a mucosa da boca e a língua ficam ressecadas, a saliva pode ficar espessa, eles deitam e relutam em sair do local. Alguns chegam a desmaiar ou a ter convulsões. No caso de animais com histórico de convulsões, cuide de esfriá-lo. Se tiver convulsão por causa de hipertemia, não adianta só dar remédio. É importante baixar a temperatura do animal, com urgência.
A indicação é dar um banho frio rápido e enrolar o animal numa toalha molhada fria. Ter um termômetro é muito útil nessas horas. Mas evite o termômetro anal, que normalmente é de vidro. O risco é o animal se mexer, quebrar o aparelho e se machucar. Deixe esse modelo para o veterinário usar. No calor, sempre que possível dê água gelada para os animais. Isso ajuda a evitar que a temperatura suba muito.
O risco de hipertemia é maior em animais obesos, que podem ter a síndrome mesmo em temperaturas mais amenas. As raças de cães mais predispostas são weimaraner, beagle, schnauzer, cocker e dachshund. Raças que têm  focinho curto (braquicefálicas), como pug, lhasa-apso, shih-tzu, boxer e buldogue, têm maior dificuldade em perder calor pelo ato de ofegar e também correm mais riscos de ter hipertermia. Entre os gatos, o persa e o maine-coon costumam  ter maior incidência.
Nunca deixe um animal sozinho dentro do carro, nem por alguns minutinhos. O final desse episódio costuma ser trágico. Ao sair de casa leve sempre uma garrafinha de água para refrescá-lo, respeite os limites de seu animal, fique atento a toda alteração de comportamento e em caso de mal estar, procure o veterinário.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Garotinho deu autonomia financeira à Justiça do Rio que hoje oferece segundo melhor serviço no país



Reprodução Portal G1
Reprodução Portal G1

Essa notícia não me surpreende nem um pouco. O Maranhão, que ostenta os piores indicadores sociais do país e é governado com mão de ferro há anos pelo clã Sarney, não poderia apresentar um resultado diferente. O senador José Sarney é oriundo da ditadura militar e nunca seguiu a cartilha democrática. Não quer que o povo tenha direitos. Era de se esperar que a população do Maranhão tivesse o pior acesso à Justiça no país, como apontou estudo elaborado pelo Ministério da Justiça em parceria com universidades, instituições públicas e entidades.

Chamo a atenção que o Estado do Rio de Janeiro que apresentou o segundo melhor índice atrás do Distrito Federal. E nesse sentido destaco minha contribuição quando governador, ao sancionar a Lei 3.217, em maio de 1999. Essa lei determinou a transferência da arrecadação das taxas judiciárias e da contribuição de 20% sobre os atos extrajudiciais para o Fundo Especial do Tribunal de Justiça.

Com essas receitas, que antes ficavam nos cofres do governo do Estado, o Poder Judiciário se modernizou e teve assegurada a sua autonomia. E o resultado apareceu rapidamente com a construção de 45 fóruns e a reforma de 21 prédios no estado, incluindo a construção do novo prédio anexo do Tribunal de Justiça do Rio, no Centro da cidade. 

Ciberativismo

Ciberativismo

Como a internet reconfigura o ativismo social, ampliando seu alcance e colocando pautas no centro do debate público – e quais os limites do ciberativismo.
Nos últimos meses de junho e julho, brasileiros de todas as idades, cores, crenças, partidos e gêneros marcharam suas mágoas cívicas sobre o asfalto de mais de 320 cidades do País. Nem coquetel molotov, nem pedras, nem vinagre. A arma mais poderosa que cada um carregava consigo era o smartphone. Com a internet inteira no bolso e o palanque das mídias sociais a um clique, ativistas germinados no Facebook deram as mãos a militantes com anos de asfalto para escrever um novo capítulo de nossa história. Valendo-se da capilaridade das redes sociais, conseguiram amplificar, além de pleitos e reivindicações, um debate sobre o futuro da mobilização social em tempos de internet.

