segunda-feira, 28 de abril de 2014

Brasil da mata

Brasil da mata

Nenhum outro país do mundo tem uma combinação de biomas tão ricos e diferentes como a Amazônia e o Pantanal. O primeiro é gigante: ocupa 49% do território brasileiro, e se explora navegando pelos rios. O segundo é comparativamente bem menor: apenas 2% do país, e se vê principalmente por terra. Em comum, a abundância das heranças culturais e gastronômicas dos povos locais, flora exuberante e variedade da fauna - e tudo pode ser conferido sem susto. Aventura, mas sem jogar (necessariamente) o conforto às feras

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Luiz Felipe da Silva Viagem E Turismo - 02/2014
Valdemir Cunha / Luciano Candisani


Olho na Bicharada 
Sinfonia pantaneira 
Lá pelas 5 da manhã, o Sol já se reflete nas gotas de orvalho nas folhas das árvores, e o silêncio da mata dá lugar a uma espécie de sinfonia silvestre: cantando, os pássaros decolam em direção ao céu alaranjado. Por terra, capivaras, veados, jacarés andam lado a lado para alcançar os pontos onde o Sol já esquenta. Parece coisa de desenho animado, mas essa sequência é default na alvorada do Pantanal, observada desde a MT-060, a Rodovia Transpantaneira. Ao longo dos seus 145 km, dá para ver e entender bem o que é esse bioma, único no mundo.


A rodovia fica no município de Poconé, a 104 quilômetros de Cuiabá, destino do Pantanal que melhor combina hospedagens confortáveis e exposição às aventuras pantaneiras. Chegar até seu ponto de partida é fácil e, na seca (apenas de abril a setembro), qualquer carro 1.0 leva até Porto Jofre, ao sul, onde a viagem por terra termina. Ao longo da via de terra batida, vê-se um pouco de tudo: desengonçados tuiuiús que correm para cruzar a pista e vagarosos jacarés que, se não lagarteiam na estrada (a dica é andar devagar; não é nada difícil confundi-los com a sombra das árvores), nadam em "cardume" nas poças d’água sob uma das 122 pontes de madeira espalhadas pelo caminho.



Tudo bem, não dá para ver as mais de mil espécies de animais que vivem nesse ecossistema de 210 quilômetros quadrados. Mas não é lá muito difícil observar capivaras, veados, porcos-do-mato e tamanduás esgueirando-se entre as árvores ou bebericando das águas que inundam a superfície a 100 metros do nível do mar, especialmente na época da seca.



Neste período, a copa das árvores é menos encorpada, mas em dois momentos a natureza exibe sua paleta: na floração das piúvas, quando a paisagem se pinta de rosa, e na floração do para-tudo, que colore de amarelo o verde-e-marrom que predomina no Pantanal. Na cheia (de outubro a março), a beleza surge na flora: as folhas assumem formas exuberantes na copa das árvores - é bom lembrar, entretanto, que nessa época é preciso mais do que um 1.0 para vencer a estrada coberta de barro. 



Na cheia ou na seca, os passeios de barco são indispensáveis para uma experiência completa - muitos dos bichos mais ansiados pelos turistas só são vistos em meio à água. Em qualquer hotel de ecoturismo é de praxe: guias assumem a proa de barquinhos motorizados, navegam por rios e cortam igapós e corixos, de onde se veem, por exemplo, lontras e ariranhas. É também onde a onça-pintada (que aqui chega a 2,4 metros de comprimento e peso de 130 quilos) surge com mais frequência. De hábitos noturnos, o maior felino do continente americano raramente caça ou se movimenta sob a luz do Sol - seus trajetos mais constantes a levam para a margem dos rios, para beber água. Com paciência - ou alguma sorte -, você encontrará uma delas. A partir de Porto Jofre, barcos levam a passeios por uma região onde há onças em maior número.



ISCA, ANZOL OU BOA MESA
É em Porto Jofre, também, que dá para encontrar barqueiros que levam até o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense. O acesso ao parque é restrito (é obrigatório obter uma autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, para entrar, realizar atividades e acampar lá dentro) e difícil (chega-se a ele apenas navegando quatro horas pelo rio Cuiabá ou em cerca de uma hora de voo a partir de Poconé ou Corumbá), daí ser aconselhado apenas para aventureiros mais experientes.



O parque fica em uma das regiões mais ricas em diversidade de peixes: por ali passa a maior parte das 250 espécies que vivem no Pantanal. Como a pesca é proibida em seus limites, os amantes da isca e do anzol preferem cidades vizinhas da bacia do rio Paraguai, caso de Corumbá e Cáceres, repletas de hotéis equipados para pesca, com embarcações próprias e aluguel de equipamentos. Quem topa passar dias no balanço dos rios pantaneiros a bordo de barcos-hotel precisa se preparar para gastar bastante: as diárias não custam menos de R$ 1.000, sempre no sistema all-inclusive.



