terça-feira, 28 de julho de 2015

Como o alemão Michael Braungart quer acabar com o lixo

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Melina Costa - EXAME - 20/07/2015
Divulgação
Michael Braungart
O químico alemão Michael Braungart lidera uma das vertentes mais radicais entre os defensores da chamada economia circular. O conceito prevê que os materiais usados num aparelho celular ou num automóvel sejam reutilizados após o consumo em novos processos produtivos. Braungart vai além: ele sugere que esse tipo de preo­cupação seja soberana na concepção dos produtos e na escolha dos materiais usados em sua confecção.

Coautor do livro best-seller Cradle to Cradle ("Do berço ao berço", numa tradução livre), ele criou, ao lado do arquiteto americano William McDonough, a associação Cradle to Cradle Products Innovation Institute, nos Es­tados Unidos, e já conferiu um selo a mais de 1 000 produtos, além de prestar consultoria para marcas como Puma e Philips. De seu escritório em Hamburgo, Braungart concedeu a seguinte entrevista à revista EXAME.

Exame - O senhor prega que o foco em ampliar a reciclagem não é a maneira mais adequada de proteger o meio ambiente. Por quê?

Braungart - Nossos atuais produtos são incrivelmente primitivos no que diz respeito a questões ambientais. Você entra em contato com dezenas de químicos ao tocar um cupom de supermercado ou um tíquete de estacionamento. As cinzas de um jornal queimado são tão tóxicas que você não pode usá-las para agricultura.

A qualidade do ar em prédios é de três a oito vezes pior do que a qualidade do ar em espaços abertos de cidades, porque os prédios não foram feitos para nós. Precisamos reinventar os produtos. Eles precisam ser bons para a biosfera. Devido a ganhos de eficiência, os pneus duram mais hoje do que há 30 anos. Mas agora inalamos suas partículas, que ficaram muito menores e se soltam quando a borracha atinge a estrada.

É preciso reinventar tudo, porque esses produtos não foram feitos para nós. Um xampu com silicone, por exemplo, reveste não só os fios de cabelo mas também os recifes de corais. Globalmente, colocamos 10 milhões de toneladas de plástico nos oceanos todos os anos. Se diminuirmos 10% disso, resolve? Não. Precisamos rever a produção de plástico desde o início.

Tradicionalmente, pensamos em proteger o meio ambiente quando diminuímos o consumo de água, a conta de energia, a produção de resíduos. Mas esse tipo de proteção apenas reduz os danos. Representa fazer a coisa errada de maneira controlada.

Exame - Qual é o alcance desse conceito até agora?
Braungart - A fabricante Puma tem 128 produtos com nosso selo cradle to cradle no mercado. Calculamos ter, ao todo, 2 900 produtos elaborados segundo esses princípios no mundo. Muitos produtos foram redesenhados sem que isso tenha sido comunicado aos consumidores.

Se os fabricantes falarem "essa roupa íntima foi feita para entrar em contato com a pele", as pessoas vão perguntar "e o que acontecia antes?" Também há muita inovação ocorrendo sem necessariamente o aval de nosso selo. Podemos ver que essas coisas estão se tornando mais dominantes em diferentes áreas. 

Exame - Não é uma ideia radical demais?


Braungart - Afinal, cadeias inteiras de produção precisariam ser transformadas. Qual é a alternativa? Se não mudarmos, seremos pessoas demais neste planeta. A alternativa é, em vez de reduzir o consumo de energia nos prédios, construir prédios que sejam como árvores, que limpem o ar.
m São Paulo, as pessoas perdem anos de vida devido à má qualidade do ar.

Exame - É mais caro produzir pelo modelo da economia circular?

Braungart - Em tese, o produto é aproximadamente 20% mais barato porque não é preciso gerenciar o resíduo no final. A inteligência na produção se dá no começo. Quando se escolhem os materiais no início, não é necessário tratar o lixo. A questão da saúde ocupacional também fica mais fácil. Mas leva tempo para mudar o sistema produtivo. Por isso não queremos mudar as coisas imediatamente.

Exame - A maioria das grandes empresas demonstram resistência a mudar?

Braungart - Desenvolvemos um catalisador em parceria com a empresa química Akzo Nobel para substituir um catalisador de antimônio usado para fabricar PET. Antimônio é um metal tão tóxico quanto o arsênio, altamente cancerígeno, e por isso eles queriam substi­tuí-lo.

Mas, quando se tem a autorização do FDA (Food and Drug Administration, órgão regulador americano) para utilizar o antimônio, por que mudar? Encontramos na Coca-Cola dezenas de vezes mais antimônio do que é legalmente permitido para a água. Mas, se o FDA aprovou, não importa. O pessoal da Coca-Cola me disse: "Não vendemos água". 

Exame - O Brasil discute uma legislação para responsabilizar os fabricantes pelos resíduos de seus produtos pós-consumo. É uma boa política?
Braungart - A questão é: o Brasil ainda utiliza PVC nas embalagens? Isso torna a reciclagem cara para os resíduos de plástico. O país regula a toxicidade dos pigmentos no plástico? O pigmento "verde 7", por exemplo, é um dos mais perigosos porque causa a emissão de partículas tóxicas durante a reciclagem. Mas lidar com resíduos é a atitude errada. Quando um país começa a cuidar dos resíduos, é porque começou na extremidade errada da cadeia. Precisamos criar modelos novos.

Exame - De maneira prática, ainda temos um problema sério com o lixo acumulado - como lidar com isso?

Braungart - Sim, precisamos de fases transitórias. Eu criaria "supermercados de resíduos". Na Europa, dois terços dos aparelhos de TV dos quais as pessoas querem se livrar estão intactos. Precisamos apoiar mercados de produtos usados, estabelecer sistemas de coleta de produtos pós-consumo e desenvolver sistemas de desmontagem de produtos.

