sábado, 21 de dezembro de 2013

Diversão sem pirataria

Com o sucesso de novos formatos de venda, os consumidores se acostumam a pagar por conteúdo digital

GRAZIELE OLIVEIRA



Kindle
 Share
NOVA GERAÇÃO Os irmãos Samir e Lívia Atum na frente de seus laptops. Eles gastam R$ 40 por mês em músicas (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Música (Foto: ÉPOCA)
Nos celulares dos irmãos Samir Atum, de 15 anos, e Lívia, de 13, é possível encontrar milhares de músicas – desde canções da banda indie Imagine Dragons a sinfonias de Mozart, passando por lendas do rock, como Black Sabbath, Guns N’Roses e AC/DC. Qualquer um conseguiria encontrar algo divertido nesse repertório, menos os defensores da pirataria. Não há um só arquivo ilegal nos iPhones e iPods da dupla. É tudo original, comprado de lojas oficiais de música na internet. Na década passada, quando a pirataria estava no auge e ameaçava acabar com a indústria fonográfica, era impossível imaginar que jovens como eles existiriam. Hoje, eles representam o futuro do consumo de conteúdo digital. A tendência vem se fortalecendo entre os consumidores de entretenimento e já é observada nos números mais recentes do setor. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), o faturamento das diversas modalidades de negócios digitais atingiu a marca de R$ 111,4 milhões em 2012. Ultrapassou as vendas de DVDs e Blu-rays musicais. O mercado de música digital chegou a 28,37% do mercado total de música noBrasil – em 2011, esse percentual era 16%.

Até 2008, a pirataria digital avançava a uma velocidade assustadora. Em 2002, 99% dos arquivos on-line eram ilegais, de acordo com a estimativa da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI). Em 2008, cerca de 40 bilhões de arquivos foram compartilhados ilegalmente – uma taxa de pirataria de 95%. O impacto da ação dos piratas foi tão forte que as vendas de CDs nos Estados Unidos desabaram.

Grandes lojas fecharam as portas. Em 2004, a britânica HMV saiu do país. Dois anos mais tarde, a Tower Records fechou todas as suas 89 lojas. Em 2009, a Virgin Megastore de Union Square, o maior armazém de discos de Nova York, com 5.000 metros quadrados dedicados à venda de artigos relacionados à música, encerrou suas atividades.

As vendas de CDs e DVDs continuam baixas, mas as grandes gravadoras finalmente conseguiram convencer o público a pagar por músicas no formato digital. Pela primeira vez nos últimos 13 anos, o faturamento da indústria fonográfica mundial cresceu entre 2011 e 2012. O crescimento se deve ao sucesso de lojas virtuais como o iTunes, que permite baixar faixas por US$ 0,99, e a serviços de streaming, que cobram uma mensalidade para que o usuário escute canções no computador ou no celular sem precisar fazer uma cópia. Boa parte desses sites oferece um período de degustação para quem está interessado em comprar uma assinatura. O preço e a praticidade são incentivos. “Baixar legalmente não é caro, é mais fácil e com boa qualidade”, diz Samir. Para as gravadoras e artistas, é uma boa fonte de renda. Em serviços de assinatura, 70% do faturamento vai para as gravadoras, segundo estimativas do mercado. Desse valor, elas repassam entre 30% e 50% para os artistas. Quanto mais sua canção é reproduzida, mais o artista ganha.
A música voltou a tocar (Foto: ÉPOCA)
“Há sete anos, a grande crítica era que a indústria fonográfica não sabia se adaptar ao mundo digital”, diz Claudio Vargas, vice-presidente no Brasil de digital e novos negócios da Sony Music. “Estamos trabalhando muito para entender, nos adaptar e conseguir oferecer modelos diferentes de serviços ao consumidor.” Segundo ele, o streaming é rentável para a indústria fonográfica de uma maneira diferente da habitual. Sai o modelo de receita garantida, proporcionada pela compra de meios físicos – os CDs e, depois, os DVDs – e entra o modelo de pagamento mensal de serviços on-line, capaz de oferecer um vasto catálogo de conteúdo. Todos, segundo ele, são sustentáveis do ponto de vista econômico. Os formatos digitais representam 40% dos negócios de venda de música da Sony no Brasil. Outras gravadoras também estão otimistas. “Acreditamos muito no Brasil no que se refere aos modelos de assinatura. Em quatro anos, esperamos que ele triplique. Isso colocará o Brasil entre os maiores mercados do mundo”, diz Danillo Ambrosano, diretor das áreas Digital, Novos Negócios e Licenciamentos da Universal Music Brasil.
JOGOS LEGAIS William Ribeiro, de 27 anos, só baixa jogos legalmente. “Piratear é perda  de tempo”, diz (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Games (Foto: ÉPOCA)
A indústria cinematográfica também demorou para se mexer diante da ameaça da pirataria. O surgimento de serviços como o Netflix convenceu o usuário a pagar por filmes em vez de pirateá-los. As emissoras de televisão e os estúdios de cinema oferecem seu conteúdo em sites de streaming e, em troca, recebem uma parte da renda obtida pela Netflix com vendas de assinaturas. “Essas indústrias perderam o primeiro trem da inovação, no início dos anos 2000. Agora, a opção que lhes sobrou foi exatamente essa: negociar com parceiros de download legal”, diz Ronaldo Lemos, pesquisador visitante do Media Lab (laboratório de mídia) do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Algumas emissoras, como a HBO, começam a lançar, com sucesso, seus próprios serviços de streaming. A Netflix passou a investir na produção de séries próprias, como o elogiado drama House of cards, com Kevin Spacey. Não faltam boas opções para quem está disposto a pagar por filmes e séries.
 Um império chamado Google 

