quarta-feira, 9 de abril de 2014

As lições do mico-leão-preto que escapou da extinção

As lições do mico-leão-preto que escapou da extinção

ALEXANDRE MANSUR

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Mico-leão-preto na floresta (Foto: Divulgação)

No meio de tanta notícia ambiental desanimadora, algumas histórias de sucesso realimentam a esperança. Uma delas é o salvamento do mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus). A espécie foi considerada extinta por cerca de 65 anos. Nesse período, não houve nenhum registro de sua ocorrência. Foi redescoberta nos anos 1970. Depois de décadas de trabalho de conscientização e conservação, o mico-leão-preto deixou a lista das espécies mais ameaçadas. O estado das populações continua delicado, mas é possível afirmar que o maior perigo já passou. Essa história é contada em detalhes no livro Mico-Leão-Preto - A história de sucesso na conservação de uma espécie ameaçada, da bióloga Gabriela Cabral Rezende, do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), que participou do salvamento. Uma das lições do mico é a importância de unidades de conservação. A outra é o envolvimento da população local.
A aventura do mico-leão começou com a redescoberta de uma população no Pontal do Paranapanema (extremo oeste do estado de São Paulo), em 1970. Isso animou os pesquisadores. Em 1983, porém, alguns deles foram informados que a construção de uma usina hidrelétrica inundaria 10% da área de ocorrência daquela população de micos. Era a maior e única capaz de sobreviver por um longo prazo. Na época, o mico-leão-preto era considerado um dos primatas mais ameaçados do mundo, com cerca de 100 indivíduos vivendo na natureza. O risco motivou o início de pesquisas e ações de envolvimento comunitário para salvar a espécie. Assim, surgiu o Programa de Conservação do Mico-leão-preto (PCMLP), que completa 30 anos em 2014. O esforço de salvamento do mico também deu origem a organização socioambiental IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), fundado em 1992 e responsável até hoje pelo plano de conservação da espécie.
Gabriela conta mais sobre as lições do mico em entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA: Como foi possível salvar o mico-leão-preto?
Gabriela Rezende: As principais ações que contribuíram para salvar o mico-leão-preto da extinção incluíram o manejo de populações, feito através de movimentações de micos-leões de um fragmento a outro onde a espécie não era mais encontrada. Isso resultou no estabelecimento de uma nova população. Também houve a criação de unidades de conservação, essenciais para a proteção do que resta de habitat disponível para a espécie. Um exemplo é a Estação Ecológica Mico-leão-preto, criada em 2002 no Pontal do Paranapanema. Também ocorreram ações de restauração do habitat e da conectividade entre os fragmentos de ocorrência de mico-leão-preto. Elas geraram, em 2012, o maior corredor de biodiversidade já reflorestado no Brasil, com 1,4 milhões de árvores plantadas ligando a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto ao Parque Estadual Morro do Diabo. Diversas estratégias de envolvimento comunitário abordaram mais de 20 mil pessoas ao longo dos anos. Algumas oferecem alternativas sustentáveis de geração de renda. Como exemplo, temos o estabelecimento de viveiros comunitários em assentamentos rurais, que produzem mudas direcionadas aos próprios projetos de restauração da região. Atualmente, a população de mico-leão-preto conhecida na natureza é constituída de pouco mais de mil indivíduos, distribuídos em aproximadamente 20 pequenas áreas de floresta pelo estado de São Paulo, entre os rios Tietê e Paranapanema. Devido aos esforços contínuos, em 2008 o mico-leão-preto deixou a categoria de “Criticamente Ameaçado” na Lista Vermelhade Espécies Ameaçadas de Extinçãoda IUCN (International Union for Conservation of Nature), passando a ser considerado “ameaçado”. Apesar dos progressos, ainda há muito a ser feito.
A bióloga Gabriela Rezende com seu livro (Foto: Divulgação)
ÉPOCA: Que garantias temos de que o hábitat dele será conservado agora?