Não foi só por vinte centavos, avisaram os cartazes. Foi para inaugurar um jeito novo de exercer a cidadania, que alguns já começam a chamar de ciberativismo. “A internet leva um número maior de pessoas a se manifestar, sem que haja a necessidade de estarem vinculadas a alguma organização mais formal. Assim, há um empoderamento dos indivíduos, dos cidadãos”, diz o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco, centro de pesquisas sociais e culturais do Recife, Pernambuco, ligado ao Ministério da Educação.

A primeira explicação para tanta mobilização, na avaliação de Túlio, é meramente matemática. Em condições normais de temperatura e pressão social, lembra, a população de brasileiros já é tida como a que mais cresce entre os usuários de Facebook do mundo. Só em 2012, segundo pesquisa realizada pela consultoria SocialBakers, foram mais de 29 milhões de novas adesões. Hoje em dia, já somos os que mais usam smartphones para navegar em redes sociais, à frente dos habitantes dos Estados Unidos, da Rússia, da Índia e da China, de acordo com a empresa de pesquisas Nielsen. Cada internauta, de acordo com o relatório Brazil Digital Future in Focus, da empresa de pesquisa de mercados virtuais comScore, passa, em média, 27 horas por mês online – a maior parte delas conectado a redes sociais. Simplesmente a média mais alta de toda a América Latina.

Apesar de seu comprovado entusiasmo online, não foram os brasileiros que descobriram o poder das mídias sociais para fins revolucionários. “Os primeiros e mais importantes movimentos sociais que se valeram da internet para se organizar foram o Ocupe Wall Street, nos Estados Unidos, Os Indignados, na Espanha, e a Primavera Árabe, no Oriente Médio”, diz Túlio Velho Barreto (saiba um pouco mais sobre esses movimentos clicando aqui). Cada um com suas motivações, mas todos, na avaliação do sociólogo catalão Manuel Castells, um dos maiores especialistas em ciberativismo do mundo, sintomas inequívocos de amadurecimento coletivo. Para Castells, essas insurreições populares são um ponto de inflexão na história social e política da humanidade.

No livro Redes de Indignação e Esperança (Editora Zahar), Castells dedica o posfácio, datado de julho de 2013, às passeatas brasileiras e tudo que elas desencadearam em nossa sociedade. “De forma confusa, raivosa e otimista, foi surgindo a consciência de milhares de pessoas, que eram, ao mesmo tempo, indivíduos e um coletivo, pois estavam – e estão – sempre conectadas em rede e enredadas na rua, mão na mão, tuítes a tuítes, post a post, imagem a imagem”, diz, para depois acrescentar que o emponderamento dos cidadãos é irreversível. Assim como a “autonomia comunicativa” dos jovens. “Tudo que sabemos do futuro é que eles o farão. Móbil-izados.”

Na avaliação do universitário Pedro Joseph, do Movimento Passe Livre, entidade “autônoma, apartidária e independente” que protagonizou os protestos recentes pelo País, a maior contribuição política da web no Brasil foi dinamizar modelos tradicionais de representação e mobilização. “O que antes levava quatro, cinco, seis reuniões presenciais para ser debatido, hoje é definido em discussões que travamos permanentemente em fóruns virtuais”, diz o integrante do movimento, criado em 2006, em Florianópolis, Santa Catarina, para lutar por um transporte público gratuito e de qualidade. Como as ruas mostraram durante aqueles dois intensos meses, diz Pedro, os movimentos sociais estão menos burocráticos e mais produtivos com o advento do que Castells chama de “sociedade em rede”, que se auto-organiza e auto-mobiliza, superando as barreiras da censura e da repressão historicamente impostas pelo Estado. “Movimento social começa a ser um conceito horizontal e efetivamente coletivo”, diz Joseph.

O cidadão comum, por sua vez, passa a ter acesso amplo e – quase – irrestrito a todo tipo de informação em tempo real, a partir de ângulos distintos, e acaba quedando-se, pelo menos potencialmente, mais politizado. “As pessoas despertaram para o fato de que é possível e necessário reivindicar. Perceberam que somos, sim, sujeitos políticos. Por isso estamos, enquanto povo, migrando da postura reativa para a propositiva. Tudo isso desencadeado, de certa forma, pela internet”, avalia o ativista do Passe Livre.