O segmento que reagiu mais rapidamente ao ataque pirata foi o de videogames. Ele continua mantendo o lucro com várias plataformas de distribuição de jogos digitais. Somente no Brasil, as vendas de games on-line em 2012 foram de US$ 1 bilhão. Espera-se que cheguem a US$ 2,4 bilhões em 2015. Nos EUA, as receitas com games em formato digital dobraram em 2012 e chegaram a 40% do total do setor de jogos. Um dos segredos dos estúdios de games foi desenvolver ferramentas que identificam o jogador. Só é possível jogar on-line com um game original. “Relacionamos o jogador a uma conta oficial e o tiramos do anonimato. Se nos dermos conta de que ele usa um jogo pirata, poderá ser banido e perderá o acesso à rede daquele game”, diz Bertrand Chaverot, diretor da Ubisoft América Latina. Reduzir o preço dos jogos foi outra tática da indústria. Hoje, é possível encontrar jogos novos on-line a partir de R$ 59. Games antigos são ainda mais baratos.
O sucesso desses novos modelos de venda de conteúdo foi acelerado pelo cerco judicial à pirataria. Uma das maiores vitórias dos estúdios e gravadoras veio em 2011, quando um dos maiores sites de compartilhamento de arquivos do mundo, o Megaupload, foi tirado do ar. Com o fim do supersite de pirataria, um estudo da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, concluiu que o faturamento das vendas e aluguéis de vídeos pela internet de dois estúdios de cinema subiu de 6% a 10%. Com isso, o Megaupload juntou-se ao Naspter, outro gigante da pirataria que também fora alvo das gravadoras. O programa que popularizou a troca de arquivos pela rede protagonizou a primeira grande luta jurídica entre a indústria fonográfica e os piratas. Quase foi banido. Em 2002, foi comprado pela Roxio e tornou-se um site de downloads legais.
A indústria também apoia projetos de lei. O Stop Online Piracy Act (Sopa), de combate a pirataria, e o Protect IP Act (Pipa) para proteção da propriedade intelectual são os mais maduros. As propostas provocaram manifestações ou interrupções de serviços de sites importantes, como Google, Wikipédia e Craigslist, de classificados, no início de 2012. Desde então, estão paradas no Congresso americano. São propostas que dariam um impulso ainda maior ao download legal. Além do apoio a novas leis, houve ainda uma onda mundial de processos contra quem violasse regras de direitos autorais. Em agosto, uma brasileira residente na Alemanha recebeu uma notificação da Fox. Cobrava uma multa de R$ 3 mil por baixar ilegalmente o filme A árvore da vida. Há casos mais impressionantes. Em 2012, uma americana foi condenada a pagar US$ 220 mil por piratear 24 músicas.

Com o cerco aos piratas, adultos que viveram o auge da pirataria se uniram à geração de adolescentes como Samir e Lívia, que cresceram acostumados a pagar por músicas, filmes e games. O contador Willian Ribeiro, de 27 anos, é um deles. Ele usa plataformas de downloads pagos há um ano. Joga on-line no PlayStation e no Xbox e assina um serviço especial de TV a cabo que lhe permite alugar filmes para ver quando quiser. Para ter acesso ilimitado a tudo isso, gasta R$ 170 por mês. Por mais que possa se sentir tentado a baixar filmes e games ilegalmente, o tempo perdido para procurá-los e a exposição do computador a armadilhas cibernéticas, como vírus, fazem essa vontade passar rapidamente. “Quero ter a mesma sensação de conforto e qualidade de estar no cinema, sem perder tempo e nem ter dor de cabeça”, diz.
ASSIM FICA FÁCIL O  aposentado José Jorge Alves aderiu aos sites de streaming. Piratear era complicado (Foto: Rafael Motta/Nitro/Época)
Vídeos (Foto: ÉPOCA)
Os downloads legais também permitiram que músicas, filmes e games digitais atingissem um novo público: pessoas que não sabiam piratear e não tinham paciência para aprender. Nesse time está o aposentado José Jorge Alves, de 63 anos. “Piratear é uma mão de obra danada! É preciso se preocupar com uma série de coisas, como colocar legenda, procurar o arquivo seguro e, mesmo assim, a qualidade quase sempre é ruim”, diz. Para não ter esse trabalho, ele prefere assinar a Netflix e dividir sua conta com a família. “Minha mulher assistiu a uma série famosa antes mesmo de passar na TV aberta brasileira”, diz.

