São Paulo – Uma criança que nasceu no Brasil no ano passado deve viver, em média, até os 74 anos, 10 meses e 24 dias, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta segunda-feira. O valor é 3 meses e 25 dias maior do que a expectativa de vida registrada em 2012.
Em cinco estados brasileiros, a esperança de vida ao nascer para mulheres ultrapassa os 80 anos. São eles Santa Catarina, Espírito Santo, Distrito Federal, São Paulo e Rio Grande do Sul.
No ano passado, o estado de Santa Catarina apresentou a maior expectativa de vida do país. Em média, homens e mulheres nascidos em 2013 podem viver até os 78,1 anos no estado.
Por outro lado, o Rio Grande do Norte é o estado em que a esperança de vida mais cresceu entre 1980 e 2013. Uma pessoa que nasceu no estado na década de 80 podia viver, em média, até os 58,2 anos. No ano passado, o número saltou para 75 anos.
No Brasil, o incremento foi de 12,4 anos nos últimos 33 anos. Em 1980, a esperança de vida ao nascer no país era de 62,5 anos. Hoje é de 74,9 anos.
A diferença entre a expectativa de vida de homens e mulheres também se agravou nas últimas três décadas. Em 1980, as mulheres viviam cerca de 6 anos a mais dos que os homens. No ano passado, a diferença era de 7,3 anos.
O setor de navegação vai pela primeira vez monitorar suas emissões de carbono, sob novo acordo aprovado esta semana pela União Europeia, destinado a controlar uma fonte crescente de poluentes ligados à mudança do clima.
A Comissão Permanente de Representantes do Conselho Europeu confirmou ontem a aprovação pelo Parlamento Europeu.
A navegação internacional responde por cerca de 3% das emissões globais de CO2, percentual que poderá crescer para 18% até 2050 se não houver regulação, de acordo com a Organização Marítima Internacional.
Segundo Gian Luca Galletti, ministro do ambiente italiano, e atual presidente da União, o acordo tem “um grande valor político e técnico”. Ele introduz um mecanismo para monitoração, laudos e checagens de emissões, depois de novas decisões tomadas em outubro pela entidade para combater a mudança do clima, e como precursor dos esforços da ONU para o estabelecimento de um pacto global ao final de 2015.
Falando sob anonimato, diplomatas afirmaram que quatro nações – Grécia, Chipre, Malta e Polônia – votaram contra o acordo, mas que isto não foi suficiente para derrubá-lo.
As novas regulações irão melhorar a qualidade das informações sobre consumo de combustíveis e eficiência energética dos navios, o que torna possível analisar as tendências de emissões e avaliar o desempenho deste meio de transporte, diz aRT News.
28/11/2014 09:53:14 Aquecimento global pode subir de 1,5°C para 4°C até 2100, alerta relatório do Banco Mundial
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A publicação mostra como a elevação das temperaturas globais está afetando cada vez mais a saúde e os meios de subsistência das populações mais vulneráveis
Poluição do ar causada por usina a carvão em Kosovo. Foto: Banco Mundial/L. Aliu
A publicação mostra como a elevação das temperaturas globais está afetando cada vez mais a saúde e os meios de subsistência das populações mais vulneráveis, ampliando de maneira drástica os problemas que cada região vem enfrentando atualmente.
A zona costeira da América Latina e o Caribe, o Oriente Médio e o Norte da África e algumas partes da Europa e da Ásia Central são as regiões destacadas no relatório a estarem expostas ao mesmo risco: o calor extremo.
Segundo a publicação, em áreas centrais de produção agrícola, à medida que a produtividade agrícola diminui devido à seca, os recursos hídricos se alteram e os meios de subsistência de milhões de pessoas são postos em risco.
Já em áreas costeiras, o derretimento das geleiras pode subir o nível do mar desde o período pré-industrial para mais de 30 cm até 2100 e causar fortes inundações em cidades e comunidades. Além disso, se este “novo padrão climático” persistir, podem surgir alterações irreversíveis e em grande escala.