Mas não basta estar online. Segundo o jornalista Ivan Moraes Filho, do Centro de Cultura Luiz Freire, ONG de direitos humanos com foco em educação, cultura e comunicação sediada em Olinda, Pernambuco, a internet é só uma ferramenta eficiente. “Ela é meio. Nunca fim. Pode ser fundamental para uma articulação, mas pode atrapalhar pelo excesso de informação, de boa e de má qualidade”, pondera. Para Ivan, as redes sociais serão cada vez mais utilizadas nessa perspectiva política, mas é um erro acreditar que elas são um caminho que conduz inevitavelmente ao esclarecimento e à liberdade de opinião. “A maioria [das redes] são empresas privadas com normas rígidas de conteúdo – e até de censura”, diz Ivan, que lembra ainda outro dois fatores que podem amenizar o entusiasmo cibercidadão: nem todo brasileiro tem interesse em virar ativista, seja “de sofá” ou de carteirinha. E nem todo brasileiro tem acesso à internet.

Segundo estimativa divulgada no último mês de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira ultrapassou o patamar de 200 milhões de habitantes. Dos quais cerca de 100 milhões, segundo o Ibope, tem acesso regular à internet: de casa, do trabalho, do celular ou da lan house.

É gente suficiente para operar uma revolução de paradigmas cívicos, afirma, categórico, o professor, mestre e doutor em comunicação e culturas contemporâneas Bruno Nogueira. “Estamos redescobrindo, na internet, o sentido de democracia e de cidadania” diz. Um fluxo histórico inevitável que, assegura, não começou nas passeatas, mas bem antes, quando o conceito de comunidade foi, coletivamente, “hackeado”. “Como estamos todos conectados, fica mais fácil ter acesso a conhecimentos que antes eram restritos a certos grupos. Em termos práticos: a internet nos ajudou a construir um novo sentido de comunidade. Algo que [o filósofo francês] Pierre Lévy chama de comunidades de conhecimento, mais fundamentadas por afinidades ideológicas que por referências geográficas ou físicas propriamente ditas.” A partir dessa lógica “ciberplanetária”, diz Nogueira, só uma “ciberdemocracia” poderia fazer sentido.

E embora haja os que acusem a internet – e as redes sociais em particular – de ser uma seara infértil em termos de reflexão crítica, mais propícia a mobilizações políticas superficiais, Lola Aronovich, doutora em Literatura pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e autora do blog Escreva Lola Escreva, que trata de feminismo e cidadania, rebate: “Pelo contrário, ela tem o potencial de nos fazer acordar.” Militância virtual, defende, funciona, sim. E mobiliza mais e melhor que qualquer panfletagem. “Se houve uma coisa que as ruas nos ensinaram este ano é que havia muita gente jovem que nunca tinha participado de uma manifestação e estava morrendo de vontade de fazê-lo. E ainda há.”

Poder público
Se os cidadãos estão descobrindo poder, força e representação na rede, os governos não haveriam de manter-se offline. Em setembro, um importante passo foi dado pelo Governo Federal em direção ao ciberespaço: a reformulação do Portal Brasil, agora com direito até a perfil no Facebook. “Nossa ideia é mudar o governo de analógico para digital”, disse a presidente Dilma Roussef, na cerimônia de estreia do serviço, realizada no Palácio do Planalto. A estratégia, explicou, é ampliar a oferta de serviços e informações disponibilizados pela web aos cidadãos, além de garantir uma maior participação da população na tomada de decisões. “Queremos construir uma prática sistemática de ouvir as ruas, o que querem as universidades, o que querem as pessoas do campo, dos diferentes segmentos sociais, e ouvir as redes sociais, ter com elas uma interação.” Uma política que ela batizou de Gabinete Digital. O governo também apostou numa rede social própria. Lançado em julho deste ano, na ressaca pós-protestos, o chamado Participatório da Juventudedestina-se a discussões e debates de cunho cívico. “A rede é baseada em três pilares: a institucionalização de um mecanismo de participação política dos jovens, a produção conjunta de conteúdo e o fomento de espaços de mobilização virtuais”, explica Carla Bezerra, uma das responsáveis pelo projeto. “Colaboração, afinal, é a essência da web 2.0”.