Quase 40 anos separam as gerações de Ribeiro e Alves, mas os dois apontam a economia de tempo como principal razão ao optar pelo download legal. Na vida moderna, não vale a pena gastar vários minutos na internet procurando o melhor conteúdo para piratear. Em poucos segundos, por meio dos serviços legais, é possível ter um universo inteiro de músicas, games, livros e filmes a seu dispor, sem ameaças de vírus. E tudo em versões on-line e off-line. “Quando a Netflix chega a um país, notamos que o tráfego em sites de pirataria diminui”, afirma Joris Evers, diretor de comunicação da Netflix.
 Luís Antônio Giron: O fim das locadoras

Nunca fomos tão ávidos por serviços sob demanda, totalmente modelados a nossos hábitos. Queremos todos os meios funcionando ao mesmo tempo. Queremos ouvir a mesma playlist no celular, no carro ou na TV, sem interrupção. “Oferecer um serviço simples, que permite compartilhar arquivos, quase como uma rede social, é o único jeito de concorrer com a pirataria”, diz Mathieu Le Roux, diretor-geral da Deezer na América Latina.
Até mesmo os piratas convictos começam a se mostrar dispostos a pagar por conteúdo e vêm aderindo ao download legal. Segundo uma pesquisa do Ofcom, órgão que regula o setor de comunicações no Reino Unido, os 20% que mais fazem downloads piratas são também os que mais gastam dinheiro com conteúdo digital: em média, R$ 522 por trimestre. Quem baixa arquivos ilegalmente de vez em quando gastou R$ 326 nesse mesmo período. E quem não faz downloads ilegais gasta menos com conteúdo: R$ 295 por trimestre. Números como esses já foram usados como argumentos por aqueles que defendem a pirataria como benéfica para a indústria – afinal, os piratas gastam mais do que os não piratas. Vince Gilligan, criador da sérieBreaking bad, admitiu que os downloads ilegais ajudaram a tornar a série mais conhecida. Mas ele reconhece que a emissora AMC, que produz a série, teria lucrado mais se todos pagassem para assistir ao programa. “Todos que trabalharam em Breaking bad, incluindo eu, teríamos ganhado mais dinheiro se esses downloads fossem legais”, disse Gilligan, em entrevista à BBC. “Todos precisamos comer. Todos precisamos ser pagos.” Ao reduzir a remuneração dos autores, a pirataria reduz o incentivo à criação e à inovação – e prejudica o próprio público. Menos séries como Breaking bad vêm à tona por causa dos piratas.

Mesmo em pequena escala, a pirataria pode ser prejudicial – não só para os grandes estúdios, mas também para os usuários. Mesmo se escapar dos processos judiciais e das multas, quem baixa músicas e filmes ilegalmente corre o risco de se tornar mais desonesto. “Quanto mais cometemos pequenos atos ilegais, maior a chance de repetirmos esse comportamento e de começar a ignorar as regras em outros aspectos da vida”, afirma o psicólogo Dan Ariely, professor da Universidade Duke. “É o que chamamos de efeito ‘que se dane’.” Além de ser mais práticas do que a pirataria, as alternativas legais para o consumo de músicas, games e filmes permitem que o cidadão fuja dessa armadilha moral. Não custa caro ser honesto.

Se, na década passada, as previsões para o futuro do conteúdo digital eram apocalípticas, hoje há motivos para otimismo. “Estamos mais perto de um mundo em que o conteúdo pode ser consumido de forma legal e barata”, disse a ÉPOCA o advogado Lawrence Lessig, professor de Direito da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. À medida que a indústria se ajusta aos desejos do consumidor e oferece novas opções para a venda de conteúdo, até os piratas mais convictos podem ser convertidos. O futuro pertence aos ex-piratas. A maturidade do conteúdo digital será marcada pelo equilíbrio entre o acesso à informação, o direito à propriedade intelectual e a inovação. 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O homem causou tudo isso?

O homem causou tudo isso?

A devastação provocada pelo Tufão Haiyan nas Filipinas revela a urgência no combate às mudanças climáticas 

MARCELO MOURA



Kindle
 Share

DEVASTAÇÃO Morador caminha sobre destroços em Tacloban.  O Haiyan  destruiu 90% da cidade, com ventos de mais de 300 km/h (Foto: Erik De Castro/Reuters)

"Saquear não é crime, é autopreservação.” A frase do prefeito de Tacloban, Tecson John Lim, dá a medida do horror que se instalou nas Filipinas após a passagem do Tufão Haiyan (ou Iolanda), no sábado, dia 9. O odor de cadáveres em decomposição dominava o ar do município de 200 mil habitantes, na costa do Sudeste Asiático, dias depois que ventos vindos do Oceano Pacífico, a mais de 300 quilômetros por hora, varreram 90% da cidade. As palavras de Lim expunham o desespero de moradores que saíram em busca de suprimentos básicos, como água e remédios, numa cidade onde muitos comerciantes e donos de casas invadidas morreram na tragédia. Inicialmente, as autoridades estimaram em 10 mil os mortosno país. Dias depois, o presidente Benigno Aquino reduziu a previsão para 2.500. Cerca de 620 mil pessoas ficaram desabrigadas. Longe dali, na conferência sobre o clima (COP-10) da Organização das Nações Unidas (ONU), em Varsóvia, na Polônia, já era apontado um culpado: o ser humano. Yeb Sano, negociador-chefe filipino, implorou por mais iniciativas dos países ricos contra as mudanças climáticas. “Falo pelas incontáveis pessoas que não poderão mais falar”, disse, em meio a lágrimas. “O que meu país enfrenta, como consequência desse evento climático extremo, é uma loucura. A crise no clima é uma loucura.”