Estamos, provavelmente, bem no começo. Veja o caso dos aparelhos celulares: retornamos para a indústria apenas nove dos 41 elementos que estão presentes lá. No fim do ano, líderes políticos estarão reunidos em Paris durante a conferência da ONU sobre a mudança do clima, a COP 21. 

Exame - O objetivo é alcançar um acordo para limitar o aumento da temperatura global em 2 graus Celsius. Qual é sua opinião a respeito dessa meta?

Braungart - Estive na conferência da ONU em Copenhague, em 2009. Fazia frio, 10 graus negativos, e estávamos falando do efeito estufa. O design da conferência como um todo foi um desastre. Não sei qual vai ser a organização da conferência de Paris, mas acho que o objetivo de 2 graus Celsius é um pouco estranho. A natureza não funciona dessa maneira. O mais importante seria aprender a colocar os materiais de volta em seus ciclos.
Mais de 2 bilhões de pessoas não têm saneamento básico, afirma novo relatório da ONU

Publicado por http://nacoesunidas.org/
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Documento lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que uma em cada três pessoas, ou 2,4 bilhões de cidadãos do planeta, não possuem saneamento básico.


 Falta de saneamento básico é um dos fatores para a propagação de doenças, como o cólera, no Haiti. Foto: PNUMA


O Fundo da ONU para a Infância (UNICEF) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertaram nesta terça-feira (30) que a falta de progresso no saneamento ameaça enfraquecer a sobrevivência infantil e benefícios para a saúde conquistados por meio de um melhor acesso à água potável.

Responsáveis por acompanhar os avanços dessa meta estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), ambas as agências publicaram o Relatório do Programa de Monitoramento Conjunto que revela que uma em cada três pessoas – ou 2,4 bilhões de cidadãos no planeta – carecem de saneamento básico, incluindo 946 milhões de pessoas que defecam ao ar livre.

“Até que todos tenham acesso a saneamento básico adequado, a qualidade do abastecimento de água vai ser prejudicada e muitas pessoas continuarão morrendo de doenças transmitidas pela água e relacionados com a água”, declarou a diretora do departamento de saúde pública da OMS, Maria Neira. “O acesso à água adequada, saneamento e higiene é fundamental para a prevenção e cuidados de 16 das 17 “doenças tropicais negligenciadas”.

Fonte: 
http://nacoesunidas.org/mais-de-2-bilhoes-de-pessoas-no-planeta-carecem-de-saneamento-basico-onu/

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Desmatamento da Mata Atlântica recua 24% em relação a 2014, aponta pesquisa

Porém, é preciso melhorar. Foram desmatados 18.267 hectares ou 183 Km² de remanescentes florestais - o equivalente a 18 mil campos de futebol

por Suzana Camargo - Planeta Sustentável
     
Marco Terranova/Divulgacao

Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro (RJ)

Com várias trilhas para pedalar e correr, o Parque Nacional da Tijuca protege animais e plantas ameaçados de extinção, sítios históricos e nascente de rios em uma área de Mata Atlântica na cidade do Rio de Janeiro, e ainda ajuda a amenizar o clima local.
Em 2014, o desmatamento da Mata Atlântica foi o menor registrado nos dois últimos anos. Em relação a 2013, a queda foi de 24%.
Entretanto, o desafio ainda é grande. Nos 17 estados em que os vestígios originais deste bioma ainda se fazem presente, foram desmatados 18.267 hectares ou 183 Km2 de remanescentes florestais - o equivalente a 18 mil campos de futebol.
Os dados, resultado do trabalho e parceria da Fundação SOS Mata Atlântica com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foram divulgados na quarta-feira (27 de maio), com a publicação do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, relatório que é feito desde 1990.
O destaque negativo desta edição ficou com o Piauí. O estado registrou a maior perda de vegetação nativa: 5.625 hectares, ou seja, quase 30% do desmatamento total da Mata Atlântica observado em 2014. O município responsável por este número lastimável é Eliseu Martins, onde imensas áreas foram deflorestadas.
A explicação para a derrubada da vegetação é a mesma que devasta outros biomas brasileiros: aexpansão da agricultura. O sul do Piauí concentra grande movimento de produção de grãos, já indicado no estudo anterior. Situação parecida acontece no oeste da Bahia, mais especificamente em Baianópolis, o segundo município que mais desmatou Mata Atlântica no país, justamente em área de transição deste bioma com o Cerrado e a Caatinga, por isso ainda mais importante que seja protegida.
"Sabemos que a expansão agrícola é um importante ativo econômico para o Brasil, mas não podemos continuar a conviver com um modelo de desenvolvimento às custas da floresta nativa e de um Patrimônio Nacional", alerta Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica. "Entraremos com solicitações de moratórias de desmatamento nesses dois Estados (Piauí e Bahia). Nossa sociedade não aceita mais o desmatamento como o preço a pagar pela geração de riqueza".
A moratória a que Mantovani se refere impede a concessão de licenças e autorizações para supressão de vegetação nativa do bioma por ordem do governo. A ação foi realizada em 2013 em Minas Gerais e já deu bons resultados. O estado mineiro reduziu em 34% o desmatamento em 2014, em relação ao ano anterior. Mas ainda assim, aparece como o segundo do Brasil que mais derrubou florestas no mesmo período.
Dos estados que ainda possuem remanescentes da Mata Atlântica, três deles apresentaram aumento nos indíces de desmatamento, comparado ao relatório passado: Santa Catarina (3%), Rio de Janeiro (4%) e Espírito Santo (41%).
Em movimento contrário, Sergipe, Pernambuco e Rio Grande do Sul são os locais onde a queda do deflorestamento foi a maior registrada. Vale lembrar, todavia, que em algumas regiões, já houve tanto desmatamento nas últimas décadas, que o recuo na derrubada da floresta nem sempre é sinal de comemoração. Mostra que simplesmente não há mais o que devastar.
O Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica não identificou supressão de vegetação em áreas de mangue, encontradas sobretudo na Bahia, Paraná, São Paulo e Sergipe. Já em restingas, houve declínio de 309 hectares, percebido principalmente no Ceará (193 hectares).
De acordo com a análise dos pesquisadores, nove estados brasileiros estão próximos à meta do desmatamento zero. A conquista leva à nova etapa da conservação da Mata Atlântica - a hora de iniciar o reflorestamento. "Os 12,5% da Mata Atlântica que restam de pé, com suas paisagens e beleza cênica, são um patrimônio natural com potencial turístico invejável. Prestam ainda diversos serviços ambientais, como a conservação das águas que abastecem nossas cidades e a estabilidade dos solos, tão essenciais à agropecuária", afirma Marcia Hirota, diretora-executiva da SOS Mata Atlântica e coordenadora do Atlas. "Preservar o que restou e restaurar o que se perdeu precisa ser uma agenda estratégica para o país".
Em encontro recente realizado no Rio de Janeiro, secretários do Meio Ambiente de diversos estados e entidades ligadas ao setor começaram a elaborar uma carta conjunta. Intitulado Uma nova história para a Mata Atlântica, o documento deve consolidar o compromisso das autoridades em ampliar a cobertura florestal nativa e perseguir a meta de zerar o desmatamento ilegal no bioma até 2018.
A Mata Atlântica cobria originalmente 1.309.736 km2 do território brasileiro. Entre 1985 e 1990, chegaram a ser desmatados 536 mil hectares de vegetação. É por isso que se considera uma boa notícia quando constata-se que em 2014 esse número caiu para apenas 18 mil hectares. Mas ainda estamos longe do ideal. Motivo de comemoração mesmo acontecerá quando começar a ser registrada a recuperação e o consequente crescimento de área florestal do bioma atlântico.
Fonte: National Geographic Brasil