“Este relatório confirma o que os cientistas já vinham dizendo, que as emissões do passado estabeleceram uma trajetória inevitável rumo ao aquecimento nas próximas duas décadas, o que afetará mais seriamente os mais pobres e os mais vulneráveis do mundo”, afirmou o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, acrescentando que desde os tempos pré-industriais até agora o aquecimento mundial já é 0,8°C mais alto.
“A boa notícia é que podemos tomar medidas para reduzir o ritmo da mudança climática e promover o crescimento econômico, medidas essas que acabarão por interromper essa perigosa trajetória que estamos seguindo”, ressaltou.
Ao estilo francês, “o Rio civiliza-se”Por: Vivi Fernandes de Lima
Publicada em 27 de novembro de 2014
Novos ares para a velha cidade: a Avenida Central e o Teatro Municipal. Foto: Marc Ferrez, 1909
“Como isso mudou! Então de uns tempos para cá, parece que essa gente está doida; botam abaixo, derrubam casas, levantam outras, tapam umas ruas, abrem outras… Estão doidos!!!” Assim, cheio de exclamações, o escritor Lima Barreto encontrou um jeito de expressar seu espanto com as reformas urbanas do início do século XX no romance Recordações do escrivão Isaías Caminha. Sua indignação batia de frente com as ações do prefeito Pereira Passos, que governou de 1902 a 1906, nomeado pelo então presidente da República Rodrigues Alves.
Ainda com a missão de consolidar a República, o governo se empenhou em dar à cidade um ar de “civilização”, como se dizia na época, aproximando-a da Europa. Não era possível ficar atrás, por exemplo, de Buenos Aires e Montevidéu. A Gazeta de Notícias chegou a publicar “O Rio civiliza-se!”, expressão que logo virou uma espécie de slogan do governo que transformou a cidade.
Receita francesa
O Rio precisava ficar mais belo e limpo, e a receita era francesa. Pereira Passos, engenheiro de formação, já havia passado por Paris durante a reforma urbana da cidade promovida pelo prefeito Georges-Eugène Haussmann, também chamado de “artista demolidor”. Haussmann remodelou Paris, tornando-se um símbolo da belle époque, expressão francesa que se refere à cultura cosmopolita da Europa. Ele chegou a abrir 12 avenidas no entorno do monumento Arco do Triunfo. E era exatamente esse modelo que inspirou o prefeito do Rio. Resultado: demoliu cerca de 1.700 imóveis e alargou e abriu ruas. Por isso ficou conhecido como o Haussmann Tropical ou o Bota-Abaixo.
Neste período, a cara da cidade mudou em grande velocidade. A Avenida Central (atual Rio Branco) foi aberta, um novo porto foi criado, a região da Lapa também foi reestruturada com abertura da Rua Gomes Freire, o Centro se aproximou da Glória com a criação da Avenida Beira-Mar, e Copacabana ganhou a Avenida Atlântica. “Tudo isso num gosto bem parisiense”, destaca o diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Pedro da Luz Moreira: “É uma reforma muito importante, que pretendia conquistar o gosto internacional. Foram obras muito bem executadas, pensadas, projetadas e que representaram um sucesso do ponto de vista de sua estratégia e da sua implantação também.”
A Avenida Central
Como ligava o Centro da cidade de uma ponta a outra, do Cais do Porto à Avenida Beira-Mar, a Avenida Central foi o principal projeto do “bota-abaixo”. Seus 1.800 metros de comprimento vinham acompanhados de um passeio público, lembrando a famosa Champs Élysées, de Paris. Além de mudar o mapa da cidade, era preciso dar nova cara para os edifícios. A solução encontrada foi o lançamento de um concurso de fachadas. “O resultado, uma eclética justaposição de estilos arquitetônicos, fazia da avenida um enfileiramento de influências estéticas que vinham da Renascença, passando pelo Classicismo e chegando até o Barroco”, escreveu a historiadora Julia O’Donnel.
Em 1905, os cariocas já podiam circular pela Avenida Central. Tudo era novo ali, mas um fato mudou ainda mais os hábitos da população: a luz elétrica pública. Agora, a cidade tinha mais vida noturna e daí para boêmia foi um pulo.
