A modalidade de licitação denominada pregão, que trouxe uma nova dinâmica para as licitações no Brasil, e teve sua origem na Lei 9.472/97 — que a criou para uso da Agência Nacional de Telecomunicações —, é atualmente regida pela Lei 10.520/02, que já completou dez anos, mas ainda enseja dúvidas àqueles que a aplicam.
Uma das grandes celeumas em relação ao pregão é seu cabimento para obras e serviços de engenharia, dada a diferença de tratamento dispensado ao tema pelos Decretos Federais 3.555/2000 e 5.450/2005 e pela Lei 10.520/2002.
O Decreto 3.555, que regulamenta o pregão no âmbito da União, foi editado sob a disciplina da Medida Provisória 2.026-3, que criava a nova modalidade de licitação para a aquisição de bens e contratação de serviços de natureza comum apenas em âmbito federal. Naquela ocasião, houve expressa vedação à utilização do pregão para as contratações de obras e serviços de engenharia, nos termos do artigo 5º do referido Decreto.
Quando da edição da Lei 10.520/02, que criou o pregão como modalidade licitatória a ser utilizada por todos os entes federados, a vedação não foi reproduzida, passando alguns a concluir pela possibilidade de utilizar o pregão para selecionar propostas tendentes à execução de serviços de engenharia que pudessem ser enquadrados como de natureza comum. Esse foi o posicionamento adotado pelo Tribunal de Contas da União ao entender que “a lei que disciplina a modalidade pregão não proíbe aplicá-la a serviços comuns de engenharia. E não é porque não seja expressa em aceitar o pregão nesse propósito que se deva entendê-la como proibitiva” (Acórdão 2079/2007 – Plenário).
Tempos depois, a União editou o Decreto 5.450/2005 que regulamenta o pregão na forma eletrônica e proibiu, expressamente, a adoção da modalidade pregão para a contratação de obras de engenharia, bem como para locações imobiliárias e alienações em geral, silenciando sobre os serviços de engenharia.
A discussão foi, então, retomada. Os defensores da aplicação do pregão para serviços de engenharia passaram a valer-se do silêncio do texto legal para afirmar seu cabimento. Ressalte-se que contavam com a interpretação ampliativa do conceito de serviços de natureza comum adotada pelo Tribunal de Contas da União, conforme se depreende do Acórdão 555/2008 - Plenário. De outro lado, contudo, estavam os refratários à adoção do pregão para serviços de engenharia, por entender que a especificidade deles não permitia seu enquadramento no conceito de “comum”, independente de o texto normativo não ter vedado sua utilização.
Pois bem, diante de toda essa balbúrdia legislativa e considerando que a expressão “serviços de natureza comum” está compreendida no elenco dos conceitos jurídicos indeterminados, passaram a serem proferidas tanto decisões que aprovavam a utilização do pregão para licitar serviços de engenharia como que reprovavam a mesma conduta.
Recentemente, mais um elemento foi adicionado a este cenário. O Plenário do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) aprovou, em 03 de dezembro de 2012, a Decisão PL-2467/2012, por meio da qual definiu que os serviços de engenharia que exijam habilitação legal para sua elaboração ou execução, com a obrigatoriedade de participação de um engenheiro e emissão da devida anotação de responsabilidade técnica — ART perante o Crea não podem ser classificados como comuns e, portanto, não podem ser licitados por pregão.
Para o Confea, os serviços de engenharia que demandam a execução ou supervisão por profissional legalmente habilitado não podem ser enquadrados no gênero “comum” porque são de natureza intelectual, científica e técnica, fatores que resultam em ampla complexidade executiva. Assim, para a seleção da proposta mais vantajosa para a execução desses serviços de engenharia, a Administração terá que valer-se de uma das modalidades licitatórias previstas na Lei 8.666/93.
Importante ressaltar que, o Confea não vedou, nem poderia fazê-lo por faltar-lhe competência para tanto, a adoção da modalidade pregão para serviços de engenharia, mas, apenas, definiu o que deve ser entendido por serviço de engenharia de natureza comum e de natureza não comum. De acordo com o critério adotado pela Decisão PL-2467/2012, todo serviço de engenharia que exigir a participação de um engenheiro legalmente habilitado não poderá ser enquadrado como de natureza comum, ficando afastada a utilização do pregão, conforme disciplina da Lei 10.520/02, especialmente da norma contida em seu artigo 1º, parágrafo único.
Aguardaremos as decisões vindouras para ver se os órgãos de controle e o Poder Judiciário considerarão essa decisão do Confea e como hão de interpretá-la.
A nosso ver, a decisão do Confea não só é acertada como é bastante útil para a Administração Pública. Ao eleger um critério objetivo para classificar os serviços de engenharia em comuns e não-comuns, qual seja, a participação de um engenheiro legalmente habilitado, o Confea ajuda a delimitar o conceito de serviços de natureza comum e com isso, diminui a zona de incerteza do conceito, tornando mais fácil sua aplicação.
Ademais, diversamente do entendimento do Tribunal de Contas da União, nos parece que, sempre que houver dúvida quanto à classificação de determinado serviço como comum ou não, para fins de adoção da modalidade de licitação pregão, a Administração deverá escolher uma daquelas modalidades prescritas pela Lei 8.666/93 — convite, tomada de preços ou concorrência —, já que o pregão foi criado para objetos com características padronizadas, disponíveis no mercado e por essa razão deve ser utilizado apenas nessas hipóteses.
É regra básica da hermenêutica que as normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente e, no campo das modalidades de licitação, certamente o pregão apresenta-se como modalidade exceção, cabível somente para a aquisição ou contratação de bens de natureza comum, enquanto as modalidades previstas na Lei 8.666/93, ao menos aquelas que denominamos de ordinárias (convite, tomada de preços ou concorrência), têm um amplíssimo espectro de aplicação.