É impossível afirmar, categoricamente, que a tragédia do Haiyan seja consequência direta das mudanças no clima da Terra. Os tufões formados no Pacífico são menos estudados que os furacões do Atlântico. As Filipinas investem pouco na compreensão de fenômenos naturais. O último voo de estudo de tufões naquela região foi promovido há três décadas, pelos Estados Unidos. Pesquisas realizadas em outras áreas do planeta permitem dizer que as temperaturas mais altas no planeta são, sim, capazes de agravar tragédias como a das Filipinas. Tufões, furacões e ciclones são tempestades formadas por áreas de baixa pressão atmosférica sobre regiões aquecidas dos oceanos. A frequência dessas tempestades não aumentou nas últimas décadas – de janeiro a setembro deste ano, foram 23 no nordeste do Pacífico. A fúria do fenômeno, sim, já que nas últimas décadas os oceanos se aqueceram. “Oceanos mais quentes dão mais energia a essas tempestades e as tornam mais intensas”, diz Colin Price, diretor do Departamento de Ciências Geofísicas, Atmosféricas e Planetárias da Universidade de Tel Aviv, em Israel.

O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) afirma que a alta do nível do mar, resultado do derretimento de calotas polares, aumenta as chances de inundações e fortes tempestades. Com mais água nos oceanos, um fenômeno como o Haiyan se torna mais destruidor para populações costeiras – grande parte da devastação em Tacloban foi causada pela água do mar, como um tsunami. “É prematuro dizer que o Haiyan tenha sido fruto da ação humana”, diz Thomas Knutson, pesquisador-chefe de impactos no clima da Agência Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa). “Mas nossos estudos sugerem que até o fim do século o aquecimento global deverá aumentar a incidência de furacões entre 2% e 11%.”
>> Após tufão, Filipinas vão precisar de US$ 300 mi em ajuda, diz ONU

O consultor Robert Bea, mestre em prevenção de desastres e professor emérito da Universidade Berkeley, alerta para o atual despreparo de muitas cidades costeiras. “Os pioneiros das Filipinas construíam em regiões ‘altas e fortes’ para evitar os efeitos dos tufões”, afirma Bea, sobre uma prática abandonada com o tempo. Os antigos filipinos sabiam que a fúria da natureza é incontrolável. Se ela tende a aumentar, como creem os cientistas, combater o aquecimento do planeta é imperativo. Ainda mais urgente é proteger as populações que vivem no caminho da destruição.
Como nascem os tufões (Foto: ÉPOCA e Jes Aznar/The New York Times)

 
Share

Kobe, a cidade mais limpa do Japão

Kobe, a cidade mais limpa do Japão

size_590_Kobe-590-wiki
As cidades japonesas sempre foram reconhecidas pela limpeza de suas ruas, parques, praças e monumentos.
Na última pesquisa realizada em 2011, pela consultoria americana Mercer, onde se traçou um perfil das grandes cidades na Europa, Ásia e America no Norte, quanto à qualidade de vida, a cidade de Kobe ficou em 9º lugar no ranking das cidades mais limpas do mundo, cabendo a cidade canadense de Calgary, o 1º lugar.
Localizada junto a um dos maiores portos comerciais do mundo, a cidade japonesa de Kobe é conhecida pela beleza de seu meio-ambiente e pela variedade de entretenimento na área urbana da cidade, cuja paisagem é realçada pelo Monte Rokko.
Quando o assunto é qualidade de vida, Kobe apresenta desempenho invejável, com elevadas taxas de expectativa de vida e alfabetização, quase 100%. Em termos de limpeza, a cidade se orgulha do seu sistema de drenagem de águas residuais, separadas de modo que as fortes chuvas não afetam o tratamento de resíduos.
Outro ponto a favor da atmosfera “clean” são os sistemas viários projetados para manter o tráfego em movimento constante, garantindo menor emissão de poluentes ocasionados por congestionamentos.
Nas pesquisas anteriores, o Japão sempre esteve em melhor posição no ranking das cidades mais limpas, inclusive contando com mais de uma cidade entre as 10 mais limpas.
Mas o fato é que outros países acordaram para o tema “Limpeza nas Cidades” e não mediram esforços para desenvolverem projetos para modernizar o sistema de coleta e reciclagem de lixo, contando com a contribuição de empresas e da população, agindo em conjunto para melhorar a imagem das cidades.
O fato de Kobe ser eleita a cidade mais limpa do Japão, foi um reconhecimentos a todo esforço que foi feito durante quase duas décadas. Em janeiro de 1995, a cidade foi atingida por um grande terremoto que vitimou milhares de pessoas e praticamente destruiu toda a cidade. Edifícios comerciais, pontes, viadutos, estradas, casas, escolas, indústrias, enfim, tudo destruído.
Kobe-Japan
Após a catástrofe, governo, empresariado e população se uniram e fizeram uma promessa de reconstruir a cidade, tornando-a mais moderna, tecnológica e sustentável.
Todos os esforços forma feitos para atingir o objetivo no menor tempo possível, e em menos de 10 anos a cidade estava totalmente reconstruída e o próximo passo seria atingir a melhoria da qualidade de vida da população, tornando-se, uma das melhores cidades japonesas para se viver. E o reconhecimento veio em 2011, com a conquista do título de cidade mais limpa do Japão.
Agora o esforço é para melhorar essa posição no futuro, buscando a 1ª posição, e o trabalho já esta em andamento. Técnicos da prefeitura estão fazendo um levantamento dos pontos fracos que a consultoria Mercer citou no relatório das cidades, procurando melhorar a situação. Um dos problemas fica no entorno do Porto de Kobe, que é um dos mais movimentados do mundo. Diariamente, caminhões, tratores e milhares de pessoas de diversas nacionalidades circulam pelo local. O principal desafio é conscientizar cidadãos estrangeiros que nem sempre contaram com uma educação ambiental nos seus países de origem, a manter o local limpo.

