A estratégia de promover pregões eletrônicos para a compra compartilhada de
produtos com critérios ambientais ganha escala na administração pública, levando
o mercado a adaptar-se a novos padrões nas licitações. Após experiência pioneira
no ano passado, um grupo com mais de dez instituições federais do Rio de Janeiro
prepara atualmente um novo leilão on-line destinado à aquisição coletiva de no
mínimo 48 itens - do papel reciclado aos cartuchos de impressoras e copos de
cafezinho mais amigáveis ao meio ambiente. "O desafio é conciliar preço e
qualidade, além de garantir o abastecimento e a abrangência na competitividade",
diz Jorge Peçanha, da Fundação Oswaldo Cruz, que coordena o grupo.
"Queremos derrubar o mito de que o produto sustentável é
necessariamente mais caro que o convencional", completa Renato Cader, um dos
idealizadores do sistema compartilhado quando dirigia o setor de compras do
Jardim Botânico do Rio. "Devido ao maior poder de compra do trabalho conjunto, o
primeiro leilão gerou em média uma economia de 50% em relação aos preços
identificados na pesquisa prévia de mercado", informa Cader. Ele hoje dirige a
Agência Nacional do Cinema, membro de uma rede de 38 instituições públicas que
se articulam para a adoção dos novos critérios nas licitações.
O
trabalho, diz, envolve romper barreiras legais, técnicas e até culturais. E há
questões complexas a resolver, como a especificação dos produtos e a maior
adesão dos fornecedores. No pregão anterior metade dos itens não foi atendida -
situação que, segundo Cader, pode ser vencida com uma política mais efetiva e a
maior escala de compras públicas.
"O projeto é estender a
licitação compartilhada para a administração federal em Brasília neste ano",
revela Delfino Natal de Souza, secretário de logística e tecnologia de
informação do Ministério do Planejamento (MP), lembrando que já existe
instrumento legal para que as licitações não se restrinjam ao critério do menor
preço. A Instrução Normativa 01, do MP, de janeiro de 2010, abre essa
possibilidade para 216 órgãos federais em todo o país. "A tendência é a cultura
de compra sustentável chegar também às estatais, que têm legislação própria",
afirma Souza.
O Acórdão 1152/2011 do Tribunal de Contas da União
prevê a questão ambiental como uma vantagem nas licitações para além da
isonomia. Isso significa, segundo analistas, que órgãos públicos estão sujeitos
a autorias e punição no caso de descuido com a sustentabilidade.
Nos últimos dois anos, foram realizados mais de 2,1 mil
processos licitatórios com quesitos de sustentabilidade no setor federal,
somando R$ 21 milhões na aquisição de bens e serviços. "Em 2012, a expectativa é
atingir o dobro a partir da maior conscientização e capacitação dos gestores
públicos", prevê o secretário. No total, as compras públicas representam entre
10% e 15% do PIB, algo em torno de R$ 360 bilhões ao ano, o que demonstra o
expressivo poder de influência ainda a ser explorado para induzir o mercado a
práticas sustentáveis.
"Para mudar a escala dos números e vencer
a última resistência dos gestores públicos é necessário consolidar o suporte
jurídico, transformando a instrução normativa em lei", analisa Samyra Crespo,
secretária de articulação institucional do Ministério do Meio Ambiente. Uma das
medidas, segundo ela, será mexer na Lei 8.666, das licitações, que permite
diferentes interpretações e tornam as compras coletivas do governo sujeitas à
impugnação.
"Sem clareza na legislação, muitos órgãos públicos
preferem fazer o tradicional para não correr o risco de paralisar projetos e
obras", explica Samyra. Ela informa que outro desafio é fazer a agenda de
sustentabilidade da administração pública sair do papel, como é o caso do
programa Esplanada Sustentável, que hoje tem a adesão formal de apenas 16 dos 37
ministérios. Até 2016, o plano é capacitar mil servidores por ano para a adoção
de critérios ambientais nas licitações.
Diante do desafio
ambiental, funcionários públicos começam a lidar com questões novas, como
emissões de carbono e ciclo de vida dos produtos - desde a matéria-prima até o
descarte. "O cenário atual é bastante positivo, em função da política nacional
sobre mudanças climáticas e da nova legislação sobre resíduos, que têm as
licitações sustentáveis como ferramenta", analisa Luciana Betiol, da Fundação
Getúlio Vargas.
O poder de compra dos governos é chave também no
debate internacional, porque a adoção de normas ambientais envolve questões de
competitividade e pode servir como barreira comercial. No documento nacional
preparatório para a Rio+20, a reunião sobre economia verde que a ONU realizará
em junho no Rio de Janeiro, o Brasil mostrou-se disposto a apoiar um pacto
global para compras governamentais.
Nas transações
internacionais, o mecanismo pode induzir a redução de poluição nos países
exportadores. O tema é abordado em recente estudo da pesquisadora Adriana de
Moura, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ela cita que, na
média, as compras públicas sustentáveis reduzem em 25% as emissões de carbono
nos países europeus do grupo Green-7 (Áustria, Dinamarca, Finlândia, Alemanha,
Holanda, Suécia e Reino Unido).
Em São Paulo, o governo estadual
criou um selo verde para diferenciar produtos no catálogo de compras públicas.
No total de 124 mil itens, 500 têm o emblema ambiental e correspondem a 5% do
consumo total, que soma R$ 25 bilhões ao ano. "A adesão dos setores do governo é
crescente e já impacta o mercado", avalia Denize Cavalcanti, da Secretaria do
Meio Ambiente.
Ao seguir a política estadual, a Sabesp
substituiu veículos por frota bi-combustível e passou a comprar equipamentos de
baixo consumo energético e sem metais tóxicos como chumbo, cádmio e mercúrio. A
empresa, responsável por gastos de R$ 2 bilhões em obras, começou a utilizar
entulho reciclado na construção de adutoras. "Como efeito cascata o mercado está
aderindo à tecnologia", revela Marcelo Morgado, assessor de meio ambiente.
(Valor Econômico)