domingo, 26 de julho de 2015

Aves migratórias: canto final

De uma armadilha em Chipre pendem uma vida e uma questão: como acabar com a matança das aves canoras que migram pelo mar no Mediterrâneo?

Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL   |   Por: Jonathan Franzen
Em um mercado no vilarejo turístico de Marsa Matruh, na costa do Egito, examino as gaiolas repletas de rolas e codornas quando um dos vendedores nota a desaprovação em meu rosto e, sarcástico, grita em árabe: “Vocês, americanos, se sentem mal pelas aves. Mas, na hora de bombardear a terra dos outros, não sentem nada”.
Eu poderia ter respondido que é possível se sentir mal tanto pelos animais como pelas bombas, e que dois erros não fazem um acerto. Porém, me ocorre que o vendedor de pássaros diz algo apropriado do problema da preservação da natureza em um mundo dilacerado por conflitos humanos, algo que não pode ser refutado com facilidade. Ele beija os dedos para mostrar quão deliciosos são aqueles pássaros, enquanto continuo com a testa franzida diante das gaiolas.
A situação ao redor do Mediterrâneo é chocante: todos os anos, de um extremo a outro do mar, centenas de milhões de aves canoras e outras espécies migratórias são mortas para serem consumidas, por lucro, esporte ou diversão. A matança é indiscriminada, com forte impacto sobre espécies já fragilizadas pela destruição ou fragmentação de hábitats reprodutivos. Nessa região, as pessoas abatem grous, cegonhas e grandes aves de rapina para as quais os governos mais ao norte mantêm programas de conservação milionários. Por todo o continente europeu, as populações de aves estão em acentuado declínio.
Os caçadores italianos, legais e ilegais, são os mais notórios: em grande parte do ano, nos bosques e várzeas do interior da Itália, ouvem-se os disparos das armas de fogo e os estalos das armadilhas. Os franceses, tão ciosos de sua culinária, continuam a consumir a sombria (Emberiza hortulana), e a lista bem longa de aves que podem ser caçadas na França inclui muitas espécies costeiras ameaçadas. O uso de armadilhas para capturar as canoras ainda é comum em regiões da Espanha. Os malteses, frustrados com a inexistência de pássaros nativos, dizimam as aves de rapina em migração nos céus. Os cipriotas abatem toutinegras em escala industrial, a fim de consumi-las, mesmo que isso seja fora da lei.
Na União Europeia (UE), contudo, ao menos vigoram restrições formais à caça de aves migratórias. A opinião pública local tende a favorecer a preservação, e diversos grupos de proteção da natureza ajudam os governos a fazer com que as leis sejam respeitadas. Mas a situação das migrantes não é nada boa nos países mediterrânicos que não fazem parte da UE. Na verdade, quando visitei a Albânia e o Egito no ano passado, constatei que ela piora de modo dramático.
Em fevereiro de 2012, o Leste Europeu registrou as temperaturas mais baixas dos últimos 50 anos. Os gansos que costumam invernar no vale do Danúbio seguiram para o sul, a fim de escapar ao frio, e meio milhão deles acabaram nas planícies da Albânia, esfomeados e exaustos. Foram todos exterminados. Homens com velhas Kalashnikovs soviéticas empunhadas dizimaram as aves, enquanto mulheres e crianças se encarregavam de levar as carcaças aos povoados para serem vendidas a restaurantes. Muitos desses gansos haviam sido marcados por pesquisadores de países ao norte; um dos caçadores me contou que vira uma etiqueta da Groenlândia. Embora ninguém na Albânia esteja passando fome, o país tem uma das rendas per capita mais baixas da Europa. A chegada inesperada de gansos comerciáveis foi uma bonança.
NG - Um marreco morto boia entre as iscas que o atraíram para o raio de alcance das armas de seus algozes humanos