Gabriela: A conservação de uma ou de diversas espécies é completamente dependente da conservação do hábitat em que elas ocorrem. A garantia de proteção do hábitat ainda é muito vinculada a questões políticas. Por isso, apesar de a criação de unidades de conservação ser o mecanismo mais seguro para garantir a perpetuidade das manchas de floresta que ainda restam, essas mesmas áreas podem sofrer perdas, também sob respaldo legal, seja por razões ambientais, políticas,sociais ou econômicas. Por isso, sensibilizar e envolver cada vez mais pessoas na conservação de espécies ou de um ecossistema pode fortalecer essa garantia, de que daqui muitos anos tais áreas ainda existirão e terão sofrido um impacto mínimo ao longo do tempo.
ÉPOCA: Quais são as lições desse caso para esforços de conservação de outras espécies?
Gabriela: As estratégias utilizadas para a conservação do mico-leão-preto podem ser facilmente replicadas para outras espécies ameaçadas ao redor do mundo, desde que adaptadas à realidade local e com objetivos claros. Mas a principal lição que podemos tirar desse caso é a importância de pessoas engajadas e motivadas a lutarem para salvar uma espécie. O mico-leão-preto é um caso de sucesso porque encontrou em seu caminho algumas pessoas, atuantes nas mais diversasáreas (governo, terceiro setor, universidades), que tornaram o objetivo de suas vidas melhorar as condições para que a espécie pudesse sobreviver. Se não fosse o comprometimento e a vontade dessas pessoas, gente como a gente, talvez não encontraríamos mais esse primatinha correndo pelas matas paulistas. Meu desejo em disseminar essa história através de um livro é que mais gente se inspire para que mais espécies sejam salvas.
ÉPOCA: Algumas espécies conseguem atrair a empatia do público. Elas são usadas para justificar e financiar esforços de conservação de grandes ambientes naturais. São as espécies-bandeira. Essa estratégia ainda é eficaz hoje?
Gabriela: A estratégia de espécies-bandeira já foi mais utilizada. Atualmente elas estão perdendo um pouco do foco para a abordagem mais abrangente de ecossistemas. Apesar disso, elas ainda atraem bastante a atenção do público e não devem ser deixadas de lado. Eu, particularmente, acredito no potencial dessas espécies carismáticas em difundir a mensagem conservacionista e engajar mais pessoas na causa. A meu ver, as pessoas tem uma certa facilidade em se identificar com espécies, mais que com hábitats, sensibilizando-se com as ameaças e apropriando-se do problema para buscar uma solução. Se as estratégias atuais de conservação seguem outras tendências, o segredo para não perder o foco é utilizá-las em conjunto.
ÉPOCA: Usar espécies-bandeira como estratégia de conservação não deixa o público menos consciente do papel do próprio ecossistema como um todo? Isso não deixa de fora a importância de uma floresta para equilibrar o clima ou gerar nascentes, por exemplo?
Gabriela: Isso pode acontecer, dependendo da estratégia de divulgação que se utiliza. A função das espécies-bandeira é chamar atenção para a situação de perigo do ecossistema a que estão associadas e auxiliar na difusão da mensagemconservacionista. Se elas forem capazes de mostrar a importância de se conservar florestas, não somente pela sua existência em si, mas por todos os benefícios que estas podem trazer e por toda a biodiversidade que estará sendo salva embaixo do guarda-chuva de uma espécie-bandeira, o uso dessa estratégia estará cumprindo com seus objetivos. Além disso, cada pessoa se sensibiliza com a conservação de uma forma diferente, exigindo essa diversidade de abordagens para conscientização. O que realmente importa, no fim das contas, são os benefícios para o meio ambiente e para todos nós, espécies desse planeta.
ÉPOCA: Qual é o primata brasileiro em estado mais crítico hoje?
Gabriela: Alguns primatas brasileiros estão atualmente em estado bastante crítico e preocupante, sendo a redução de seus hábitats a principal ameaça. Na Mata Atlântica, ecossistema que o mico-leão-preto habita, temos o bugio-ruivo do norte do rio Jequitinhonha (Alouatta guariba guariba) e o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). Na Amazônia,os primatas em estado crítico ocorrem principalmente na região do arco do desmatamento ou próximos aos grandes centros urbanos,tais como o caiarara (Cebus kaapori), o cuxiú-preto (Chiropotes satanas) e o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor). E ainda há a Caatinga, um ecossistema que corre sérios riscos, e que tem uma espécie de guigó exclusiva dela, oCallicebus barbarabrownae, tão ameaçada quanto. Destas, o bugio-ruivo e o caiarara integram a lista de 2012-2014 das 25 espécies de primata mais ameaçadas do mundo, publicada bianualmente pelo Grupo Especialista em Primatas da IUCN. O mico-leão-preto fez parte dessa lista no biênio 2000-2002.


