A Comissão Global dos Oceanos (CGO), uma iniciativa do Pew Charitable Trusts, que reúne ex-chefes de Estado, ministros, líderes empresariais e ONGs, lançou um relatório que pretende ser um plano de resgate para o oceano nos próximos cinco anos.
Cronicamente desvalorizado e mal gerenciado, o alto-mar, equivalente a 64% da superfície total do oceano, possui menos de 1% da sua superfície em áreas protegidas.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), a única que versa sobre a região, foi negociada em uma época que o alto-mar era inacessível, aponta o relatório. Mas hoje não existem mais áreas remotas para a pesca industrial e para a exploração de petróleo, gás e minerais.
Considerando todos esses fatores, a CGO chegou à conclusão de que é urgente um pacote integrado de resgate que, ao ser aplicado integralmente, resulte na restauração do oceano.
“Um oceano saudável é essencial para o nosso bem-estar, e precisamos reverter a sua degradação. A menos que viremos a maré de declínio do oceano dentro de cinco anos, a comunidade internacional deveria considerar transformar o alto-mar em uma zona de regeneração restrita até que a sua condição seja restaurada”, alertou José Maria Figueres, co-presidente da CGO e ex-presidente da Costa Rica.
A proposta da CGO lida especificamente com a fraqueza da governança, a ausência de equidade e sustentabilidade no uso dos recursos em alto-mar e a novas pressões que precisam ser conhecidas antes que danos sejam causados.
Em cada caso, a CGO avaliou o que funciona e se inspirou para construir um pacote de resgate contendo oito medidas:
1. Uma meta de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas para o Oceano, colocando o oceano saudável e vivo no coração do desenvolvimento com vistas a reverter a degradação e conduzir o sistema global para a sua governança.
Os elementos que comporiam essa medida seriam a garantia de que todos os estoques de peixes estão sendo explorados de forma sustentável; a proteção de áreas marinhas vulneráveis; a redução da perda da biodiversidade; eliminar a pesca ilegal; e reduzir em 50% a quantidade de resíduos plásticos no ambiente marinho.
2. Promoção do cuidado e recuperação através da governança do alto-mar. Entre os elementos dessa proposta estariam o fortalecimento da CNUDM; avaliações regulares e independentes dos Acordos sobre os Estoques de Peixes da ONU; Criação de Organizações Regionais para a Gestão do Oceano; entre outros.
3. Fim da sobrepesca e dos subsídios financeiros danosos ao alto-mar. A CGO pede que os membros da Organização Mundial do Comércio urgentemente adotem três passos: transparência integral dos subsídios à pesca; classificação dos mesmos visando identificar e distinguir aqueles que são prejudiciais; imediatamente limitar e então acabar com os subsídios para combustíveis utilizados na pesca em alto-mar nos próximos cinco anos.
Mesmo com as capturas diminuindo cada vez mais, o esforço pesqueiro não para de aumentar, especialmente impulsionado por grandes países desenvolvidos que dão subsídios para que a frota pesqueira possa atuar no alto-mar e isso ainda ser rentável. Japão, China, União Europeia e Estados Unidos são os que mais gastam neste sentido, aponta o relatório.
Além dos prejuízos ecológicos, esses subsídios também se tornam um fator competitivo desvantajoso para os pescadores artesanais.
A frota pesqueira mundial atualmente é 2,5 vezes maior do que é necessário para que as capturas sejam sustentáveis, levando a uma perigosa depleção dos estoques pesqueiros.
4. Acabar com a pesca ilegal, desregulada e não reportada em alto-mar – estimada em US$ 1,25 bilhão anuais –, que tem impactos ecológicos, econômicos e sociais negativos, além de afetar desproporcionalmente os países em desenvolvimento.
Para tal, a probabilidade de punição precisa aumentar e o acesso aos mercados precisa ser extinguido. Assim, esse quesito exige alto grau de cooperação e compromissos internacionais.