Um marreco morto boia entre as iscas que o atraíram para o raio de alcance das armas de seus algozes humanos. Poucos albaneses tinham rifles ou espingardas antes da pilhagem dos arsenais militares de 1997. O país tornou-se letal para as aves migratórias - Foto: David Guttenfelder
As rotas de migração mais a leste na Europa passam pelos Bálcãs. Na Albânia, o litoral do Adriático, que em outros trechos é montanhoso e intimidante, se estende em um extraordinário sistema de várzeas, lagos e planícies costeiras. Durante milênios, as aves que seguiam para o norte desde a África podiam descansar e se recuperar nessa região, para então seguir sobrevoando os Alpes Dináricos até as áreas de reprodução. Também tinham opção de parar ali de novo, no outono, antes de tornar a atravessar o Mediterrâneo.
Quatro décadas de ditadura marxista de Enver Hoxha destruíram a estrutura da sociedade e as tradições albanesas, mas, ainda assim, essa não foi uma época ruim para os pássaros. Hoxha reservou os privilégios da caça e da propriedade particular de armas para si mesmo e para comparsas confiáveis. No entanto, esse punhado de caçadores teve impacto irrelevante em milhões de aves migratórias que passaram pelo território albanês, e o atraso da economia centralizada do país, assim como sua falta de atração para turistas estrangeiros, assegurou que permanecesse intocada a riqueza dos hábitats litorâneos.
Com a morte de Hoxha, em 1985, o país passou por difícil transição rumo a uma economia de mercado, o que incluiu um período de quase anarquia, no qual os arsenais militares foram saqueados por cidadãos comuns. Mesmo após a restauração da ordem, os albaneses guardaram essas armas, e continuaram hostis a qualquer tipo de regulamentação. Com o renascimento econômico, a aquisição de espingardas caras, e seu uso para fazer o que antes era restrito apenas à elite – abater aves –, se tornou uma das maneiras da geração de homens jovens em Tirana ostentar a nova prosperidade.
Nessa mesma cidade albanesa, semanas depois da grande onda de frio em fevereiro, conheço uma jovem muito contrariada com o fato de seu marido ter adotado a caça como novo passatempo. Ela me conta que haviam brigado por causa da arma, cuja compra o levara a se endividar. Ele mantinha a espingarda no porta-malas do Mercedes 1986 do casal, e a jovem descreve como, certa vez, o viu parar à beira da estrada, saltar do carro e começar a disparar contra os passarinhos pousados em um fio de eletricidade. “Eu queria compreender isso”, comento. “Não dá para entender!”, exclama ela. “Já conversamos, e continuo sem ver o propósito disso...” Pega o celular, liga para o marido e lhe pede para vir nos encontrar.
“É algo que ficou na moda, e meus amigos me convenceram”, explica o homem, com expressão envergonhada. “Não sou caçador de verdade. Mas, o próprio fato de eu ter começado tarde – depois dos 40 –, a sensação boa de ser dono de uma arma autorizada, uma espingarda poderosa, e de nunca ter abatido qualquer ave antes, bem, tudo isso contribuiu para tornar a coisa divertida. Eu costumava sair sozinho e dirigir por uma hora até as colinas. Não temos áreas protegidas bem sinalizadas; então, eu atirava em tudo o que aparecia. Mas a graça vai sumindo quando se pensa nos animais que estão sendo mortos.”
“E o que você acha disso?”, pergunto. Ele franze a testa. “Sinto desconforto. Acabaram os pássaros; agora precisamos andar durante horas até avistar alguma coisa. É assustador. Eu até gostaria que o governo proibisse a caça durante cinco anos para que os animais pudessem se recuperar.”
Até haveria um precedente para tal proibição: sete anos atrás, quando o tráfico de drogas e pessoas se tornou um problema no litoral, o governo proibiu a maioria dos barcos e iates particulares. Todavia, a força política na Albânia depende de um delicado equilíbrio entre dois grandes partidos, e nenhum deles está disposto a adotar medidas impopulares em uma questão de pouca relevância para a maioria dos eleitores.
Na realidade, há um único defensor efetivo na Albânia, Taulant Bino, que também é o único verdadeiroobservador de aves no país. Viceministro do meio ambiente, Bino me leva uma manhã ao Parque Nacional Divjaka-Karavasta, a joia das reservas costeiras albanesas, uma imensa área com hábitats excepcionais de praias e regiões úmidas. Estamos em março, época em que a caça é proibida no país, e o parque (onde é vetado caçar o ano todo) deveria estar repleto de espécies aquáticas e pernaltas, invernando ou migrando. Mas, com exceção de uma lagoa protegida por pescadores, não se vê nenhuma ave no parque – nem mesmo os comuns patos selvagens.
Seguimos de carro pela praia e logo avistamos um dos motivos: um grupo de caçadores usa chamarizes para abater a tiros cormorões e maçaricos. O administrador do parque fica furioso e os expulsa. Nessa altura, um deles pega o celular e tenta ligar para um amigo no governo. “Está louco?”, grita o administrador do parque. “Você não percebe que estou aqui com o vice-ministro do meio ambiente?”
O ministério de Bino já garantiu, pelo menos no papel, hábitat suficiente para a manutenção de populações saudáveis. “Quando viram que o desenvolvimento econômico poderia prejudicar a biodiversidade”, me diz Bino, “os conservacionistas acharam melhor ampliar a rede de áreas protegidas antes que fossem ameaçadas pela urbanização. Mas é difícil controlar gente armada. Fechamos uma área aqui em 2007, e, em seguida, apareceram 400 caçadores, disparando contra tudo. Os policiais foram chamados e confiscaram as armas, mas, depois de dois dias, eles nos disseram que o problema era nosso, e não deles.”
Infelizmente, a velha piada comunista ainda reflete a realidade das autoridades responsáveis pelas áreas protegidas: o governo finge que lhes paga, e elas fingem que trabalham. Em consequência, as leis não são cumpridas – algo que os caçadores da Itália, limitados pelas leis da UE em seu país, logo perceberam, e passaram a se aproveitar após a morte de Hoxha. Ao longo da semana em que estou na Albânia, topo com italianos em todas as reservas por onde passo. Eles usam equipamentos ilegais, de alta qualidade, para a reprodução do canto dos pássaros, e abatem tudo o que querem de quaisquer espécies.