A Revolução das Cidades - Hidroanel de São Paulo

A Revolução das Cidades - Hidroanel de São Paulo

Elas guardam os grandes problemas da nossa época. Mas também apresentam as soluções. Descubra os projetos que estão construindo as metrópoles do futuro

por Luiz Romero
Vivemos no século em que as cidades venceram. Pela primeira vez na história, existe mais gente vivendo entre prédios e avenidas do que entre pastos e animais. Em 2008, os moradores de metrópoles viraram mais da metade da população do planeta. E, em 2011, cidades americanas cresceram mais do que os subúrbios pela primeira vez desde 1920. O fato é que centros urbanos tendem a ser mais "verdes" que subúrbios. A ilha de Manhattan, com todos aqueles prédios, é considerada um dos lugares mais verdes dos EUA: lá, só 25% das famílias têm carro, por exemplo, contra 92% no resto do país. Sim, as cidades venceram e podem ser mais ecologicamente corretas do que o senso comum imagina. Mas, claro: ainda existe muito o que corrigir. Os problemas você conhece: trânsito, sujeira, poluição... Mas as metrópoles também contêm as soluções para estas questões. É o que vamos ver nas próximas páginas.
Hidroanel de São Paulo
Os rios da maior cidade do Brasil são mais do que um esgoto: podem revolucionar o trânsito, a coleta de lixo e a qualidade de vida da metrópole

Trânsito e lixo. Esses dois agentes são a dor de cabeça de qualquer cidade grande desde o Império Romano. Em São Paulo, então, a dor é muito mais aguda. Considerando que a frota de carros na capital só cresce (foram de 1 milhão para 7 milhões dos anos 70 para cá) e que a velocidade média dos veículos no trânsito só cai (indo de 27 km/h para 17 km/h nesse meio tempo), o problema parece sem solução. Mas só parece. Um grupo de pesquisadores da USP tem um projeto para colocar ordem neste caos. E a resposta vem do lugar mais improvável: os rios da cidade.

O Hidroanel Metropolitano pretende resolver São Paulo em dois momentos. O primeiro envolve a construção de uma série de portos na borda dos rios e das represas que circundam a cidade. Eles serviriam para receber a quantidade enorme de sujeira produzida pela metrópole. Desde os saquinhos que os moradores colocam na porta de casa até a terra e o entulho de construções e demolições. Passando por outros dejetos, como a sujeira retirada dos córregos e das estações de tratamento.

Estas cargas seriam levadas para os portos de caminhão mesmo. Mas existe uma diferença importante. Com a construção dos portos para recebimento do lixo, as distâncias percorridas pelos veículos de carga seriam encurtadas de 30 km para apenas 8 km em média. Sem precisar atravessar a cidade, eles desafogariam o trânsito. Os barcos que esperam a sujeira atracados nos portos serviriam para percorrer o resto do caminho. Enquanto cada caminhão transporta apenas oito toneladas, um barco consegue movimentar 400 toneladas.

Mas para onde estes barcos iriam? Este é o segundo passo. O Hidroanel Metropolitano prevê um enorme círculo de água em volta da cidade. Ele contaria com os dois rios e as duas represas que cortam a borda de São Paulo, mais um canal artificial ligando as pontas soltas. Além dos portos, existiriam três centros de processamento de lixo prontos para receber 800 toneladas de lixo por hora. E todas aquelas cargas públicas - que saíram das ruas, percorreram os rios e chegaram aos centros - seriam recicladas, transformadas em matéria-prima novamente.

"O Hidroanel constitui uma infraestrutura de saneamento, mobilidade e transporte, que tem como espinha dorsal o canal navegável. Ele serve também como um arco irradiador de desenvolvimento", resume Alexandre Delijaicov, professor da USP e um dos responsáveis pelo projeto. Contando com a iniciativa dos governos que se sucedem na capital, ele poderia ficar pronto até 2045. E, mesmo grandioso, começa a virar realidade: já está planejada uma construção no rio Tietê que aumentaria em 14 quilômetros o trecho em que ele pode ser navegado, possibilitando que os barcos trafeguem por um trecho maior e iniciando a construção do círculo de águas. Nada mal para uma cidade que há décadas só vê seus rios como esgotos a céu aberto.
REFORMA HIDROGRÁFICA
Conheça uma São Paulo possível: com avenidas fluviais, reciclagem em massa e mais áreas verdes.