 
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terça-feira, 8 de abril de 2014

INSCRIÇÕES PRORROGADAS DO CADASTRO AMBIENTAL RURAL


Serviços de polinização representam 10% do valor da produção agrícola mundial

Serviços de polinização representam 10% do valor da produção agrícola mundial

Karina Toledo - Agência Fapesp - 2014
da100fotos/Creative Commons



A humanidade tem explorado colônias de abelhas produtoras de mel desde a pré-história, mas somente nos últimos anos se deu conta de que a importância desses insetos para a sua alimentação vai muito além da fabricação do poderoso adoçante natural.


“O mel é, na verdade, um subproduto pequeno quando comparado ao valor do serviço de polinização prestado pelas abelhas, que corresponde a quase 10% do valor da produção agrícola mundial”, destacou a professora da Universidade de São Paulo (USP) Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, durante palestra no segundo encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa BIOTA-FAPESP Educação, realizado no dia 20 de março, em São Paulo.



Cientistas estimam que no ano de 2007, por exemplo, o valor global do mel exportado tenha sido de US$ 1,5 bilhão. Já o valor dos serviços ecossistêmicos de polinização em todo o mundo era calculado em US$ 212 bilhões. Os dados foram levantados em diversos estudos e estão reunidos no livro Polinizadores no Brasil: contribuição e perspectivas para a biodiversidadeuso sustentávelconservação e serviços ambientais, um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2013.



A obra é fruto do Projeto Temático FAPESP “Biodiversidade e uso sustentável de polinizadores, com ênfase em abelhas Meliponini”, coordenado por Fonseca no âmbito do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade de São Paulo (BIOTA).



As verduras e frutas lideram as categorias de alimentos que necessitam de insetos para polinização (cada uma das produções tem valor estimado de € 50 bilhões). Seguem as culturas oleaginosas, estimulantes (café e chá), amêndoas e especiarias. Em média, segundo os estudos, o valor das culturas que não dependem da polinização por insetos é de € 151 bilhões por ano, enquanto o das que dependem da polinização é de € 761 bilhões.



“Cerca de 75% da alimentação humana depende direta ou indiretamente de plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização animal. Dessas, 35% dependem exclusivamente de polinizadores. Nos demais casos, insetos como as abelhas ajudam a aumentar a produtividade e a qualidade dos frutos”, afirmou Fonseca, que atualmente é professora visitante na Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), no Rio Grande do Norte.



Pesquisas recentes, contou Fonseca, mostraram que mesmo culturas como a canola (polinizadas pelo vento) e a soja (considerada autofértil) produzem entre 20% e 40% a mais por hectare quando recebem apoio de colônias de abelhas da espécie Apis mellifera ou quando a plantação é feita ao lado de áreas com remanescentes devegetação nativa.



“Quando se usam abelhas, jataí por exemplo, na polinização do morangueiro em ambientes protegidos, diminui em 70% o número de frutos malformados em alguns cultivares. Outra cultura que se beneficia da polinização em ambientes protegidos é a do tomateiro, que precisa de abelhas que vibram nas flores, como as do gênero Melipona. Em geral, as abelhas aumentam a produção de sementes, atuam na qualidade do habitat, tornam os sistemas agrícolas mais sustentáveis e trazem benefícios amplos ao meio, favorecendo outros serviços ecossistêmicos que permitem a preservação da biodiversidade e dos recursos hídricos”, disse Fonseca.



MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Embora a demanda pelos serviços de polinização das abelhas cresça na mesma medida em que cresce a produção agrícola mundial, os habitats favoráveis à manutenção desses insetos diminuem a cada ano. Tal descompasso tem resultado em um fenômeno recente batizado pelos cientistas como desordem do colapso das colônias (CCD, na sigla em inglês).



De acordo com Fonseca, a síndrome do desaparecimento das abelhas foi detectada pela primeira vez em 2007 no Hemisfério Norte. Atualmente, naquela região, a perda tem sido em torno de 30% das colônias por ano e tem se tornado necessário importar abelhas de outros locais para promover a polinização agrícola. A Europa também sofre com o fenômeno, que começou a ser detectado no Brasil em 2011.