Os italianos introduziram na Albânia um espírito de matança indiscriminada e novos métodos – em especial, o recurso ao playback do canto dos pássaros, muito eficaz para atrair as aves. Mesmo em vilas remotas, os caçadores albaneses usam MP3 de grasnidos de patos em seus celulares e iPods. Essa sofisticação, em um país com 100 mil espingardas e 3 milhões de habitantes, transformou a Albânia em um sumidouro da biomassa migratória no Leste Europeu: milhões de aves rumam para lá e raras saem vivas.
NG - Após atravessar o Mediterrâneo rumo ao sul, os papa-figos ainda enfrentam mais de1 800 quilômetros sobre o deserto do Saara.
Após atravessar o Mediterrâneo rumo ao sul, os papa-figos ainda enfrentam mais de1 800 quilômetros sobre o deserto do Saara.O oásis de Al Maghrah é um dos pontos de descanso nesse mar de areia. Mas os caçadores estão à espera das aves exaustas - Foto: David Guttenfelder
Aquelas mais inteligentes ou sortudas evitam a região. Em uma praia na cidade de Velipoja, vejo grandes bandos de marrecos voarem desesperados de um lado para outro, longe do litoral, exaurindo-se ainda mais depois de cruzar o mar Adriático, porque os caçadores locais, em esconderijos bem espaçados na praia, os impedem de alcançar as zonas úmidas, onde encontrariam alimento. Martin Schneider-Jacoby, um especialista da organização alemã EuroNatur, que faleceu no último verão, descreveu-me de que modo os bandos de grous, ao se aproximar da Albânia pelo mar, dividem-se em dois grupos etários. As aves adultas continuam a voar em grandes altitudes, ao passo que os filhotes, inexperientes, de 1 ano, reconhecendo os hábitats atraentes, descem até que ouvem tiros – sempre existe alguém pronto para disparar –, e então voltam a ganhar altitude e a se juntar aos adultos. “Eles vêm do Saara”, explicou Schneider-Jacoby, “e têm de passar sobre montanhas com 2 mil metros de altura. Precisam descansar. Talvez lhes reste energia para vencer as cordilheiras, mas aí é provável que não mais consigam se reproduzir com êxito.”
Além da fronteira albanesa em Montenegro, Schneider-Jacoby mostrou-me as extensas salinas no vilarejo de Ulcinj. Até pouco tempo atrás, graças aos caçadores montenegrinos, essas salinas estavam tão desprovidas de pássaros quanto as “reservas” albanesas, distantes apenas 10 quilômetros. Porém, o Centro para Proteção e Pesquisa das Aves de Montenegro passou a pagar o salário de um único guarda-florestal, encarregado de avisar a polícia da presença de caçadores ilegais. Os resultados são dramáticos: aves por todos os lados, milhares de pernaltas, milhares de patos, todos ocupados em se alimentar. Amigração de primavera nunca me pareceu tão assombrosa.
A situação na Albânia não está perdida por completo. Muitos dos novos caçadores parecem perceber que algo precisa mudar; uma melhor educação ambiental e o aumento no turismo estrangeiro podem reativar a demanda por áreas intocadas; as populações de aves vão se recuperar se o governo garantir o cumprimento da lei nas reservas. Quando levo o caçador de fim de semana e sua esposa até Karavasta e mostro-lhes os patos e as aves pernaltas na única lagoa preservada, a mulher não se contém e exclama, com orgulho e alegria: “Não sabíamos que havia aves assim neste lugar!” (Logo depois, o marido vendeu a arma).
Mais ao sul, contudo, não é fácil manter a esperança. Tal como na Albânia, a história e a política no Egito não favorecem a conservação. O país é signatário de vários acordos internacionais que regulamentam acaça, mas o persistente ressentimento em relação ao colonialismo europeu, aumentado pelo conflito entre a cultura islâmica tradicional e as liberdades desestabilizadoras do Ocidente, faz com que o governo egípcio não se mostre muito empenhado em respeitar tratados. Além disso, a revolução egípcia de 2011 teve como um de seus principais aspectos o repúdio das forças policiais do antigo regime. O novo presidente, Mohamed Morsi, tem preocupações mais urgentes que a fauna silvestre.
No nordeste da África, ao contrário dos Bálcãs, também há uma tradição antiga, complexa e ininterrupta de abate de aves migratórias de todos os tipos. (Para alguns, o milagroso abastecimento de carne do maná dos céus que salvou os israelitas no Sinai era constituído de codornas em migração.) Enquanto essa prática era realizada com métodos tradicionais (redes artesanais e varetas com substâncias viscosas, armadilhas feitas de junco, e o uso de camelos como transporte), o impacto nas populações de aves nidificadoras na Eurásia mantinha-se em um nível sustentável.
O problema agora é que a nova tecnologia aumenta a capacidade de abate ao mesmo tempo que a tradição continua a ser respeitada.
Todavia, o traço cultural mais desesperador talvez seja o de que, no Egito, os caçadores não fazem distinção entre capturar ou abater peixes e aves (no delta do Nilo, usam as mesmas redes para ambos), ao passo que, para muitos ocidentais, as pássaros têm carisma e, portanto, apelo emocional e ético. No deserto a oeste do Cairo, enquanto estou sentado em uma barraca com jovens beduínos caçadores de aves, avisto uma alvéola-amarela saltitar ali perto, na areia. Minha reação é emotiva: ali está um minúsculo e confiante animal de sangue quente e bela plumagem que acabou de voar centenas de quilômetros através do deserto. A reação do jovem a meu lado é a de agarrar uma espingarda de ar comprimido e dar um tiro. Para ele, quando a alvéola sai voando ilesa, é como se um peixe tivesse escapado. Para mim, é um raro momento de alívio.