O embelezamento da cidade vinha acompanhado da ideia de limpeza, e, nesse jogo, as residências coletivas, como os cortiços, eram indesejadas pelo prefeito. Além de essas construções serem muito simples – com quartos de madeira, por exemplo – eram consideradas espaços de proliferação de doenças. Isso porque os tanques, cozinhas e sanitários eram comuns a muitas famílias.
A partir do governo de Pereira Passos, uma sucessão de inaugurações de grandes prédios públicos movimentou e enfeitou a cidade. O Museu Nacional de Belas Artes, em 1908; o Teatro Municipal, em 1909; e a Biblioteca Nacional, em 1910, são alguns deles. Esses edifícios, inclusive, fazem parte de um grupo pequeno de projetos da época que ainda está de pé. Isso porque as fachadas à francesa deram lugar a espigões ainda na primeira metade do século XX. E uma das pessoas que contribuíram para a derrubada deste pedaço da história do Rio foi – que ironia – alguém profundamente ligado à criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o arquiteto Lúcio Costa. “Depois que ele abraça o modernismo, passa a não gostar do ecletismo e elege a arquitetura colonial, especialmente a mineira, como a arquitetura verdadeiramente brasileira. A Rio Branco era toda construída num gosto eclético. Ele, como um dos responsáveis pelo Iphan, vai permitir que grande parte dessas fachadas seja destruída”, ressalta Pedro da Luz Moreira.
Para Lucio Costa, o ecletismo era um modelo com importação de elementos estrangeiros, que não representava o que era de fato brasileiro. “Mas eu pergunto: o que é brasileiro? Existe em nós uma mistura muito grande e isso é positivo. O ecletismo faz parte dessa mistura, não tem sentido ser apagado da nossa história”, pondera o diretor do IAB.
Se Lima Barreto já chamava de doidos os que demoliam em prol da arquitetura francesa, imagine o que pensaria se tivesse presenciado a destruição dessas novas construções poucas década depois. Mas, esperto que só ele, em 1911, quando foi demolido o colonial Convento da Ajuda, arriscou uma profecia: “Eu creio que, daqui a cem anos, os estetas urbanos reclamarão a demolição do Teatro Municipal com o mesmo afã com que meus contemporâneos reclamaram a do convento.” Nisso, só nisso, nosso escritor errou. Ainda bem.
Os parques para cães são espaços públicos que permitem a interação de animais e atividades como feiras de adoção e concursos. Participe dessa ideia!
Débora Didonê Edição 0091
Leve seu cão para passear e aproveite as atividades disponíveis!
Foto: Getty Images
Enquanto os cães correm livremente e interagem com outros animais, seus donos fazem novos amigos, trocam dicas e promovem atividades, como feiras de adoção e concursos. É o que acontece nos "parcães" ou cachorródromos, espaços em áreas públicas onde os animais podem ficar soltos. Com tanto bicho reunido, implantam-se regras de bom senso entre os usuários, como manter a vacinação em dia, não levar cadelas no cio (para evitar brigas) e, claro, recolher os indesejáveis dejetos de seus pets. Conheça algumas cidades que já contam com parques do tipo para levar seu amigão: Rio de Janeiro Só nos fins de semana, o Parcão da Lagoa recebe cerca de 700 cães. O espaço foi disponibilizado para adoção da iniciativa privada pela Fundação Parques e Jardins, da Prefeitura do Rio, e três petshops cuidam da manutenção da área. Av. Epitácio Pessoa - próximo ao Corte do Cantagalo. Horário de funcionamento: livre (melhor ir aos sáb. e dom., das 9h às 12h e das 16h às 18h). Informações: (21) 22861042 Curitiba Quando passeava com seu cocker spaniel pelo bairro Centro Cívico, o advogado Levy Lima Neto viu um quintalzão verde, cercado por árvores - um paraíso para cães. Não demorou para outros donos passarem a levar os bichos para brincar no local. R. Manoel Eufrásio, altura do 1500. Horário de funcionamento: livre (melhor aos sáb. e dom., das 15h às 18h). Informações: acesse a comunidade Parcão Curitiba no Orkut São Paulo O cachorródromo do Ibirapuera, em São Paulo, também foi adotado como espaço para os animais brincarem. E ninguém tem desculpa para não limpar o cocô do seu pet: frequentadores penduram puxa-sacos pelos postes e árvores do terreno. R. Curitiba, s/n, ao lado do Círculo Militar - próximo ao Obelisco. Horário de funcionamento: das 8h às 17h.