“O aluguel de uma colônia de abelhas para fazer a polinização chega a US$ 200 nos Estados Unidos, pois os produtores sabem que o lucro gerado pelo serviço prestado será muito maior. E não há abelhas suficientes. Esta é uma tendência mundial, pois cada vez mais plantamos culturas que dependem das abelhas para sua produção”, contou Fonseca.



Entre os fatores apontados como causa do desaparecimento das abelhas estão o uso inadequado de herbicidas e pesticidas, o desmatamento seguido pela ocupação do solo por extensas monoculturas e a migração de colônias para promover a polinização agrícola.



“O pesticida, quando não mata a abelha num primeiro momento, a deixa fraca e reduz o tempo da atividade forrageira (busca de alimento). Por outro lado, as abelhas têm de percorrer distâncias cada vez maiores em busca de comida quando ocorre a substituição da vegetação nativa por monocultura, pois há menor diversidade de flores. A migração de colônias, por sua vez, pode aumentar a competição por comida entre as espécies e favorecer a disseminação de doenças”, explicou Fonseca.



O cenário, já nada animador, tende a piorar com a chegada de um novo problema: as mudanças climáticas globais. Isso porque os polinizadores, assim como as plantas que os mantêm, têm um raio de distribuição geográfica influenciado pela temperatura e pelas chuvas.



“As previsões do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas] para o Nordeste brasileiro, por exemplo, são de aumento de 4º C na temperatura nos próximos 50 anos. Isso deve impactar fortemente na área de ocorrência das abelhas. Temos feito trabalhos de modelagem de distribuição de espécies e estudos com a metodologia da análise polínica do alimento coletado por elas para saber quais plantas as abelhas visitam. Essas ferramentas permitem fazer uma análise da utilização de recursos florais e, com o auxílio do herbário da flora do Brasil, modelamos as fontes principais de alimento. Cruzando os dados, é possível identificar as áreas naturais mais importantes para serem reconstruídas e preservadas e planejar um programa de mitigação. Isso para que daqui a 40 ou 50 anos as abelhas tenham algum lugar para viver”, contou Fonseca.



Saiba mais no site da Agência Fapesp
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Argumentos para os países que defendem a caça às baleias

Argumentos para os países que defendem a caça às baleias

ALEXANDRE MANSUR

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Baleias jubarte mergulhando na costa brasileira (Foto: Divulgação/ Instituto Baleia Jubarte)

Os ativistas brasileiros a favor das baleias resolveram dar uma um passo no lobby com os países que ainda defendem a caça. Os biólogos e conservacionistas organizaram um seminário internacional com 12 representantes de países africanos e caribenhos que geralmente se alinham com líderes defensores da caça, como o Japão. O plano é argumentar a favor da criação de um santuário de proteção de baleias no Atlântico Sul. O encontro, organizado pelo Instituto Baleia Jubarte, acontece de 19 a 21 de março, na Praia do Forte, na Bahia. "Muitos dos países convidados votam contra a proposta (do Santuário) por desconhecimento das implicações e benefícios", diz Marcia Engel, presidente do instituto. Ela explica mais na entrevista a seguir:
ÉPOCA: Por que organizar um seminário para países votantes da Comissão Baleeira Internacional? A ideia é fazer lobby?
Marcia Engel: A intenção é esclarecer sobre o papel do Santuário e os benefícios a ele associados para a conservação marinha, pesquisa, geração de renda para as comunidades costeiras, educação. Muitos dos países convidados votam contra a proposta por desconhecimento das implicações e benefícios, sendo influenciados pelo Japão e aliados. Eles acreditam que a criação do Santuário de Baleias seria prejudicial aos seus interesses econômicos, quando na verdade a conservação das baleias é um jogo de ganha-ganha para o ecossistema marinho, comunidades, pesquisadores e ambientalistas.

ÉPOCA: Como é a melhor abordagem para os países que tradicionalmente votam contra a restrição à caça a baleia e contra a criação de um santuário?
Marcia: O esclarecimento e aprofundamento da discussão sobre o que é e como funciona um santuário de baleias.

ÉPOCA: Quem se opõe mais à criação do Santuário do Atlântico Sul?
Marcia: O principal opositor é o Japão, que estende sua influência sobre vários países subdesenvolvidos do Caribe e África através de subsídios à indústria pesqueira, angariando votos contra a proposta. Também há oposição de Noruega, Rússia e Islândia.