Além de estabelecer canais de comunicação, muitos governos estão tratando de prestar contas na internet. A tendência dos chamados dados abertos ganhou o mundo a partir dos Estados Unidos, quando Barack Obama, há exatos quatro anos, assinou um documento institucionalizando a transparência como política pública. A partir daí, passou a disponibilizar na web um volume enorme de dados públicos sobre os mais variados aspectos da sociedade americana, como saúde e educação. No Brasil, essa política de democratização virtual de estatísticas, institucionalizada pela Lei de Acesso à Informação, de 2011, teve dois principais desdobramentos: o Portal Brasileiro de Dados Abertos, que conta com mais de mil bases de dados, e o Portal da Transparência, ambos lançados em 2012.

Mas o Governo Federal não está online sozinho. Vários estados e prefeituras também caíram na rede para prestar serviços. Só em Pernambuco, segundo levantamento da consultoria digital Le Fil, 100 dos 185 municípios pernambucanos estão devidamente representados na web. No Twitter, 31 prefeituras marcam presença. No Facebook, 96. E no Youtube, 13.

Abrir uma conta institucional, porém, é apenas o primeiro passo. “A eficácia dessas plataformas para o poder público depende da realização de três fases: estar presente, ou seja, postar ações e projetos políticos; ter uma personalidade digital, com grade de conteúdo, monitoramento e análise; e responder às demandas da população. Nenhum município pernambucano conseguiu ainda sair da primeira”, diz a diretora executiva da Le Fil, Socorro Macedo.

Além disso, disponibilizar tabelas e números brutos na internet não significa, necessariamente, esclarecimento da população, que nem sempre é capaz de decifrá-los. É aí que entra outra boa arma do ciberativismo: os hackathons. Maratonas de programação computacional, essas competições tecnológicas vêm sendo usadas para estimular os participantes a desenvolverem aplicativos que transformem os sisudos dados disponibilizados pelos governos em algo mais palatável, acessível e, portanto, efetivo para a comunidade. “É uma forma de nos apoderarmos e pensarmos juntos em soluções, literalmente, para o País”, diz Kiev Gama, da Universidade Federal de Pernambuco, um dos idealizadores do Cidade Inteligente, primeiro grande hackathon em curso naquele estado, concebido à imagem e semelhança dos que já foram realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Todo mundo sai ganhando em cidadania.”

Os dados abertos também são uma bandeira do “hackerativista” Pedro Markum. “É preciso abrir a caixa preta do sistema. Descobrir como ele funciona para poder subverter toda lógica que oprima. Enquanto não dominarmos esses trâmites burocráticos, seremos sempre dominados por eles”, diz Markum, que fundou, em 2010, uma comunidade de desenvolvedores cidadãos, a chamada Transparência Hacker, que hoje já conta com mais de 800 pessoas empenhadas em melhorar o País “com código, com tecnologia e com inteligência”. O grupo já disponibilizou na internet, entre muitos outros produtos, um clone do Blog do Planalto aberto à participação do cidadão e o site Jogo da Vida do Processo Legislativo, onde todo e qualquer cidadão pode pesquisar a quantas anda o trâmite de vários projetos de lei. A comunidade conta até com uma unidade móvel, batizada de Ônibus Hacker, que circula pelo Brasil, desenvolvendo para melhorar o País.

Para Pedro, não faz mais sentido discutir se a internet ajuda ou não a garantir cidadania. “Não é que eu acredite que a web seja capaz de transformar a sociedade. Estou vendo isso acontecer. A música, o cinema, o jornalismo. Tudo foi impactado. Porque a política não seria? A lógica é a mesma: é preciso acabar com a indústria da intermediação. E a política representativa como a conhecemos hoje não deixa de ser uma representação.” Hoje em dia, garante, todo mundo tem que ser um poucohacker para ter direito a autonomia.