5. Manter os plásticos fora do oceano, o que exige ações coordenadas dos governos, setor privado e sociedade civil para eliminar as variadas fontes desse resíduo.
Incentivar a reciclagem, a logística reversa, metas de redução, a melhoria da gestão, a conscientização do consumidor, a proibição de sacolas descartáveis, entre outros, são medidas sugeridas. Apesar de 80% dos resíduos encontrados no mar virem do continente, lidar com o descarte e perda de equipamentos de pesca, especialmente dos FADs (Fish Aggregating Device), é essencial, aponta o relatório.
O PNUMA estima que 15% dos resíduos flutuem, 15% fiquem na coluna d’água (faixa intermediária entre a superfície e o fundo) e 70% se depositem no leito marinho.
6. Estabelecer padrões internacionais de segurança e responsabilização que sejam compulsórios para a exploração de petróleo e gás. Os potenciais impactos dessa atividade incluem a perturbação da vida marinha durante a fase de avaliações sísmicas, emissões de CO2 e CH4 e poluição, e mesmo assim as leis e as capacidades técnicas nacionais variam muito. A perfuração dos poços iniciou na década de 1970 com profundidades de 300 metros, mas hoje já alcança mais de três mil metros.
7. Para monitorar o progresso em direção a um oceano mais saudável, é sugerida a criação de um comitê de responsabilização pelo oceano global. Independente, esse órgão monitoraria e avaliaria os avanços das propostas feitas pela CGO.
8. Criar uma Zona de Regeneração em Alto-Mar, fechando a região completamente para a pesca. O relatório indica que isso teria um alto impacto ambiental positivo, pequeno custo e imensos benefícios econômicos, afetando uma pequena fatia da indústria global da pesca, já que apenas 1% das espécies de peixes é capturado exclusivamente em alto-mar.
“Estamos convencidos de que as nossas propostas, se implementadas, reverteriam o ciclo de degradação. Mas existe um longo histórico de boas propostas não sendo implementadas. Se isso acontecer, e o resultado for o contínuo declínio do alto-mar, os impactos recairão em todo o oceano, nas pessoas e nos sistemas ao redor do planeta”, alerta a CGO.
Quase três quartos do planeta são cobertos pelo oceano, compreendendo 1,3 bilhão de Km3 e sendo o maior ecossistema único do mundo, com um papel central no suporte à vida na Terra.
“É a grande bomba biológica no coração da regulação atmosférica e térmica e o condutor dos ciclos da água e dos nutrientes”, ressalta o relatório. “Estima-se que o alto-mar seja responsável por quase metade da produtividade biológica de todo o oceano. Globalmente, o oceano produz quase a metade do oxigênio que respiramos e absorve mais de um quarto do dióxido de carbono que emitimos.”
Um
novo estudo da CGO, o primeiro a avaliar os serviços ecossistêmicos (SEs) em alto-mar, revelou que a vida presente em suas águas estoca 500 milhões de toneladas de carbono absorvido da atmosfera todos os anos. São identificados 15 SEs que têm valor direto para os seres humanos.
O estudo calculou um valor econômico para o sequestro de carbono em alto mar entre US$ 74 e US$ 222 bilhões anuais.
Além disso, “mais de 90% do calor apreendido no sistema terrestre devido às emissões de gases do efeito estufa é estocado no oceano, fornecendo um ‘buffer’ contra os impactos das mudanças climáticas no continente, mas isso tem consequências alarmantes para a vida marinha e é, talvez, o maior desastre ambiental já visto nos nossos tempos”, alerta a CGO.
“Sem governança adequada, uma minoria continuará a abusar da liberdade do alto-mar, a pilhar as riquezas que existem abaixo das ondas, levando mais do que o justo, e se beneficiando às custas do restante de nós, especialmente os mais pobres”, comentou Trevor Manuel, co-presidente da Comissão e ex-ministro da África do Sul.