Para mudar o olhar e encantar a alma
Incentivados pela professora Vera Cristina Terrabuio Lucato, alunos do interior de São Paulo foram ao campo conhecer e fotografar a realidade dos trabalhadores rurais
Beatriz Vichessi
Guilherme Mazzieiro
Marina de Camargo
Certa vez, o fotógrafo francês Henri Cartier Bresson (1908-2004) disse: "Temos de ver, olhar. É tão difícil fazer isso. Estamos acostumados a pensar, todo o tempo. É um processo muito lento e demorado, aprender a olhar. Um olhar que tenha certo peso, um olhar que questione".
A ideia expressa pelo artista está refletida no trabalho da professora Vera Cristina Terrabuio Lucato, da EMEFEI Oscar Novakoski, em Dois Córregos, a 255 km de São Paulo. Seu objetivo era levar os estudantes do 9º ano a fotografar o trabalhador rural de modo que, por meio da arte, eles fossem tocados pela realidade e refletissem sobre ela. "Os alunos, ainda que inconscientemente, tinham preconceito contra o homem que trabalha no campo."
O primeiro passo foi convidar a moçada para organizar uma exposição fotográfica sobre o assunto. Até então, fotografar era uma prática mecânica para os jovens. Eles clicavam freneticamente a si mesmos e aos colegas e as fotos eram publicadas nas redes sociais. "Ninguém pensava no motivo de fazer essa ou aquela foto", diz Vera. A turma adorou a ideia.
A etapa seguinte foi de apreciação de imagens que tinham o trabalho camponês em foco. A seleção reuniu três pintores: o francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) e os brasileiros José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899) e Candido Portinari (1903-1962), além do fotógrafo contemporâneo Sebastião Salgado. Eles retrataram o assunto em diferentes épocas. Wladimir Fontes, fotógrafo e professor de Fotografia do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), diz que a importância de apreciar pinturas para trabalhar com foto se dá pelo fato de as primeiras serem precursoras do registro fotográfico e de ambas se valerem da relação entre luz e sombra.
Em grupos, os estudantes foram orientados a pesquisar a vida e a obra de um dos artistas e preparar uma apresentação com destaque para uma pintura ou fotografia.
Na biblioteca da escola, consultaram os livros da coleção Mestres do Brasil (Ed. Moderna), para conhecer mais sobre a bibliografia dos pintores, além de livros de Salgado. O laboratório de informática também foi visitado: Vera orientou os alunos a acessar sites para que conhecessem em detalhes as obras dos artistas. Questionadora, ela fez intervenções durante a pesquisa e as apresentações. "Ela instigou a turma sobre coisas que iam para além do que os olhos podem ver", fala Marisa Szpigel, coordenadora de Arte da Escola da Vila, em São Paulo. Assim, surgiram interpretações sofisticadas sobre o trabalho escravo, por exemplo.
Na sequência, a professora deu aulas expositivas sobre a história da fotografia e aspectos técnicos. Era preciso explorá-los para que os jovens alcançassem bons resultados na hora de fotografar. Fontes ressalta a importância de, nesse momento, destacar que a escolha do foco, do enquadramento e dos outros elementos deve ser feita de acordo com a intenção do fotógrafo. Ou seja, não existe certo ou errado - tudo depende da imagem que se quer obter.
Depois disso, a ideia era liberar os estudantes para clicar. Mas Vera notou que eles tinham dúvidas. Então, reorganizou o planejamento e propôs uma saída fotográfica. Todos foram até a feirinha do agricultor, um espaço onde os produtores locais vendem frutas, verduras e outros alimentos à população. O grupo fotografou à vontade, praticando o que foi visto em sala, e a professora ficou à disposição para orientações.
Segundo Fontes, essa é uma chance para a turma perceber, por meio de discussões, que o mesmo assunto pode ser tratado de muitos jeitos. Na escola, as imagens foram analisadas coletivamente no que diz respeito à técnica e ao valor do trabalho camponês. Uma nova visão despontava! Na feira, os alunos conheceram e conversaram com quem cuidava dos legumes e queijos saboreados na casa deles. Falaram sobre a rotina e as dificuldades do campo.
Lucas Scaranelo
Na hora de produzir as imagens que iriam compor a exposição, os alunos foram liberados para, em grupos ou individualmente, visitar hortas, cafezais, canaviais, galinheiros e outros ambientes. As imagens foram mostradas para Vera, que as expôs na lousa digital para uma segunda análise, dessa vez coletiva. A turma elegeu as que seriam expostas e deu um título a cada uma delas.
Para a educadora, já estava claro que a consciência dos estudantes sobre as dificuldades, a pouca valorização e a importância do trabalho no campo tinha sido despertada. "Não só as fotos revelavam isso. Eles ficaram encantados com as conversas que tiveram com os trabalhadores durante as visitas e repensaram seus conceitos e suas atitudes."
Embora a fotografia seja um tema trabalhado todos os anos, Vera não é especialista e enfrentou um problema: as imagens não tinham resolução suficiente para impressão. A dificuldade se transformou numa oportunidade. Ela reorganizou o planejamento para explorar o conceito e aprendeu com a turma. Por fim, algumas fotos foram manipuladas e outras refeitas.
Questão resolvida, os jovens montaram a exposição em um supermercado da cidade e as obras ficaram ao alcance dos olhos do público. Vera observou e avaliou tudo durante o processo. Com imagens delicadas e intensas, os alunos mostraram o que aprenderam com Debret, Almeida Júnior, Portinari e Salgado e também com quem, de sol a sol, faz da terra seu ganha-pão.
PINTORES DO CAMPO
1. Debret
Retrata o trabalho escravo, incluindo o que é feito no campo e vendido na cidade. Sobre a mão de obra escrava, admite que é fundamental para a riqueza brasileira da época.
Para apreciar: O Vendedor de Cestos e Pequena Moenda Portátil.
2. Almeida Júnior
Apresenta os hábitos e o ambiente do caipira e o valoriza moralmente. Destaca seu corpo, no modo com que o enquadra na tela, ao mesmo tempo que o confunde com o chão de terra batida.
Para apreciar: Caipira Picando Fumo, Cozinha Caipira e Derrubador Brasileiro.
3. Portinari
Filho de camponeses, evidencia a força física do homem do campo e o retrata de modo agigantado. Com isso, também aproveita para reforçar sua força simbólica.
Para apreciar: O Mestiço e O Lavrador de Café.