1. Das ruas aos rios
Com o Hidroanel, toda a sujeira produzida por São Paulo - como a terra e o entulho das construções e o lixo das casas - teriam um novo destino: portos fluviais. Como existiriam mais portos do que lixões, o trânsito ficaria aliviado dos caminhões que transportam a sujeira. Dos portos, eles seriam carregados nestes barcos de carga.

2. Caminhos equilibrados
Os barcos viajariam por um círculo de águas - composto pelos rios Tietê e Pinheiros, pelas represas Billings e Taiaçupeba e por um canal artificial criado para completar o Hidroanel. A conexão entre todos eles, além do transporte de cargas, possibilitaria o equilíbrio das águas. Ou seja, quando um dos rios enchesse, o excesso de águas poderia ser direcionado para outros trechos do sistema. Resultado: menos enchentes.

3. Centros de transformação
Todos os materiais recebidos nos portos e carregados nos barcos seguiriam até centros gigantescos de processamento. Seriam apenas três espalhados pelas margens dos rios, suficientes para reciclar 800 toneladas de cargas por hora. Ali cacos de vidro voltam a ser garrafas de vidro, latinhas amassadas viram lingotes de alumínio...

4. Renovação de bairros
Mas o Hidroanel vai além do lixo, das enchentes e do trânsito. Ele ajuda no desenvolvimento das regiões que ficam nas bordas dos rios. Hoje, muitas delas, como o bairro paulistano do Jardim Pantanal, estão destruídas. Estes bairros renasceriam com o movimento gerado pelos rios. E contariam com áreas verdes, ciclovias, bondes - além de prédios que juntam moradia e trabalho, evitando longas viagens pela cidade.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Vulcão de Yellowstone pode ser ainda maior do que se pensava

  • Estudo de cientistas americanos mostra que câmara magmática pode ser até 2,5 maior do que estimativas anteriores



Yellowstone. O parque nacional visto do céu
Foto: Terceiro / Yann Arthus-Bertrand / Divulgação

Yellowstone. O parque nacional visto do céu Terceiro / Yann Arthus-Bertrand / Divulgação
WASHINGTON - O super-vulcão que se encontra debaixo do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, é ainda maior do que se pensava anteriormente, afirmam cientistas. Um estudo apresentado durante o encontro da American Geophysical Union Fall Meeting, em San Francisco, acaba de mostrar que a câmara magmática do vulcão, que tem capacidade de destruir todo o território norte-americano caso entre em erupção, é cerca de 2,5 maior do que as estimativas sugeridas anteriormente. A equipe descobriu que a caverna se estende por mais de 90 quilômetros e contém 200-600 quilômetros cúbicos de rocha derretida.

— Nós registramos tremores de terra e em torno de Yellowstone, e medimos as ondas sísmicas à medida que elas se deslocam através do solo — detalhou o Dr. Jamie Farrell, da Universidade de Utah, à rede BBC.A descoberta surpreendeu os próprios cientistas. A equipe usou uma rede de sismógrafos que estavam situadas em torno do parque para mapear a câmara de magma.
Como as ondas circulam mais lentamente através do material quente e parcialmente fundido, a equipe conseguiu medir o que está por baixo. O grande reservatório subterrâneo de magma que abastece o vulcão se revelou gigantesca, alcançando profundidades entre 2 km e 15 km (1-9 milhas), a caverna era cerca de 90 km (55 milhas) de comprimento e 30 km (20 milhas) de largura. Trata-se, segundo os cientistas, do maior vulcão já mapeado.
A descoberta deve aumentar ainda mais as preocupações em torno do vulcão, cuja última grande erupção aconteceu há cerca de 640 mil anos. Os cientistas acreditam que o super-vulcão poderia sair uma vez a cada 700 mil anos.
No entanto, um dos pesquisadores do estudo, o professor Bob Smith, admite que é preciso mais dados para que um padrão seja confirmado.
— Sim, é um sistema muito maior ... mas eu não acho que isso faz com que o risco de Yellowstone maior — disse ele, referindo-se à última pesquisa.

   http://oglobo.globo.com/ciencia/revista-amanha/vulcao-de-yellowstone-pode-ser-ainda-maior-do-que-se-pensava-11037226#ixzz2ndu2fNr7 

Cristo Redentor - Descubra o que forma a famosa estátua do Rio de Janeiro


Cristo Redentor - Descubra o que forma a famosa estátua do Rio de Janeiro

Mais de mil toneladas de concreto (3,8 toneladas na cabeça, 8 em cada mão), algumas disputas e um milagre formam o Cristo Redentor, nossa maravilha carioca

por André Bernardo
Outra obra
O padre francês Pierre Boss foi o primeiro a vislumbrar, no século 19, um monumento a Cristo no Corcovado (ainda chamado de Pináculo da Tentação). Mas só em 1921, como comemoração dos 100 anos de independência, foi aberto um concurso para escolher um projeto. Segundo o desenho original, Jesus seguraria um globo terrestre e uma cruz nas mãos.

A religião
A cessão do terreno do Corcovado para o Cristo irritou a Igreja Batista. Mas o presidente Epitácio Pessoa autorizou a obra usando um argumento curioso: a Igreja Católica levou porque pediu primeiro. Pessoa não foi o único a se render à causa: o mestre de obras Heitor Levy era judeu quando começou o trabalho. Ao final da obra, se converteu ao cristianismo.