Limites
Definir os limites do ciberativismo, projeta Jô Gamba, do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, é o desafio da sociedade brasileira agora. “Não temos como abdicar completamente da mobilização tradicional, corpo a corpo”, pondera.Rosane Bertotti, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), uma das entidades responsáveis por cunhar o conceito de sindicalismo no País, concorda. Para ela, não basta postar, curtir e compartilhar. Ativismo, diz, só se faz de verdade no mundo real. “Internet ajuda, mas precisa ser encarada como um meio. Não como fim.”

Websites, provoca Pedro Joseph, do Movimento Passe Livre, não sentam à mesa para negociar. “Por isso essa filosofia do movimento pulverizado, sem representação nem liderança, tem que ser vista com bastante cuidado”, diz o ativista. Para Manuel Castells, o que mudou essencialmente do sindicalismo ao ciberativismo na mesa de negociação é a substituição do conceito de liderança pelo de representação. “Por serem uma rede de redes, eles podem se dar ao luxo de não terem um centro identificável, mas ainda assim garantir as funções de coordenação, e também de deliberação, pelo inter-relacionamento de diversos grupos. Desse modo, não precisam de uma liderança formal, de um centro de comando ou de controle, nem de uma organização vertical.” Essa estrutura descentralizada, defende, maximiza as chances de participação no movimento, que consegue seguir se reconfigurando de acordo com o nível de envolvimento da população em geral.

O próximo passo é encontrar o equilíbrio entre o digital e o analógico, garante Pedro Joseph. “Só offline, com os pés bem fincados no chão, conseguiremos mudar o mundo.”

Sobre árvores de Natal e outros enfeites

Sobre árvores de Natal e outros enfeites


Quando a gente se dá conta, está envolvido no ritual em algum momento criticado. Você sabe por quê?