Informações: http://www.caosolidario.com
No processo de desenvolvimento da cidade, o homem, munido da capacidade de impor novas configurações à natureza, fez escolhas que o afastaram dos rios e das várias atividades de lazer que o leito deles é capaz de proporcionar
As possibilidades que o Rio Pinheiros oferecia ao cenário urbano foram consideradas desde o primeiro grande projeto que balizou o desenho da capital paulista durante sua expansão: o Plano de Avenidas de São Paulo, projeto de 1930 escrito por Prestes Maia. O documento estipulava a criação de jardins com corredores arborizados, instalações esportivas, circulação rápida, linhas de alta velocidade e navegação em seu leito. No entanto, a incapacidade de administração pública fez as medidas que tratavam da conservação dos recursos naturais, como proteção do solo e da vegetação, ficarem em segundo plano. Não apenas nessa, mas em várias outras passagens da história da cidade, prevaleceram os interesses econômicos de um urbanismo rodoviário. Como consequência, o Pinheiros, antes adequado à prática de esportes, tornou-se o destino de esgotos residencial e industrial. E suas margens, cujos solo e topografia já atraíram futebolistas de vários times - popularizando, inclusive, a expressão "futebol de várzea" -, viram-se aterradas para a chegada de fábricas, ferrovias e empreendimentos imobiliários. "Não existe nada mais importante na história da humanidade do que os rios. Conseguimos marcar tempo e espaço por meio das cheias e vazantes e percebemos o território graças a eles. Inúmeras cidades foram fundadas com base em suas águas." A declaração de Alexandre Delijaicov, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), leva à reflexão sobre os cursos de nossa capital e nos indica que, até agora, temos remado na direção errada .
Loja conceitual defende que pessoas devem utilizar apenas o essencial para suas necessidades
Edição 0110
E você? Consome mais do que deveria?
Foto: Reprodução
Você já parou pra pensar na quantidade de produtos que você consome, muitas vezes sem necessidade? A proposta da loja-instalação 20 Essencials é fazer as pessoas refletirem sobre o consumo desenfreado.
Instalada em Knokke, na Bélgica, vende apenas 20 objetos que são essenciais para nossas necessidades diárias, como sentar, dormir, comer, locomover-se etc. Os curadores do projeto, os especialistas em design Moniek Bucquoye e Joost Vanhecke, selecionaram "apenas os produtos que são realmente capazes de fazer diferença e agregar valor para nossa vida", conforme afirmam.
Bicicletas, cadeiras práticas e móveis sustentáveis estão entre os itens da loja
Foto: Reprodução
Entre as escolhas estão objetos diferenciados em seus conceitos, materiais ou formas, como é o caso da mesa Big Table, feita com material reciclado e capaz de unir de forma confortável as pessoas em torno de uma refeição. Há ainda uma estação de trabalho, uma bicicleta ergonômica, entre outros, todos desenvolvidos por grandes nomes do design. "O mundo traz cada vez mais novos produtos para o mercado. Muitos deles são criados para o consumo de massa e especificamente para atender aos benefícios da economia, e não das pessoas que os compram", diz Bucquoye. Na contramão disso, ele propõe o essencial.
Kimberley Motley: "As leis islâmicas são boas. Falta usá-las"
A advogada americana passa nove meses por ano no Afeganistão. Usa as leis do próprio país a fim de defender quem não pode pagar por um representante no Tribunal
ISABEL CLEMENTE 12/2014
A primeira viagem que a advogada americana Kimberley Motley fez para fora dos Estados Unidos, em 2008, a levou ao Afeganistão. Ela fazia parte de um programa do Departamento de Justiça do governo americano para treinar advogados locais. Depois de visitar prisões onde os condenados estavam fadados a apodrecer sem ter quem os representasse – e ver que o problema era especialmente grave para as mulheres prisioneiras –, Kimberley tomou uma decisão que mudou sua vida. Começou a passar temporadas anuais no Afeganistão. Hoje, aos 39 anos, mãe de três filhos, passa nove meses por ano no Afeganistão. Estuda a lei islâmica e a usa para advogar numa sociedade descrente das leis.