ÉPOCA: Quais são os países mais favoráveis ao santuário?
Marcia: A proposta de criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul é uma iniciativa do Brasil e Argentina, tendo a África do Sul e Uruguai como co-patrocinadores. A proposta do Santuário tem o apoio de todos os países-membros da Comissão Baleeira Internacional (CIB) que são conservacionistas  como: Austrália, Reino Unido, União Européia, a maioria dos latinos (Chile, Costa Rica, Equador, Colômbia, México, Peru e outros),  EUA, Nova Zelândia, Índia, República Dominicana.
ÉPOCA: Quais são os melhores argumentos à favor da criação do santuário?
Marcia: A recuperação de espécies de baleias e unidades populacionais depauperadas pela caça comercial e por frotas baleeiras de países distantes é de suma importância para muitas nações do Atlântico Sul.  A conquista de benefícios socioeconômicos advindos do ecoturismo, da observação de baleias e da pesquisa científica depende da recuperação das populações de baleias e da garantia de que a caça não será mais uma ameaça.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Rios e Ruas: por uma São Paulo mais humana

Rios e Ruas: por uma São Paulo mais humanaSuzana Camargo -

rio e ruas
Todos os dias a população de São Paulo caminha sobre três mil quilômetros de cursos de água. Infelizmente são rios invisíveis, que foram canalizados e enterrados vivos sob nossos pés.
Pavimentar as cidades em prol do tão aclamado crescimento econômico foi uma decisão coletiva tomada no passado. Era uma visão do que se costumava chamar de desenvolvimento. Muitas décadas depois, sabemos hoje que um erro foi cometido. A construção de ruas, avenidas e prédios provocou o desaparecimento dos rios de São Paulo.
As crianças paulistanas não têm a mínima ideia do que é soltar um barco de papel num córrego, sentir a água fria do riacho nos pés descalços ou fazer um piquenique ao lado da nascente do rio. Os tempos são outros e nossos ouvidos não estão mais sequer acostumados a ouvir o barulho da água batendo nas pedras e seguindo seu curso.
Por um acaso daqueles que só o destino consegue criar, o geógrafo Luiz de Campos Júnior e o arquiteto José Roberto Bueno (na foto acima) foram apresentados por um amigo em comum em São Paulo e juntos decidiram mostrar aos paulistanos que não é tarde demais. Ainda é possível trazer à tona os rios paulistanos e transformar a cidade num lugar mais humano e tolerante para seus habitantes.
No ano passado, os dois foram escolhidos para integrar a reportagem Pessoas Incríveis, da edição especial de final de ano da revista Vida Simples Verde.
Em entrevista ao Parceiros do Planeta, Bueno e Campos Júnior falam sobre as expedições do Rios e Ruas para redescobrir os rios de São Paulo e revelam como podemos nos reconectar com a natureza e transformar a cidade.
Como surgiu o Rios e Ruas?
Campos Jr. – 
Estudo o tema dos rios invísiveis na cidade de São Paulo desde a época da faculdade e nunca mais larguei desta história. Como era professor de geografia, trabalhei muito este assunto com alunos e na formação de professores, mas sempre no meio acadêmico. Em 2010 um amigo comum me apresentou ao Bueno quando tomávamos um café na Vila Madalena e o Rios e Ruas nasceu deste encontro.
Bueno – Na época em que conheci o Luiz estava pensando em formar uma jornada de aprendizagem vivencial com diversos mestres apaixonados por assuntos, que pudesserm gerar uma experiência para as pessoas. Mas algo prático. Quando o Luiz falou que São Paulo tinha uma quantidade enorme de água, fiquei muito curioso não só pela informação, mas como poder experimentar isso. Fizemos então um primeiro passeio perto da minha casa para tentar encontrar água. Acabamos descobrindo que eu morava a 150 metros de uma nascente de rio. Foi uma experiência muito forte e impactante.
Como são as expedições em busca dos rios invisíveis?
Bueno – 
Queríamos reproduzir a nossa primeira experiência. Um roteiro, com um pouco de bate papo, uma conversa sobre todo o conceito da hidrografia de São Paulo.Informação mais experiência.
Campos Jr. – Fazemos expedições em que ajudamos as pessoas a abrir a percepçãopara uma realidade que está encoberta em São Paulo. Uma vez que elas tenham esta percepção ativada, conseguem reconhecer isto em todos os lugares da cidade.
Quem são as pessoas que exploram os rios da cidade?
Campos Jr. – 
A ideia toda do Rios e Ruas foi sair do ambiente escolar, queremos ir para as ruas porque isso não é uma coisa que deva ficar fechada nas universidades, nas escolas. Isso tem que atingir o cidadão comum. Cada vez mais o Rios e Ruas começa a ter interfaces com diferentes tipos de iniciativas. Já fizemos expedições com grupos de ciclistas, pessoal das hortas urbanas. Na verdade estamos ocupando o espaço público, nos preocupando com ele e propondo novas possibilidades para a cidade.
Bueno – O que nos interessa também é a conversa, o olho no olho, a interação entre as pessoas. Durante as expedições as pessoas trazem muitas histórias, as experiências próprias, olhares diferentes sobre o tema.