ISABEL CLEMENTE

Kindle
Share




Até bem pouco tempo, você achava um desperdício gastar dinheiro com enfeites
de Natal. Armazenar um pinheiro de plástico por 11 meses era algo inaceitável para seu modo de vida desprendido.
Espalhar bonecos de neve seria patético, ainda mais considerando o calor de lascar dessa época do ano.  Para você, acessórios com a cara do Papai Noel eram absolutamente cafonas. Nem objetos nas cores vermelha e dourado você admitia. Pra quê? Botar guirlanda na porta era uma iniciativa desnecessária. Montar um presépio, algo que não estava definitivamente nos seus planos.
Você no máximo admitia uma estrela estilizada em arame que, esquecida na estante, nem parecia ter sido comprada para o dia 25 de dezembro. Obra de arte vá lá. Ou ainda uma pequena árvore de Natal dobrável, a fim de não ocupar muito espaço no armário no resto do ano.
Mas você teve filhos. E tudo mudou.
Essa coluna é para você.
Passei os dois últimos Natais encaixotando móveis, roupas e brinquedos. Nos mudamos quatro vezes entre os Natais de 2011 e o de 2012. Juro. Tenho testemunhas.
Nos Natais dos cinco anos anteriores a 2011, pegávamos avião para estar com a família no Rio. Enfeitar a casa em Brasília ficava por último na lista de prioridades entre malas para fazer e desfazer. As ruas e as fachadas de Brasília ganham muitas luzes nesta época do ano. Lindo de ver. Saíamos os quatro, eu, meu marido e minhas filhas, só para ver o presépio de luz montado num dos muitos eixos desertos da capital e havia algo de sublime naquilo.
Minha mãe, no entanto, não deixava minha casa passar incólume pelo frenesi da decoração natalina e atropelava meus princípios antidecorativos. Sempre me presenteava com uma guirlanda ou outro enfeite qualquer com a cara do Papai Noel. Eu sorria agradecida pensando “mais um item desnecessário para eu armazenar por 11 meses“, mas pendurava o treco na porta.
Em cada uma das nossas mudanças, fomos nos desfazendo de tudo o que nos parecia acessório. Se algum objeto ficasse esquecido no armário por mais de seis meses caía na categoria do dispensável. A árvore de Natal só sobreviveu porque era pequena e ficou esquecida em alguma caixa de papelão, amassada e desfalcada dos embrulhos que faziam o papel de bolas. Este ano, ao desembrulhá-la, lembrei com nostalgia da minha euforia toda vez que mamãe anunciava seu plano de enfeitar a casa.
Tínhamos um pinheiro falso de galhos duros como gravetos verdes recobertos por um algodão. Já de ir atrás dele no sótão, eu percebia que estávamos entrando numa época especial do ano. O calendário mais divertido estava sendo inaugurado. Tinha o fim das aulas, as festas cheias de gente da família, as férias de verão. O coração palpitava. Faltava pouco para o Papai Noel passar na minha casa.
Mas antes era preciso abrir a caixa de papelão enorme e assustar as traças. Lá dentro encontraríamos os bonecos do presépio enrolados em jornais e muitas bolas quebradas em centenas de cacos tão finos quanto poeira de vidro. Eu recebia ordens expressas para não andar descalça. Montar a árvore era um acontecimento. Tudo o que eu queria era uma chance para pendurar algumas bolas, mesmo correndo risco de deixar uma ou outra se espatifar no chão. Achava engraçado também ficar abrindo a boca e me aproximar da bola pendurada para ver minha imagem distorcida até quase lambê-la. Sem falar no Papai Noel inflável, que éramos obrigados a reparar com esmalte todo Natal. Cada ano aparecia um furo novo. Tenho uma foto do lado dele quando ainda tínhamos o mesmo tamanho. Eu amava aquele boneco. Enquanto esse filme passava na minha cabeça, caiu minha ficha.
Eu fora resgatada.
No domingo seguinte, estávamos - eu, marido e filhas - na porta da loja de departamentos decididos a comprar uma nova árvore grande e linda. Deixamos as meninas escolherem os enfeites. A alegria era geral. Elas queriam um pouco de tudo. Eu me derretia com dois bonecos de neve brincando de gangorra, mas não levei. Meu marido queria comprar dois presentes iluminados. Na fila do caixa, tínhamos uma árvore de Natal de 450 galhos e acessórios suficientes para enfeitar pelo menos três destas. Devolvemos os excessos e pagamos. Também arrumei um presépio.
Em casa, a montagem foi uma grande diversão, com direito a cantoria de músicas natalinas e histórias sobre mais um capítulo de uma família pobre e um menino predestinado que nasceu num estábulo para um dia pregar o amor ao próximo. Surgiram muitas perguntas e teses.
“Se ele ganhou tanto tesouro de três reis magos, deixou de ser pobre?“
“Se o Papai Noel mora no Polo Norte, ele não pode ficar num shopping.“
Eufóricas, as crianças interagiam se ajudando e opinando sobre como a outra estava executando sua parte. Pareciam Tico e Teco, a dupla de esquilos implicantes do desenho animado, num momento de interação cerimoniosa.
“Aqui, ó, este galho ainda está vazio, Carol.“
“Você acha que eu posso botar essa bola aqui, Lelê?“
Brigaram também, lógico. Imagine a disputa para pendurar o último enfeite. Teve hora que eu achei que havia galhos demais para serem abertos. Tanta coisa pra fazer em casa, fim de ano é sempre tão atribulado, mas fui obrigada a parar para olhar bolas reluzentes e enfeites dourados, a improvisar sobre o sentido dos presentes como símbolo de uma generosidade e de amizade que devemos exercitar o ano todo, com direito a metáforas sobre o pisca-pisca.
“Às vezes apaga, tudo fica escuro, mas acende rápido e nos ajuda a ver a beleza da árvore. A vida é cheia desses truques“.
Não sei se elas me entenderam, mas algo estava sendo semeado entre nós: um novo ritual. Eu recuperava a meu modo uma memória da infância sobre dias felizes.
Quando tudo  ficou pronto, escureci a sala e acendi as luzes da árvore. As crianças estavam orgulhosas do trabalho concluído e um tanto hipnotizadas pelos galhos iluminados. Fez-se um silêncio obsequioso cheio de olhares de admiração e exclamações.
“Ficou linda!“, disseram.
Deparei com a caixa de papelão da árvore vazia e suspirei. Tralha. Não tenho sótão em casa para guardar tanta bagunça mas darei um jeito. Ano que vem, faremos tudo de novo. Há algo de sublime nisso.