Melhor que a Liberdade
O Cristo levou 5 anos para ser erguido, metade do tempo da Estátua da Liberdade. Também foi mais barato: custou 2 500 contos de réis (R$ 9,5 milhões) enquanto a Estátua da Liberdade custou 60 mil. E, embora seja um projeto perigoso - a 710 metros do chão - não houve acidentes graves entre os mil trabalhadores. Um milagre do Cristo.

Recadinhos
A coroa de espinhos na cabeça é, na verdade, um para-raios: o Cristo já perdeu sobrancelha, lábio inferior e um dedo para os raios. A estátua tem dois corações: um externo e um interno, onde está o nome da família de Levy. Há nomes também atrás dos pedaços de pedra-sabão que a forram. São amigos e familiares das mulheres que fizeram o revestimento.

Nos tribunais
Não brinque com o Cristo: quando, em 2009, cartazes do filme 2012 mostraram a estátua sendo destruída, a Arquidiocese do Rio não ficou feliz. Notificou judicialmente a Columbia Pictures, que se retratou e tirou a montagem. É nos tribunais também que corre outro processo: até hoje, os herdeiros de Heitor Costa, o arquiteto, e de Paul Landowski, o escultor, brigam para saber quem é o "pai" do Cristo.

Fontes: Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro; Corcovado - A Conquista da Montanha de Deus, de Jorge Scévola de Semenovitch; Cristo Redentor do Corcovado, de Monsenhor Maurílio Cesar de Lima; De Braços Abertos, de Bel Noronha

Capacete feito de jornal facilita vida de ciclistas e preserva o ambiente

Capacete feito de jornal facilita vida de ciclistas e preserva o ambiente


À primeira vista esse capacete não demonstra grande atrativo, ao menos estético, para o consumidor. Mas devemos lembrar também que equipamentos de segurança não são considerados referência no mundo da moda, e esse capacete não é exceção. No entanto, com ele você poderá contribuir com uma causa nobre: a diminuição dos impactos do consumo sobre o meio ambiente. Isso porque o produto é fabricado a partir de jornais reciclados, forma bacana de reaproveitar o papel dando continuidade ao ciclo de vida do material.
O conceito do Paper Pulp Helmet (ou Capacete de Polpa de Jornal, tradução livre) foi criado por um grupo de artistas com a intenção de garantir segurança e comodidade aos ciclistas de um programa de compartilhamento de bicicletas em Londres, semelhante ao Bike Sampa ou Bike Rio.
Os criadores dos capacetes: Tom Gottelier, Bobby Petersen e Ed Thomas, todos graduados no Royal College of Art de Londres, acreditam que os equipamentos são realmente úteis para segurança, além de poderem ser vendidos por apenas £1 (R$ 3,40) em lojas ou máquinas automáticas próximas às estações das bicicletas, tornando assim mais prático o uso do serviço.
Além do valor de venda acessível, por ser fabricado a partir da polpa extraída de jornais abandonados em estações de metrô e ônibus , o equipamento contribui de forma importante para a preservação do meio ambiente. Após transformar o jornal em matéria prima, esta é moldada em uma cesta de frutas cujo formato se assemelha ao dos capacetes tradicionais de bicicletas. Após secagem, uma cinta é encaixada de maneira que o ciclista possa prender fixar o capacete no queixo, garantindo-lhe maior segurança. Pronto! Simples assim.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Mudanças climáticas estão em ritmo acelerado na região árabe, aponta estudo de agência da ONU

Mudanças climáticas estão em ritmo acelerado na região árabe, aponta estudo de agência da ONU


Depois de uma chuva, em março, um pequeno lago sobe perto das dunas de Erg Chebbi (ou Dunas de Merzouga) no Saara, Marrocos. Crefit: Alex Lichtenberger/Flickr.com via UNEP.org
Depois de uma chuva, em março, um pequeno lago sobe perto das dunas de Erg Chebbi (ou Dunas de Merzouga) no Saara, Marrocos. Crefit: Alex Lichtenberger/Flickr.com via UNEP.org
As mudanças climáticas parecem estar acontecendo mais rapidamente na região árabe, aponta um novo estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicado na última terça-feira (10). O documento afirma que o ritmo de desenvolvimento econômico e social acelerado tem ajudado a agravar esse quadro.
A pesquisa “A Região Árabe: Atlas das Nossas Mudanças Climáticas” analisa alterações ambientais que ocorreram em mais de 80 locais da região usando uma combinação de fotografias, imagens atuais e antigas de satélite e conhecimento científico.
Através desse material é possível fazer uma comparação entre a geografia antiga e atual e mostrar os efeitos das ações do ser humano nos países estudados.
Os resultados mostram claramente que o ritmo de crescimento da região causou mudanças no uso da terra, no desenvolvimento urbano, a degradação de áreas marinhas e costeiras, encolhimento dos corpos d’água, perda de habitat e alterações climáticas.
Os maiores problemas da região se concentram nos recursos limitados de água doce, rápida urbanização, esgotamento dos recursos naturais, vulnerabilidade de muitos assentamentos, desertificação e degradação do solo, poluição, perda de biodiversidade e desmatamento.
Apesar dos desafios apresentados, o atlas aponta respostas inovadoras que estão sendo implementadas na região, como as plantações no deserto fronteiriço entre o Kuwait e o Iraque para conservar os recursos hídricos, a aquicultura da tilápia no rio Nilo para complementar a indústria da pesca e a agricultura na Síria para controlar a seca, melhorar a eficiência da produção e atender à crescente demanda por alimentos.
O estudo pretende ajudar na formulação de políticas para um futuro mais sustentável, mirando os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e a agenda de desenvolvimento pós-2015.
Ele faz parte da edição mais recente de uma série de atlas coordenados pelo PNUMA, que começou em 2005 com o lançamento do atlas “Um Planeta, Muitas Pessoas”. O estudo foi feito em parceria com a Iniciativa de Abu Dabi para o recolhimento de Dados sobre o Meio Ambiente Global e apoiado pela Agência de Meio Ambiente de Abu Dabi.

