Cidade que vai sediar a Rio 20, conferência da ONU sobre desenvolvimento
sustentável, em junho, recicla apenas 3% de seu lixo (252 toneladas das 8.403
geradas diariamente). A Comlurb tem participação mínima nesse percentual já
diminuto: só separa 22,68 toneladas, ou 0,27%. Os outros 2,73% ficam a cargo de
catadores autônomos ou de cooperativas. Com isso, o Rio — que há 20 anos foi
anfitrião do maior encontro sobre meio ambiente da História — joga fora uma
oportunidade de se equiparar a metrópoles como Berlim (Alemanha) e Tóquio
(Japão), famosas por não desperdiçarem seus recursos naturais. Capitais
europeias recuperam, em média, 40% de seus resíduos.
Os motivos são muitos, a começar pela incipiente coleta
seletiva. Desde a sua implantação, em 2002, o serviço não deslancha. Poucos
cariocas têm o privilégio de receber um caminhão de reciclagem da Comlurb em
suas portas. Dos 160 bairros da cidade, apenas 41 são atendidos semanalmente, e,
mesmo assim, de forma parcial — por falta de investimentos, a coleta só ocorre
em algumas ruas. Hoje, ela apresenta um desequilíbrio entre as áreas do Rio.
Está mais presente nas zonas Sul (40%) e Oeste (42%) e bem menos na Norte (18%).
Segundo a Comlurb, não existe coleta seletiva em favelas, o que exclui da conta
um contingente de cerca de um milhão de pessoas.
"A Comlurb nunca promoveu uma campanha para que a população
faça a separação de seu lixo",diz Sérgio Besserman, presidente da Câmara Técnica
de Desenvolvimento Sustentável do município.
Parceria de R$ 50 milhões
A maior esperança da prefeitura, por enquanto, está relacionada
a um projeto que parece incapaz de resolver o problema. Assinado no ano passado,
um acordo entre o município e o BNDES prevê a aplicação de R$ 50 milhões para a
construção de seis galpões de triagem de materiais recicláveis. Em
contrapartida, a prefeitura promete colocar mais 15 caminhões em circulação,
expandindo o serviço dos atuais 41 para 120 bairros. Todos esses esforços, se
bem-sucedidos, devem ampliar a coleta seletiva em apenas 2%, elevando para 5% o
percentual de reciclagem na capital.
Para a presidente da Comlurb, Angela Fonti, a prefeitura
precisa atacar as causas que levam aos baixos índices de reciclagem. Ela dá
razão a Besserman, admitindo que a Comlurb nunca fez uma campanha de incentivo à
coleta seletiva de lixo.
"A primeira causa é a própria falta de uma campanha maciça em
prol da reciclagem, algo que faremos com recursos do BNDES. A nossa coleta
precisa ser bem mais abrangente também. A maioria das pessoas quer reciclar seu
lixo, mas nossos caminhões não passam em boa parte das ruas. E precisamos tornar
o mercado legal. Às vezes, moradores de um prédio separam seu lixo e, quando o
nosso caminhão passa para pegá-lo, o lixo reciclável já foi roubado. Os
atravessadores ilegais precisam ser eliminados", diz Angela. "E há uma
corresponsabilidade nessa história. As empresas, por exemplo, como determina a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, precisam se engajar nesse processo".
Envolvimento este que, na avaliação de Angela Fonti, pode ser
reforçado por medidas mais simples:
"Nosso cronograma inclui pegar o lixo orgânico e reciclável
dentro das casas e dos prédios. Os galpões vão melhorar as condições de trabalho
e dar um fim aos atravessadores, que diminuem o ganho dos catadores.
Hoje, o reaproveitamento do lixo acaba dependendo
fundamentalmente da figura do catador. Muitos trabalham em condições precárias,
inclusive na Comlurb — repórteres do GLOBO flagraram trabalhadores sem luvas
dentro da usina do Caju.
Situações como essa levaram o governo federal a cobrar uma ação
concreta dos municípios, exigindo que apresentem, até agosto, uma proposta de
adequação à lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
aprovada em agosto de 2010. A cidade que não se enquadrar deixará de receber
investimentos da União.
"À semelhança de São Paulo e Brasília, o Rio precisa dar uma
resposta à questão da reciclagem, porque ela terá um grande poder multiplicador
no país. No caso do Rio, essa necessidade aumenta por causa dos grandes eventos
que vêm por aí: a Rio 20, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A prefeitura tem até
agosto para estabelecer metas concretas de reciclagem", afirma Nabil Bonduki,
secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio
Ambiente.
O prefeito Eduardo Paes concorda que o Rio tem de dar o
exemplo, mas admite que o caminho é longo:
"Tivemos que sair do abaixo de zero na questão dos resíduos.
Antes, tínhamos um aterro (de Gramacho) que poluía a Baía de Guanabara.
Inauguramos o de Seropédica e implementamos outras ações importantes, como o
decreto que exige reaproveitamento dos resíduos de todas as obras. Só agora
poderemos começar a cobrar uma postura mais participativa dos cidadãos".
O envolvimento da população europeia com o tema inspirou a nova
legislação nacional de resíduos. A lei determina que os municípios brasileiros
joguem em aterros somente o lixo orgânico, ou seja, não reciclável. A meta deve
ser atingida até 2014. O engenheiro químico José Carlos Pinto, professor da
Coppe/UFRJ, diz que a lei 12.305 traz avanços em termos de conscientização. Mas
defende que é preciso ir além:
"O Rio, por exemplo, é um dos grandes produtores de plástico do
país. Mas as empresas daqui, ao contrário do que ocorre na Europa, não se
responsabilizam pelo destino final desse material".
Para ele, sem um compromisso das empresas, é impossível fazer
uma reciclagem à altura dos atuais desafios de sustentabilidade.
"Hoje, esse mercado existe por iniciativas individuais, em que
o serviço do catador é feito longe das condições ideais. Mercado cuja base é
sustentada por uma relação de trabalho ligada à exploração", diz José Carlos.
"Em países como Japão, Canadá e Alemanha, existe a figura do catador, mas a
logística da coleta é tão melhor, que o catador, com boas condições de trabalho,
tem um peso muito menor na cadeia. Sem as grandes empresas envolvidas nesse
processo, não há como implementar um sistema eficiente".
‘O caminhão desapareceu’
A falta de eficiência, na avaliação do chefe da Diretoria
Técnica e Industrial da Comlurb, José Henrique Penido, é explicada pela ausência
de investimentos maciços dos três níveis de governo.
"Em 1994, chegamos a ter 20 cooperativas de catadores nos
bairros. Não restou nenhuma. Reciclagem só dá algum dinheiro para catador de
rua. E ferro-velho só sobrevive porque tem gato de água e de luz. O preço do
produto reciclado acaba saindo mais caro do que a matéria prima virgem. Sem
pesados subsídios do governo, o sistema não vai funcionar", afirma Penido. "Não
há mágica. A Alemanha gasta cinco bilhões de euros por ano para implementar um
sistema eficiente. O povo alemão está muito satisfeito. E quanto ao Brasil? O
país está disposto a investir?".
Da Agência O Globo