Os seis beduínos, mal saídos da adolescência, estão acampados em um esparso bosque de acácias, rodeado pelo areal abrasador sob o sol de setembro. Eles patrulham o bosque com uma espingarda e armas de ar comprimido, parando de tempos em tempos para espantar os pássaros das árvores, batendo palmas e levantando areia. O bosque é um ponto atraente para os pássaros que seguem para o sul, e todos que ali chegam, seja qual for seu tamanho ou espécie, são mortos e comidos. Para os jovens, o abate é um alívio ao tédio, uma desculpa para ficar com os amigos e fazer atividades masculinas. Também têm um gerador, um computador carregado com filmes B, uma câmera reflex, óculos de visão noturna e um fuzil Kalashnikov para diversão. Todos são filhos de famílias abastadas.
Aquela manhã foi bem propícia: pendurados por um fio, veem-se rolas, papa-figos ou mesmo passarinhos minúsculos. Não há muita carne nesses passarinhos, mas, como preparação para as longas viagens no outono, as aves migratórias acumulam reservas de gordura, que podem ser vistas em lóbulos amarelos no ventre quando os caçadores as depenam. Servidas com arroz e especiarias, são uma refeição saborosa.
Como as viagens pelo deserto egípcio agora são feitas em veículos motorizados, e não mais em camelos, na prática todo arbusto ou árvore, por mais remotos que estejam, podem ser visitados pelos caçadores durante a temporada de outono. Em locais selecionados, como no oásis de Al Maghrah, cada um deles pode matar mais de 50 papa-figos por dia.
Visito Al Maghrah no fim da temporada, mas as iscas para os papa-figos (via de regra, feitas com um macho morto preso a uma vareta) ainda atraem muitas aves. Dada a grande quantidade de atiradores ali, é possível que cerca de 5 mil papa-figos estejam sendo abatidos a cada ano apenas naquele lugar. Como há dúzias de outros locais de caça no deserto, e o pássaro é uma presa valorizada também no litoral egípcio, as perdas no país representam uma fração significativa da população europeia da espécie, que não passa de 2 milhões ou 3 milhões de pares reprodutores.
O desfrute de uma espécie pitoresca que se desloca por vasto âmbito no verão e no inverno é assim monopolizado, todo setembro, por uma quantidade ínfima de bem alimentados caçadores amadores, em busca de um Viagra natural (um dos efeitos propagados da carne da ave). Se tiverem licença para usar as armas, não estarão transgredindo nenhuma lei egípcia.
NG - No deserto, um jovem beduíno exibe uma amostra do que capturou pela manhã: um papa-figo repleto de gordura após um verão na Europa
No deserto, um jovem beduíno exibe uma amostra do que capturou pela manhã: um papa-figo repleto de gordura após um verão na Europa. Depenada e frita, esta ave de 56 gramas vai proporcionar dois bocadinhos de carne - Foto: David Guttenfelder
A grande maioria dos beduínos com quem converso me garante que não matam espécies locais, como a poupa e a rola-do-senegal. Tal como outros caçadores do Mediterrâneo, contudo, eles consideram presas aceitáveis quaisquer pássaros migratórios; como os albaneses costumam dizer, “não são aves nossas”. Enquanto todo caçador egípcio que encontro admite que a quantidade de pássaros migrantes vem diminuindo nos últimos anos, apenas alguns reconhecem que a caça excessiva pode ser um dos motivos. Há caçadores que culpam as mudanças climáticas; uma explicação popular é a de que a quantidade cada vez maior de lâmpadas elétricas no litoral afugenta as aves. Na verdade, o mais provável é que as luzes as atraiam.
A conscientização e a defesa do ambiente no Egito restringem-se a poucas organizações não governamentais, como a Nature Conservancy Egypt. Os grupos europeus de defesa das aves investem recursos financeiros e humanos em Malta e outros locais em que se concentra a matança de pássaros migratórios, mas não dão a devia atenção ao problema no Egito, mais grave que em qualquer outro lugar na Europa.
A maioria dos vilarejos no litoral egípcio possui mercados de aves nos quais uma codorna pode ser comprada por 2 dólares, uma rola por 5, um papa-figo por 3, e outros pássaros menores por centavos. Na periferia de um desses povoados, El Daba, visito o sítio de um sujeito de barba branca e dono de um esquema de captura de aves. Redes estão colocadas sobre oito altas tamargueiras e arbustos mais baixos, rodeando um pomar de figueiras e oliveiras; as redes são um produto moderno barato, que se tornou disponível em El Daba apenas há sete anos.
O sol está muito quente, e as aves de arribação começam a vir do litoral próximo, em busca de abrigo. Repelidas pela rede sobre uma das árvores, elas simplesmente voam para a do lado, até que acabam sendo capturadas. Os netos do velho correm para dentro das redes e as agarram, e depois um dos filhos arranca as penas de voo e as jogam em uma saca de plástico para o transporte de cereais. Em 20 minutos, vejo um picanço-de-dorso-ruivo, um papa-moscas-de-colar, um papa-moscas-cinzento, um papa-figo macho, uma toutinegra-de-barrete-negro, uma felosa-comum, duas felosas-assobiadeiras e muitas espécies não identificadas desaparecerem na saca. Quando vamos descansar à sombra, em meio a cabeças decepadas e penas de cucos, poupas e um gavião-da-europa, a saca já está bojuda, com os papa-figos se esgoelando lá dentro.
Além das estimativas do velho sitiante quanto à quantidade diária de aves capturadas, faço um cálculo de que, a cada ano, entre 25 de agosto e 25 de setembro, ele e os parentes removem da natureza 600 papa-figos, 250 rolas, 200 poupas e 4 500 pássaros menores.
Em todos os lugares em que passo no litoral egípcio, de Marsa Matruh a Ras el Barr, há redes como as daquele velho beduíno. Ainda mais impressionantes são as chamadas “redes de neblina”, usadas na captura de codornas: peças ultrafinas de náilon, quase invisíveis para as aves, penduradas em estacas, e vão do chão a até 3 metros de altura. Na região norte do Sinai, essas armadilhas estendem-se por 80 quilômetros.