Pais envelhecem

Pais envelhecem

Quando o jovem estiver velho, e a memória enxovalhada, a lembrança do amor dará sentido a qualquer história

ISABEL CLEMENTE


A menina ainda está assustada, coração acelerado dentro do peito, o medo premindo os lábios. Quer chorar, mas o pai está brigando com o cavalo.
“Seu pangaré!! É minha filha que está aí em cima. Cavalo besta!“.
A menina agora quer rir mas não pode. O pai quando briga, briga mesmo. Está bravo ele. Com o cavalo, não com ela. Bravo como ficaria com uma grande e grave desobediência. Papai não tem muita paciência, ainda mais com um animal que sai disparado com a criança em cima gritando. Não fizera por mal, o bicho. Queria retomar o caminho para o ponto onde se reuniria aos demais cavalos e charretes do lago.   
“Eu não quero mais, pai."
“Vamos completar a volta. Eu estou segurando."
“Quero descer.“
“Fica aí. Confia em mim! Segura firme na rédea. Não solta“.  
Com passos firmes, o pai fala dos tempos em que serviu à cavalaria do Exército. Cavalgava animais muito maiores, treinados e bonitos. Aqueles sim eram de raça. Tinha até Puro Sangue. Um pangaré não iria fazer ele de bobo. Nunca mais. Não se preocupe. Um cavalo tem várias marchas, como um carro. São diferentes formas de andar. Antes de cavalgar, trotam. Sabe o que é trote, filha? Não é muito confortável. A gente sacode muito em cima do animal. Eu sacudi agora! Viu? Você trotou com o cavalo. Mas é só acelerar para ficar mais gostoso. O pai sabe tudo. Palavras difíceis, informações curiosas. Tem uma memória danada. E quer que a menina busque informação, consulte o dicionário. Fala palavras desconhecidas só para provocar. Papai sempre foi um provocador.  
De volta ao ponto de partida, o pai pega a menina no colo, com seus braços fortes, talhados na mania de carregar coisas. O pai faz serviços variados com o serrote e outras ferramentas no quintal, como podar árvores. Sobe também no sótão. Desce no porão. Um dia, o pai levou a menina ao sótão e ao porão. Ela ficou encantada, mas teve medo. Vai que tem morcego. Vai que tem barata. Confia em mim, dizia o pai. E lá ia a menina com medo confiar. Às vezes, ela hesitava muito e frustrava o pai. E se conseguisse se superar em algum obstáculo, o pai ria satisfeito e os olhos verdes ficavam bem apertados. Ganhavam um rabicho cheio de dobras no canto do rosto, como a cauda de uma estrela cadente, pensava. Soube depois, eram pés de galinha.
De um impulso, o pai desceu a filha da cela do cavalo. Ela pisou no chão com o alívio que só a terra firme oferece a quem acabou de cavalgar a contragosto. O cheiro do estrume lhe dava náuseas. Sempre ficava apreensiva com tantos cavalos ao redor, mas o pai foi logo brigando. Toma esse pangaré. Pangaré, ela achava, era uma ofensa para o bicho. Não fala assim não, pai, ela tinha vontade de falar, mas não dizia. E o dono do animal, que fazia jeito de quem não tinha gostado, amarrava a cara.
“Vamos pai, vamos!“ 
À medida que caminhavam para longe dos animais, o medo ia passando, dando lugar à euforia da grande experiência vivida.
“Eu puxava a rédea, e ele não me obedecia!“
“Eu vi.“
“Eu tentei frear, mas o cavalo disparou!“
“E eu atrás!“ 
“Você correu muito também!“, ela diz, com vontade de rir. “Você correu muito! Pegou o cavalo!“
Tinham uma grande história para contar em casa, quando chegassem. Ela teria uma grande história para lembrar mais de 30 anos depois, quando os músculos do pai não estivessem mais lá, nem os passos firmes. Quando o menor dos obstáculos fosse um inimigo à espreita. Quando a memória falhasse. Se pudesse, a filha correria atrás dela, a memória-pangaré, e alcançaria em nome do pai o cavalo em disparada. Quando as palavras, antes fartas, escapulissem na hora exata em que o pai precisasse delas. Reverenciadas no dicionário, estavam se escondendo por aí, ingratas, deixando frases incompletas. Menos uma, eterna em significado. Eu te amo.