Como cuidar do lixo e do esgoto sem gerar gases de efeito estufa?

Como cuidar do lixo e do esgoto sem gerar gases de efeito estufa?Débora Spitzcovsky 

desafio-setor-residuos-emissoes-560
Apenas 48% das casas brasileiras têm esgoto sanitário, segundo o Ministério das Cidades, e cerca de 30% dos municípios do país não têm nenhuma iniciativa de coleta seletiva, de acordo com dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Os números – comentados por especialistas durante o seminário de lançamento do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil, promovido em 07/11, em São Paulo, pelo Observatório do Clima – deixam claro que a população do Brasil ainda sofre com a ausência de serviços básicos.
Na lista de desejos (e necessidades) dos brasileiros, a universalização do acesso ao serviço de saneamento básico e a destinação correta dos resíduos produzidos no país estão entre as primeiras posições. “Mas melhorar esses serviços implica em aumento considerável de emissões, o que exige estratégia do Brasil”, alerta Renato Morgado, pesquisador do Imaflora e um dos responsáveis pela produção daEstimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil 2012 na área de resíduos sólidos.
Morgado revelou que o setor de resíduos ainda é o menos expressivo (3,2%) na matriz de emissões brasileiras, mas está aumentando sua participação. Entre 1990 e 2012, a liberação de gases de efeito estufa do setor cresceu 67%, passando de 29 MtCo2e para 46,9 MtCo2e. E a tendência é aumentar ainda mais.
Políticas como o Plano Nacional de Resíduos Sólidos e o Plano Nacional de Saneamento Básico instituem medidas importantíssimas para o país, mas provocam oaumento de emissões no setor de resíduos sólidos. Morgado explica por quê: “Os resíduos de um lixão têm potencial 1 de geração de GEE, enquanto um aterro sanitário, com melhores condições anaeróbicas, tem potencial 2,5. No tratamento de esgoto acontece o mesmo: quando os resíduos são jogados numa lagoa ou reator anaeróbico, eles produzem oito vezes mais metano do que se fossem despejados num rio qualquer”. (Leia também: Substituir lixões por aterros aumentará emissão de metano)
A solução? A melhoria dos serviços de saneamento e a destinação correta de resíduos têm que ser implantadas junto com políticas que estimulem a captação e o reaproveitamento desses gases poluentes para a geração de energia. “Até porque em ambientes mais propícios, como os aterros sanitários, a captação desses gases é bem mais fácil”, comenta Morgado. Segundo a Abrelpe, o Brasil tem potencial para produzir mais de 280 megawatts de energia a partir do biogás capturado em unidades de destinação de resíduos sólidos, o que daria para abastecer cerca de 1,5 milhão de pessoas.
MENOS PRODUÇÃO E CONSUMO
Convidado para debater o tema, Carlos Silva Filho, diretor executivo da Abrelpe, lembra que ações para reduzir o consumo e incentivar a reciclagem também são fundamentais para diminuir as emissões do setor de resíduos. “A geração de lixo no Brasil está numa curva ascendente e tem relação com o aumento do poder aquisitivo das pessoas. Em 10 anos, a produção de resíduos cresceu 21%, enquanto a população aumentou 9,65%”, afirma Silva Filho, que completa: “Não é possível reduzir emissões sem reduzir o consumo”.
Juliana Simões Speranza, pesquisadora do Núcleo de Economia Socioambiental da FEA-USP, concorda e acredita que repensar as formas de produção também é importante. “Temos que desmaterializar a economia, o que significa diminuir a quantidade de materiais e resíduos na fonte. Quando o assunto é lixo, o conceito deresponsabilidade compartilhada no Brasil é muito forte e isso é positivo, mas às vezes tira o foco dos grandes players. As empresas têm o dever de rever sua forma de produção”, diz Speranza.
Confira os principais resultados da Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil 2012, produzida pelo SEEG, no setor de resíduos
residuos-emissoes-brasil
(clique aqui para ver o infográfico em tamanho real) 
Foto: Agência Brasil