Despreocupados quanto às restrições oficiais de altura e espaçamento das redes, os donos dessas redes de neblina saem antes do amanhecer e esperam as codornas, que vêm pelo mar direto para a praia – e o enredamento. Minha estimativa, baseada em números de um ano fraco, é de que 100 mil codornas são capturadas por ano no Egito apenas com essas redes costeiras.
Ao mesmo tempo que se torna mais difícil achar codornas em grande parte da Europa, as capturas no Egito só aumentam, devido ao uso cada vez mais comum da técnica de playback. O melhor sistema, o Bird Sound, cuja memória digital possui gravações de alta qualidade de uma centena de cantos de aves, é proibido para finalidades de caça na UE, mas, ainda assim, é vendido em qualquer loja de Alexandria. Ali, converso com um caçador esportivo, Wael Karawia, que alega ter introduzido o Bird Sound no país em 2009. Agora Karawia diz que se sente “muito mal, muito arrependido” por isso.
Talvez três quartos das codornas que chegam à região voam sobre as redes de neblina, mas, com o Bird Sound, os caçadores atraem também aquelas que voam mais alto. Nos grandes lagos do Egito, os caçadores passaram a usar o Bird Sound para capturar bandos inteiros de patos durante a noite. “O problema é a mentalidade”, diz Karawia. “As pessoas querem pescar e caçar de tudo, sem qualquer restrição. Já havia muitas armas por aí antes da revolução, e desde então elas aumentaram em 40%. Aqueles que não têm direito constroem, eles próprios, as armas, o que é muito perigoso – podem pegar até três anos de cadeia –, mas parece que não se importam. Até os jovens fazem isso. O ano letivo começa em setembro, mas os jovens só vão às aulas depois que termina a temporada de caça.”
Antes de deixar o Egito, passo alguns dias no deserto, com beduínos dedicados à captura de falcões. Mesmo pelos padrões locais, a captura dessas aves de rapina é uma atividade para indivíduos com tempo livre. Alguns fazem isso há 20 anos e ainda não capturaram nenhuma das duas espécies – o falcão-sacre e o falcão-peregrino – mais valorizadas pelos intermediários que servem aos ultrarricos falcoeiros árabes. O primeiro deles é tão raro que não mais do que uma ou duas dúzias são capturadas por ano. Mas o valor do prêmio (um falcão-sacre chega a valer mais de 35 000 dólares, e um peregrino, mais de 15 000) faz com que centenas de caçadores passem semanas de tocaia no deserto.
A captura dos falcões requer o uso cruel de aves menores. Os pombos são amarrados a estacas na areia e largados sob o sol a fim de atrair os pássaros de rapina; as pombas e codornas são dotadas de arreios com laços de náilon, nos quais podem ficar presas as patas dos falcões. E, no caso de falcões menores, como o borni ou o kestrel, eles têm as pálpebras costuradas e uma isca, repleta de laços, fixada em uma das pernas.
NG - Vivo, um falcão vale 35 000 dólares
A ave de rapina acorrentada serve de alerta. Quando localiza um falcão, ela ergue a cabeça. Isso faz com que o caçador liberte outro pássaro, pequeno e dotado de uma armadilha, na qual o falcão pode ficar preso – vivo, ele vale 35 000 dólares -Foto: David Guttenfelder
Os caçadores rodam pelo deserto em caminhonetes Toyota, visitando os pombos nas estacas e parando para lançar ao ar, como bolas de futebol, os borni ou kestrels incapacitados, na expectativa de atrair um falcão-sacre ou peregrino – afinal, um borni ou kestrel cego e carregando peso não pode ir longe. Muitas vezes, os caçadores também amarram um falcão de olhos abertos na parte dianteira de suas caminhonetes, e ficam a observá-lo enquanto correm pelo deserto. Quando o falcão olha para cima, isso significa que uma ave de rapina maior está sobrevoando o local, o que leva os caçadores a exibir as várias iscas. A mesma rotina é seguida toda tarde, semana após semana.
Uma das duas coisas mais animadoras que testemunho no Egito é a atenção extasiada com que os caçadores de falcões examinam minha edição, em brochura, do guia Birds of Europe. Amontoam-se em torno do guia e viram devagar as páginas, do fim para o início, estudando as ilustrações dos pássaros, tanto dos que conheciam como dos que nunca tinham visto. Certa vez, enquanto observo alguns dos caçadores entretidos com o guia em uma barraca onde me oferecem chá forte e um almoço tardio, sou trespassado pela desatinada esperança de que os beduínos são, mesmo que não se apercebam disso, apaixonados observadores de aves.
Antes que nós, seres humanos, fôssemos servidos, um dos caçadores tenta alimentar, com passarinhos decapitados, o falcão-kestrel e o gavião-do-levante, ambos cegos, que estão conosco na barraca. O kestrel come sem hesitar, mas, por mais que coloquem a carne perto do bico do gavião, ele não mostra o menor interesse. Em vez disso, permanece concentrado, bicando o cordão que lhe prende a perna – pelo menos até depois do almoço, quando já estou fora da barraca e deixo os caçadores experimentarem meu binóculo. De repente, ouve-se um grito. Viro-me e vejo o gavião batendo com vigor as asas e afastando-se no deserto.
De imediato, os caçadores saem em perseguição nas caminhonetes, em parte porque o animal é valioso para eles, mas também – e essa é a informação animadora – porque uma ave cega não consegue sobreviver sozinha. Eles se sentem responsáveis por ela. No fim da temporada, os caçadores desmancham a costura das pálpebras e libertam os falcões que serviam de isca.
Os homens afastam-se cada vez mais no deserto, preocupados com o gavião e empenhados em localizá-lo, mas fico com sentimentos dilacerantes. Eu sei que, se conseguir escapar, e nenhum outro grupo de caçadores o capturar, ele logo mais estará morto; porém, em seu desejo de fugir do cativeiro, mesmo cego, mesmo condenado à morte certa, o animal parece encarnar a essência das aves silvestres e o motivo de elas serem importantes. Vinte minutos depois, quando o último dos caçadores volta ao acampamento de mãos vazias, só posso pensar que ao menos aquele gavião morrerá em liberdade.
FONTE: National Geographic