Qual a duração das expedições?
Campos Jr. 
– Depende de cada passeio. Um dos mais recentes que realizamos para uma empresa de consultoria ambiental durou cerca de três horas e meia. Fizemos o percurso do rio Anhangabaú da nascente até o centro de São Paulo. Começamos com uma oficina no vão da MASP com um grande mapa da hidrografia de São Paulo, que é um grande quebra-cabeça de nove metros quadrados. As pessoas montam as peças e depois interferem em cima do mapa. Quando elas vêm aquilo, nem acreditam que representa a hidrografia da cidade. Dizem que não é possível ter tanto rio assim em São Paulo. Mas logo começam a identificar os rios perto das casas delas, desenhar na cabeça o trajeto deles. É uma atividade vivencial e transformadora para o cidadão.
Os passeios são guiados pelos mapas?
Campos Jr. 
– Os mapas só são uma base de partida, na verdade o que a gente costuma fazer é ir com mapas das ruas e desenhar os rios conforme eles vão sendo descobertos pelas indicações. Vamos vendo os traçados das ruas, relevo, umidade, vegetação e a partir disso vamos desenhando em cima dos mapas.
Bueno – A minha questão sempre é como tornar este conhecimento, que é fascinante por si só, numa experiência lúdica e excitante. E que emocione, na verdade. O conhecimento em si não é suficiente para emocionar e causar movimento. E toda esta história de mapas, expedições e encontrar esses indícios traz muito a lembrança de um trabalho de piratas. E fizemos uma experiência recente que chamamos de Piratas de Rios e Ruas, em que juntamos jovens com crianças e com pais para que com o mapa na mão descubram onde estão esses tesouros da cidade.
Por que estes tesouros foram escondidos?
Bueno 
- No último século a gente teve essa malha incrível de rios – um tesouro, guardada, canalizada. Escondida para promover o crescimento caótico da cidade. Estamos fazendo um trabalho de recuperação, reencontro. Os rios foram cobertos por um equívoco de percepção nossa. Foram cobertos dos nossos olhos e talvez se voltarmos a percebê-los, a chance de voltar a tê-los seja maior. Mas é um processo sutil de começar a limpar os rios na percepção das pessoas.
Este seria o grande objetivo do Rios e Ruas?
Bueno 
– Sim, reconectar o cidadão urbano com a natureza do lugar onde ele vive.  Atualmente não temos o menor vínculo com a natureza local. Cidade sustentável começa por estar conectado com o ambiente onde se vive. O grande objetivo é trazer luz e vida a este lugar, a partir das águas. Do ponto de vista pragmático, nosso objetivo é começar a abrir rios na cidade de São Paulo.
É possível trazer de volta os rios de São Paulo?
Bueno 
– Isso é uma tendência mundial na Ásia, Europa e Estados Unidos e São Paulo está atrasada. Várias metrópoles que canalizaram e poluíram seus rios estão tendo ações consistentes e articuladas para reconstruir essa realidade. Há tecnologia e resiliência dos rios para voltarem a viver como sempre viveram mesmo depois de canalizados e enterrados por décadas. Acreditamos que se tivermos em São Paulo o caso de um rio canalizado recuperado e aberto à visitação, ao apreço e à convivênciafaremos uma curva irreversível em relação  ao desenvolvimento da cidade e ao modelo de crescimento dela.
Campos Jr. – Seriam interferências pequenas na realidade da cidade. Existem muitos rios prontos para serem reabertos, mas não se dá valor a isso. Se abrirmos trechos de 100, 150 metros de rio e as pessoas puderem desfrutar novamente, vão começar a pensar se existem outros e se nossa cidade não poderia ser diferente. No Jardim Botânico de São Paulo, no Ipiranga, isso foi feito. O Rio Pirarucaua ficou 70 anos dentro de uma galeria, em 2008 foi reaberto e desde então a visitação ao parque quintuplicou.
Um rio nunca morre?
Campos Jr. 
– Não, é praticamente impossível matar um rio.
Bueno -  Somos capazes de matar um rio no nosso olhar. O rio que temos em São Paulo hoje está morto na nossa percepção porque o associamos com esgoto, enchentes e como inimigo da cidade. Fomos educados a achar que o rio é um problema que deve ser enterrado.
Como a volta dos rios pode transformar a cidade?
Bueno 
– O rio é um grande humanizador da cidade. Ela se torna muito mais tolerante, solidária, acolhedora do que aquelas que cobrem seus rios e não honram sua conexão com as águas do seu lugar. Cidades com rios são menos violentas, mais aprazíveis.
Qual é a sensação mais forte que as pessoas têm ao constatar que há rios invisíveis sob seus pés?
Bueno – 
Saber que enterramos nossos rios é muito forte, muito triste. Mas nesse momento de tristeza temos duas opções: nos deprimir, revoltar e reclamar dos políticos e gestores, ou então, usar esta mesma energia para fazer alguma coisa. A tristeza se transforma em indignação e esta indignação nos move a agir, a ter uma atitude pró-ativa, entusiasta e otimista. Estamos transformando esta tristeza em criatividade e iniciativa.