Ninguém precisa, porém, pescar para provar os peixes típicos do Pantanal. "Quem come cabeça de pacu nunca mais sai daqui" é um ditado de Cuiabá que circula Pantanal afora. Refere-se ao sabor do carnudo e gorduroso peixe, encontrado mais frequentemente na versão costela frita, conhecido como "ventrecha". A piraputanga, o dourado (cuja pesca é proibida no Mato Grosso) e o pintado (o mais encontrado nas mesas da região) são os outros pescados que mais fazem salivar os turistas.



Nos hotéis de ecoturismo de Poconé, o esquema é quase sempre o mesmo: os hóspedes são aceitos apenas mediante reserva, e a diária inclui pensão completa e pelo menos dois passeios por dia. As atividades principais são as mesmas. O crème de la crème é o safári fotográfico que, no fim do dia, leva o nome de focagem noturna. O passeio começa quando as únicas luzes são a da Lua e a da lanterna do guia - ou seja, é ideal para ver animais de hábitos noturnos.



Ao sul do rio Cuiabá, o Pantanal Sul, onde fica a maior porção de terra do bioma, tem bons hotéis. Nas redondezas do município de Miranda estão as hospedagens com perfil mais intimista. No Refúgio Ecológico Caiman e no Refúgio da Ilha há passeios personalizados, e as refeições acompanham as preferências dos hóspedes. Nas regiões do rio Negro e da Nhecolândia, que compõem, digamos, o "Pantanal profundo", o acesso só ocorre em veículos 4x4 ou de avião, a partir de Aquidauana ou de Campo Grande. Lá, a pegada é roots: os passeios de cavalo entre grandes poças d’água e áreas de campo são uma constante.



De norte a sul, com mais conforto ou na base da raça, é possível se aventurar sozinho pelo Pantanal com alguma segurança: mesmo à noite, dá para pegar o carro e, com bastante atenção, rodar pelas vias de terra. Na Amazônia, porém, a história é diferente.



CAMINHOS DA FLORESTA
Os principais caminhos da floresta amazônica são percorridos sobre a água. Por isso, não há paisagem que não se veja duas vezes ao mesmo tempo: aonde quer que se vá, o Sol, as árvores e os animais espelham-se na imensidão de água doce que corta a maior floresta do planeta, com seus 4.200 quilômetros quadrados. O roteiro turístico está nos arredores das principais artérias amazônicas, o rio Negro e o rio Solimões. Próximo de Manaus, os dois, aliás, protagonizam um dos espetáculos da viagem: o encontro das águas, que, com diferenças de densidade, velocidade, acidez e temperatura, correm lado a lado por cerca de seis quilômetros sem se misturar.



A imponência bruta da natureza faz da Amazônia um destino propício para quem procura ver um bioma (quase) virgem da influência humana, ao contrário do que se vê no Pantanal. Outra diferença é que não dá para pegar um carro e sair desbravando a natureza - na Amazônia, o turismo é baseado nas hospedagens de selva. Espalhados entre rios e igapós de regiões ermas, os lodges dispõem de boa estrutura, em construções de concreto ou de madeira e equipados com canoas e barcos motorizados, geralmente com assentos acolchoados e cobertura. Os hotéis funcionam tanto na seca (de julho a novembro), quando se formam algumas praias fluviais naturais, como na cheia (de dezembro a março), período em que a água sobe a quase 30 metros. Os nativos dividem essas duas épocas em, respectivamente, verão e inverno, mas não se engane: o calor é forte o ano todo.



Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, localizada entre os municípios de Tefé e Uarini, sedia a Pousada Flutuante Uacari, hospedagem onde o contato com a natureza é mais intenso. É, também, a mais distante. Para chegar é preciso pegar um voo de uma hora entre Manaus e Tefé e, de lá, mais quase uma hora de barco. Nos mais de 1 milhão de hectares vivem onças-pintadas, aves diversas, macaquinhos como o uacari - que batiza a região - e botos-cor-de-rosa (sim, eles existem!). De modo geral, é difícil avistar animais na Amazônia, mas isso não se aplica aos botos ali: um passeio de barco de 20 minutos é suficiente para encontrar um deles. São tantos que a reserva se tornou um centro de excelência em pesquisa e recebe frequentemente biólogos que palestram para os hóspedes.