Maiores aquíferos do planeta estão sob ameaça de esgotamento

Simone Bastos, Professor Resíduo
Jun/2015

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Maior aquífero do mundo fica no Brasil - Alter do Chão ou SAGA (2013)
Maior aquífero do mundo fica no Brasil e abasteceria o planeta por 250 anos
Um terço das maiores bacias de águas subterrâneas do mundo estão sendo esgotadas pelo consumo humano. Essa foi a conclusão de dois estudos da Universidade da Califórnia, divulgados esta semana no site da Agência Espacial Americana (Nasa).
De acordo com os pesquisadores, a população mundial utiliza as águas subterrâneas de forma indiscriminada, apesar de não haver informações precisas sobre a dinâmica de reposição dessas reservas.
Este é o primeiro estudo que analisou as perdas dos aquíferos, a partir de dados coletados no espaço, pela Nasa. As leituras dos satélites Grace, especializados em analisar a gravidade do planeta, permitiram a interpretação da quantidade de água e mostraram que 13 dos 37 maiores aquíferos estudados entre 2003 e 2013 estão sendo esvaziados em velocidade superior a da reposição de água nos sistemas.
Dos 13 aquíferos ameaçados, oito foram classificados como “superestressados”, por terem muito pouca ou nenhuma reposição natural, e cinco foram classificados como “extremamente” ou “altamente” estressados, o que varia de acordo com o tempo da reposição.
Os aquíferos mais sobrecarregados estão nas regiões mais secas do planeta, onde as populações usam intensamente águas subterrâneas. A equipe de pesquisa descobriu que o Sistema Aquífero Árabe, que atende 60 milhões de pessoas, é o mais superestressado do mundo. O segundo é a Bacia Aquífera Hindu, no Noroeste da Índia e no Paquistão, e o terceiro é a Bacia Murzuk-Djado, no Norte da África.
Você sabia que o maior aquífero do mundo fica no Brasil e abasteceria o planeta por 250 anos?
Imagine uma quantidade de água subterrânea capaz de abastecer todo o planeta por 250 anos. Essa reserva existe, está localizada na parte brasileira da Amazônia e é praticamente subutilizada.
Até dois anos atrás, o aquífero era conhecido como Alter do Chão. Em 2013, novos estudos feitos por pesquisadores da UFPA (Universidade Federal do Pará) apontaram para uma área maior e nova definição. “A gente avançou bastante e passamos a chamar de SAGA, o Sistema Aquífero Grande Amazônia. Fizemos um estudo e vimos que aquilo que era o Alter do Chão é muito maior do que sempre se considerou, e criamos um novo nome para que não ficasse essa confusão”, explicou o professor de Instituto de Geociência da UFPA, Francisco Matos.
Segundo a pesquisa, o aquífero possui reservas hídricas estimadas preliminarmente em 162.520 km³ – sendo a maior que se tem conhecimento no planeta. “Isso considerando a reserva até uma profundidade de 500 metros. O aquífero Guarani, que era ao maior, tem 39 mil km³ e já era considerado o maior do mundo”, explicou Matos.
O aquífero está posicionado nas bacias do Marajó (PA), Amazonas, Solimões (AM) e Acre – todas na região amazônica – chegando até a bacias sub-andinas. Para se ter ideia, a reserva de água equivale a mais de 150 quatrilhões de litros. “Daria para abastecer o planeta por pelo menos 250 anos”, estimou Matos.
O aquífero exemplifica a má distribuição do volume hídrico nacional com relação à concentração populacional. Na Amazônia, vive apenas 5% da população do país, mas é a região que concentra mais da metade de toda água doce existente no Brasil. Veja mais aqui!
Fonte: Agência Brasil/TV Jurerê