É a única advogada estrangeira em atuação no país, onde viveu momentos de pânico em meio a ataques terroristas. Kimberley é simpática, alta e elegante. Viveu uma etapa curiosa no currículo estrelado: foi eleita, em 2004, a mais bela mulher casada do Estado americano de Wisconsin (ela diz ter entrado no concurso após perder uma aposta). Chegou a disputar o título de mais bela mulher casada dos Estados Unidos e aproveitou para divulgar suas ideias sobre penas alternativas para jovens. Kimberley veio ao Brasil em outubro e deu uma das palestras mais aplaudidas do TEDGlobal, no Rio de Janeiro, evento apoiado por ÉPOCA. Kimberley acaba de assinar um contrato com a rede de TV americana NBC. Sua vida inspirará um seriado.
ÉPOCA – O Afeganistão tem boas leis? Kimberley Motley – Eles têm muitas leis excelentes e princípios sobre o que nunca se deve fazer, como o estupro. O Alcorão afirma que alguém só pode responder a crime de adultério se houver quatro testemunhas oculares. Ninguém leva quatro testemunhas aos tribunais. As pessoas simplesmente não recorrem à Justiça. Não têm advogados constituídos para dizer perante o Tribunal “não é isso o que diz a lei”. Não usar leis já existentes é o problema de muitos lugares, incluindo os Estados Unidos.
ÉPOCA – Qual foi o caso mais complicado que a senhora enfrentou lá? Kimberley – Todos são difíceis. Não há processo fácil. Não que os casos em si sejam complicados – complicado é lutar contra muita ignorância e práticas corrompidas. Tudo é uma batalha: entrar na prisão para ver meus clientes, reunir provas e argumentos, levar a julgamento os algozes de uma tortura. É uma luta eterna. O Tribunal é a parte fácil. Quando chego lá, estou exausta pelo esforço despendido antes.
ÉPOCA – Como a senhora se tornou defensora de uma menina de 12 anos torturada pela família?
Kimberley – Cheguei a esse caso porque o abrigo de mulheres me telefonou no ano passado. O abrigo é mantido por financiamento internacional. É ótimo. Lá, ela estuda e está segura com outras meninas em situação semelhante. Agora, quer ser advogada quando crescer... (Kimberley fica com a voz embargada pela emoção). Ela foi vendida pelo irmão para um homem de 30 anos por US$ 2 mil. A nova família queria que ela se prostituísse. Ela se recusou. Foi torturada com choques, sofreu maus-tratos de toda a sorte. Trancaram-na num porão, arrancaram suas unhas com alicates, quebraram seu nariz, seus braços e suas pernas. Poderia ficar muito tempo descrevendo os horrores. Uma tragédia. Pense numa menina de 12 anos que se recuse a obedecer a quatro adultos. Foram nove meses nessa situação pavorosa. Ela resistiu a tudo e se manteve firme. É muito forte e nem se dá conta disso. Por isso, amo tanto esse caso. Não é fácil encarar histórias tão tristes, mas é meu dever mostrar a ela como é corajosa. Uma vez, conseguiu escapar, pediu ajuda aos vizinhos, e eles a devolveram ao marido. Tudo piorou. Finalmente, um tio a encontrou. Estava tão frágil que precisou sair da casa de cadeira de rodas. Ela é muito pequena, passou fome. Para piorar, o sogro, a sogra e a cunhada, condenados a 25 anos, ficaram presos por um ano e foram soltos. Pensei: “Só podem estar brincando comigo!”. Voltei à Justiça com uma ação para prendê-los de novo e abri outra ação, para processar o irmão e o marido, que a jogaram nessa situação e não sofreram consequência nenhuma. Foi o primeiro caso do tipo, no Afeganistão, em que a vítima foi representada por um advogado. As leis estão escritas há anos, e ninguém jamais as usou. É incrível. Agora, também processo por indenizações, porque, em lugares como esse, as pessoas não se importam muito com ir presas, mas começam a se preocupar se correrem o risco de perder US$ 10 mil.