Seguem a mesma linha o Juma Amazon Lodge (em Autazes, a três horas de Manaus) e o Anavilhanas Jungle Lodge (em Novo Airão, a duas horas da capital). O Juma, além de workshops com pesquisadores, tem na grade de atividades o arvorismo em exemplares gigantes, caso da sumaúma, a "rainha da Amazônia", que chega a mais de 80 metros. O Anavilhanas investe em um menu de serviços mais exclusivos: desde o quarto com paredes de vidro para observar, da cama, os movimentos da selva até passeios como a visita às Grutas de Madadá e o roteiro de barco pelas margens do exuberante arquipélago de Anavilhanas, que compreende 400 ilhas nas águas do rio Negro. A cereja no bolo é o voo de hidroavião sobre as ilhas fluviais: custa R$ 2 000 para até quatro pessoas.



TAMBAQUIS E PASSARINHOS
Quem faz questão de fugir do luxo encontra no Malocas Jungle Lodge (em Rio Preto da Eva, a uma hora de Manaus) a experiência mais selvagem. Não há energia elétrica, e uma construção de concreto que simula uma maloca indígena abriga os quartos. Uma das atividades tradicionais do turismo local, o pernoite na selva, ganha aqui sua versão mais roots: o hóspede cai na mata com o guia e monta seu próprio abrigo, produz o fogo e trata de pescar o peixe que será sua próxima refeição. Alguém se habilita?



Nascidos ali, com a água no pescoço, sobre palafitas de madeira, os ribeirinhos formam comunidades cuja riqueza cultural rivaliza com a beleza do pôr do Sol na preferência do turista. Esses moradores da floresta abrem suas casas aos viajantes e contam suas histórias, em visitas intermediadas pelos hotéis. O clímax ocorre quando chega à mesa a refeição, com cardápio simples, mas certeiro: tambaquis e jaraquis frescos, farinha e frutas típicas, como o bacuri ou o abacaxi da Amazônia, mais doce do que o convencional.



Para o almoço ou para o jantar, acostume-se com o peixe e a farinha. A variedade de pescados é de apenas dez, e brilham o tambaqui (principalmente na receita da costela na brasa), o tucunaré (na caldeirada) e o pirarucu, conhecido como "bacalhau da Amazônia". Para acompanhar a refeição, estará em cima da mesa um pote com pequenas "ovinhas". É, na verdade, a farinha de Uarini, tesouro gastronômico da cidade de mesmo nome, bem mais grossa do que as farinhas convencionais - é feita a partir da mandioca amarela em um processo que dura cerca de uma semana.



A herança ribeirinha e indígena é nítida também na língua local. Murici, araçá-boi e matrinxã são casos de palavras já incorporadas ao dicionário gastronômico contemporâneo. Agora, desvendar os nomes das centenas de aves amazônicas é tarefa apenas para nativos. Sid, da pousada Aldeia dos Lagos, em Silves, e Cleudilon "Passarinho", da Garrido, em Tumbira, são exemplos de guias que dominam a selva como se fosse a extensão de seu jardim. Aficionado por pássaros, Cleudilon aprendeu a imitar o canto de 32 deles e é especialista em birdwatching. Sid, conhecido como "Boto", monta diferentes roteiros de barco todos os dias, seguindo seu instinto para desbravar igapós e encontrar animais raros; é, também, uma espécie de vigilante da mata que vaga à noite para inibir a pesca predatória.



As duas hospedagens trabalham com o modelo do turismo comunitário: os funcionários são sócios, e o dinheiro que os turistas deixam por lá circula apenas na economia local. Embora, na verdade, seja difícil dizer o que é local na Amazônia: nessa imensidão de água doce e diversas gradações de verde, cada espacinho parece um mundo inteiro. 

QUANDO IR
Pantanal - Na seca (entre abril e setembro), é mais fácil transitar com carros convencionais e a presença de animais selvagens é mais frequente. Na cheia (de outubro a março), o melhor a são os passeios de barco. Durante a piracema (janeiro, fevereiro, novembro e dezembro), a pesca é proibida. 
Amazônia - Faz calor o ano todo, mas, na época da seca (entre julho e novembro), as temperaturas sobem até cerca de 40 °C e formam-se praias naturais na selva. Na cheia (de dezembro a maio), ou inverno amazônico, a água sobe na floresta a quase 30 metros do solo, na altura da copa das árvores, e só se transita de barco.



VACINAS
Para ir ao Amazonas, ao Mato Grosso do Sul e ao Mato Grosso é recomendado tomar a vacina de febre amarela. Ela está disponível em postos e hospitais públicos, sem custo, ou em privados, e deve ser aplicada pelo menos dez dias antes da viagem.

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