Foto: Amanda Barral

Alerj vai trazer a Campos discussão da transposição do rio Paraíba

Alerj vai trazer a Campos discussão da transposição do rio Paraíba

Audiência pública hoje na Alerj para discutir a proposta paulista de transposição do rio Paraíba do Sul (foto de Rafael Wallace - Alerj)
Audiência pública hoje na Alerj para discutir a proposta paulista de transposição do rio Paraíba do Sul (foto de Rafael Wallace – Alerj)

A Frente Parlamentar da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em Defesa da Bacia do Rio Paraíba do Sul irá realizar uma série de audiências públicas nas regiões cortadas pelo leito do rio para discutir os planos do Governo de São Paulo de efetuar uma segunda transposição no curso das águas. A decisão foi anunciada durante reunião do grupo realizada nesta segunda-feira (31/03). De acordo com a presidente do colegiado, deputada Inês Pandeló (PT), o circuito de encontros começará no dia 10 de abril, às 18h, na Universidade Federal Fluminense (UFF) de Volta Redonda.
Em seguida, a Frente Parlamentar vai a Campos dos Goytacazes e, em maio, chega à cidade de Sapucaia. “A parte técnica é muito importante, mas a mobilização política também é necessária. Os estudos nos dão argumentos para que lutemos em defesa do nosso estado e do Rio Paraíba do Sul”, frisou a petista, reiterando que nenhuma decisão pode ser tomada sem consultar os Comitês de Bacia. Durante a reunião desta segunda-feira, foram discutidos dois estudos que apontam para a incapacidade do rio de suportar uma segunda transposição. “Ficou claro que o Rio de Janeiro vai sofrer. Os estudos técnicos mostram que existem alternativas diferentes para São Paulo ter água. A atitude do governador Geraldo Alckmin foi autoritária”, colocou Pandeló, que disse que pedirá ao presidente da Casa, deputado Paulo Melo (PMDB), a inclusão do tema nas discussões do Fórum Permanente de Desenvolvimento Econômico do Estado. A deputada adiantou, também, que enviará ofício à Agência Nacional de Águas (ANA), solicitando uma audiência com o órgão, e que irá organizar um abaixo assinado na internet contra a possível transposição.
O estudo encomendado pelo Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap) apontou que já há um déficit hídrico de oito metros cúbicos por segundo em alguns trechos do rio, e que uma segunda transposição agravaria o problema. “O Ceivap não foi ouvido. O Governo de São Paulo tem que aceitar sentar com a gente, nos ouvir”, pontuou a vice-presidente do órgão, Vera Lucia Teixeira, para anunciar que haverá uma reunião entre diversos comitês e a ANA. Na ocasião, o Ceivap solicitará que o órgão federal garanta que uma possível intervenção no rio não irá interferir no cumprimento das regras atuais. O presidente de honra da Comissão Ambiental Sul e bispo emérito de Volta Redonda, dom João Maria Messi, se posicionou contrário a uma segunda transposição. Presente na audiência, a vereadora de São José dos Campos (SP) Renata Paiva (DEM), também declarou ser contrária ao que pretende o governo paulista.