ÉPOCA – A senhora trabalha sozinha? Kimberley – Tradutores me ajudam no Afeganistão, e advogados do ramo empresarial trabalham no exterior para mim. Sou a única da empresa (Motley Legal) no Afeganistão. Não quero pôr os demais advogados em risco. Muitos se sentem desconfortáveis lá, têm medo. Já tentei contratar advogados locais para ficar comigo por curtos períodos, no máximo uma semana. Percebi que é difícil para eles me acompanhar.
ÉPOCA – Como a senhora se mantém, atendendo apenas quem não tem recursos para pagar? Kimberley – Eu mesma pago as despesas, nos casos de defesa dos direitos humanos. Não cobro nada, nem eles poderiam pagar. A maior parte de meu trabalho com fim lucrativo é empresarial. Meus outros clientes são empresas, embaixadas e consulados, gente envolvida em processos em cortes internacionais. Eles também me mantêm aprendendo. Já recebi doações individuais, mas não quero receber de governos ou empresas, porque atuo no setor privado. Só quero ser advogada.
ÉPOCA – Houve alguma situação que fez a senhora pensar “Eu não deveria estar aqui”? Kimberley – Foi em março, no Serena Hotel, o único cinco estrelas do país, na capital, Cabul. Um amigo ia para Dubai passar o Ano-Novo afegão. Deixou o quarto vago e me ofereceu o espaço para ficar, porque, onde moro, não tenho água encanada nem eletricidade. O Serena é confortável. Quinze minutos depois de me registrar, houve um tiroteio. Mataram várias pessoas no hotel, e ele ficou fechado por quatro horas. Ninguém entrava nem saía. Estava escondida em meu quarto no 2o andar, enquanto gente morria no térreo. Ouvi os tiros. Vi gente correndo quando abriram fogo no restaurante. Foi muito assustador, como algo que acorda você para a realidade a sua volta. Me senti não só isolada, como vulnerável demais. Quando os atiradores invadiram, os seguranças do hotel fugiram. Não havia ninguém armado lá dentro, exceto os terroristas. Foram horas sem saber o que se passava lá fora. O engraçado é que telefonei para um amigo jornalista, para saber o que acontecia, e ele reagiu sussurrando comigo ao telefone: “Oh, meu Deus, você está aí? Desligue a luz, tranque a porta e se esconda”. Até aquele momento, não sabia que o problema era dentro do hotel mesmo, poderia ser na rua, porque acontece de vez em quando. Quase entrei em pânico. Ele tentava me acalmar. Disse: “Fique calma, não é nada”. Eu respondia: “Não me diga que não é nada! Estou nervosa!”. Muitas das histórias publicadas a respeito só saíram porque eu contava o que se passava aos meus amigos. “Diga-me o que você vê”, perguntavam. E eu, histérica, respondia: “Isto não é uma reportagem!”.
"A menina foi vendida e torturada. É o primeiro caso do tipo em que a vítima tem advogado"
ÉPOCA – O que a mantém fiel a uma proposta tão arriscada? Kimberley – Meus clientes. São os melhores clientes do mundo.
ÉPOCA – O que seus filhos acham de seu trabalho? Kimberley – Não conto todos os detalhes, porque é tudo muito triste e deprimente. Eles me apoiam muito. Certa vez, a professora de minha caçula, de 8 anos, contou de forma genérica a ela que eu ajudava uma menina de idade próxima da dela, de 6 anos, contra adultos malvados. A reação dela foi muito fofa, porque veio me perguntar se a menina havia ficado bem, se eu conseguira ajudá-la contra os malvados. Tenho também dois adolescentes, um menino de 13 e uma garota de 17 anos. Atuava no caso de uma mulher estuprada, que engravidou no ataque e teve o bebê na prisão. Ela era obrigada a casar com o estuprador, e obviamente não queria. Fiz um abaixo-assinado on-line para pessoas no mundo todo assinarem e dar publicidade ao caso. Em dois dias, reuni 6 mil nomes, e lá estava a assinatura de minha filha. O que me mantém nessa história são meus clientes e meus filhos, que me encorajam e participam desse sacrifício comigo. Não é fácil não ter a mãe em casa durante tanto tempo.