Em 1990, eram 1 bilhão de famintos; "avanço é louvável, mas frágil", afirma diplomata atuante na ONU
IGOR UTSUMI, COM ALINE RIBEIRO
30/05/2015
Uma em cada nove pessoas passa fome no mundo. O número assusta, mas é motivo de celebração para a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Isso porque a situação já foi muito pior, segundo o relatório 2015 da entidade.
Atualmente cerca de 795 milhões de pessoas são consideradas subnutridas pela ONU, mas esse número chegava a um bilhão em 1990. O avanço é mais significativo se for considerado que a população cresceu desde então. Hoje, 12,9% de pessoas no planeta ingerem menos calorias do que o recomendado pelas Nações Unidas. Essa parcela era de 23,3% há 25 anos.
Para a ONU, a melhoria foi global, embora algumas regiões tenham avançado pouco. É o caso da África Subsaariana e do Sudeste Asiático, palcos de conflitos civis e guerras. Já o Brasil foi um dos destaques:conseguiu erradicar a fome, sendo considerado um país com um número "estatisticamente insignificante" de subnutridos.
Para Carlos Lopes, secretário geral adjunto da ONU, o sucesso brasileiro pode ser associado ao esforço em cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). "Houve um esforço no Brasil de levar os objetivos a sério, não só pelo governo, mas também pelo setor privado e pela sociedade civil", afirma o diplomata.
Os ODM foram criados em 2000, quando o Brasil e outros 188 países se comprometeram a cumprir, até 2015, um pacote de metas estipulado pela ONU. Entre elas, diminuir a miséria no mundo pela metade, reduzir a mortalidade materna, universalizar a educação. E erradicar a fome, objetivo alcançado pelos brasileiros antes do prazo final.
Mas Lopes alerta: não há tempo para se desperdiçar comemorando. “O mundo nunca teve tanto para celebrar em termos de progresso social como hoje”, afirma Lopes. "Mas a crise financeira de 2009 destruiu uma boa parte das conquistas, mostrando que os avanços são louváveis, mas frágeis." Períodos com atividade econômica fraca e baixa criação de empregos tendem a ser ruins para todos, mas afetam de forma especialmente dura as famílias recém-saídas da pobreza. Elas podem voltar à situação precária anterior. O diplomata menciona também, como exemplo do desenvolvimento meio manco do início do século XXI, a perda de biodiversidade ocorrida nos últimos 15 anos.
Alguns especialistas criticam o fato dos objetivos serem tratados de forma isolada, reduzidos a metas. “Não adianta falar só em transferência de renda”, diz Iara Pietricovsky, representante do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). “É necessário discutir de forma conjunta o acesso à educação, as desigualdades existentes, como as áreas urbanas que estão sendo aproveitadas”.
Segundo Alessandra Nilo, diretora da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), tratar os avanços de forma isolada não resolverá os problemas. "Se não tivéssemos os Objetivos do Milênio, não teríamos reduzido tanto a fome e miséria", afirma. "Mas as metas precisam dialogar entre si, ou esse progresso nunca será suficiente".
FONTE REVISTA ÉPOCA ON LINE