A presidente do Instituto Estadual de Ambiente do Rio (Inea), Isaura Fraga, ressaltou que uma possível nova transposição afetaria todo o estado do Rio, e também classificou a medida como autoritária. “Existe uma regra operativa em vigor, e ela tem que ser cumprida”, opinou. O deputado Carlos Minc (PT) alertou para que as discussões sobre o tema não ganhem caráter de disputa regional entre os estados, e pediu união para defender o Rio Paraíba do Sul. “Os Comitês de Bacia não foram consultados, isso contraria a lei federal. Além disso, existe um Plano Diretor, financiado pela ANA, que está sendo concluído. Como tomar uma decisão antes do plano?”, questionou o parlamentar, completando que um decreto nacional estabelece a vazão mínima do rio quando entra no estado do Rio, em funil. Segundo Minc, tal vazão já estaria no limite, o que tornaria qualquer retirada de água um descumprimento de um decreto assinado pela Presidência da República.
A deputada Aspásia Camargo (PV) afirmou que ficou muito feliz com a apresentação dos estudos, que deu mais informações sobre a real situação da bacia. “Antes de pensar se temos condições, concluo que não há razão para isso (transposição). São Paulo não fez o seu dever de casa e quer, no desespero, sangrar o Rio Paraíba do Sul”, criticou. A deputada sugeriu que tanto Rio como São Paulo precisam desperdiçar menos água, lembrando que o Rio tem o maior consumo per capita de água do país. Já o deputado Paulo Ramos (Psol) pediu uma interlocução direta com o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, para pressionar pela defesa dos direitos da população fluminense. O relator da Frente Parlamentar, deputado Nelson Gonçalves (PSD), alertou que a transposição pretendida por São Paulo colocaria em risco a qualidade de vida de 15 milhões de pessoas. O parlamentar afirmou que é necessário mobilizar as Câmaras Municipais e prefeitos das cidades envolvidas na questão. “Recebi um documento da Procuradoria do Estado de São Paulo, que, em resposta a um inquérito civil público, afirmou que inexistia qualquer obra para uma segunda transposição do Rio Paraíba do Sul, três anos atrás, e que tampouco se pretendia fazê-la no futuro. O inquérito foi arquivado por conta dessa afirmação da Procuradoria”, contou Gonçalves.

Da assessoria da Alerj.

domingo, 6 de abril de 2014

Tecnologia já tem. O que falta para limpar o rio Pinheiros?

Tecnologia já tem. O que falta para limpar o rio Pinheiros?

BRUNO CALIXTO

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Ri o PInheiros, em São Paulo (Foto: Associação Águas Claras do Rio Pinheiros/Facebook)
Neste sábado (22), Dia Mundial da Água, a cidade de São Paulo tem pouco a comemorar. Após um verão seco e intenso, aliado aos já arraigados hábitos de desperdício, a cidade corre sério risco de racionamento de água. Em meio a crise de abastecimento, no entanto, o rio Pinheiros recebeu uma boa notícia. A secretaria ambiental de São Paulo anunciou os resultados de testes para encontrar uma tecnologia para limpar o rio.
No ano passado, o governo paulista e a ONG Águas Claras do Rio Pinheiros promoveram uma série de testes com novas tecnologias para aplicar no rio. Os testes foram propostos após especialistas perceberem que, mesmo se o governo realizar todas as obras previstas de despoluição, ainda assim não é possível limpar o rio.
O parecer técnico com os resultados dos testes foi publicado nesta semana. O governo paulista decidiu que seis tecnologias podem ser aplicadas na despoluição do Pinheiros. Elas melhoraram o oxigênio da água, reduziram o odor e a espuma e foram capazes de reduzir a quantidade de resíduos nas áreas de testes.
Agora, a próxima etapa é uma avaliação financeira. O governo deverá escolher entre uma ou mais tecnologias que estejam dentro do orçamento do Plano de Despoluição dos Rio de São Paulo. Infelizmente, ainda não há data para quando o processo de despoluição começará.