quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Afundando no lixo, Bangalore simboliza a praga da Índia


The New York Times News Service / SindicatoThe New York Times News Service / Sindicato
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Mandur, Índia – Do lado de fora do último aterro sanitário oficial de Bangalore, os caminhões de lixo regularmente faziam fila aqui por horas, com suas cargas apodrecendo sob o sol da tarde. O aterro, uma montanha fedorenta de lixo, contamina as águas locais e adoece os moradores da região. Outro lixão estava em um estado ainda pior antes de ser fechado recentemente, após protestos violentos.
Bangalore, a capital da economia moderna da Índia e lar de muitos dos seus trabalhadores de alta tecnologia, está se afogando em seu próprio lixo.
Durante uma semana recente em outubro, moradores locais bloquearam as estradas que davam acesso ao aterro sanitário de Mandur, nos arredores da cidade, mesmo quando muitas das empresas de transporte do lixo entraram em greve, afirmando que não eram pagas há meses. Alguns bairros não tiveram coleta de lixo por quase três semanas, e vastos montes de lixo estão espalhados através do que é conhecido na Índia como a Cidade Jardim.
O lixo é a praga da Índia. Ele sufoca rios, fere prados, contamina cidades e alimenta um vasto e perigoso ecossistema de ratos, mosquitos, vira-latas, macacos e porcos. Talvez ainda mais do que a eletricidade inconstante e o tráfego insano, o lixo onipresente exibe a incompetência do governo indiano e o lado negro do rápido crescimento econômico do país.
Maior riqueza produziu mais lixo, e os gestores do desenvolvimento caótico do país não têm sido capazes de lidar com a carga, mesmo nas cidades que os indianos mais valorizam e admiram como seu modelo de futuro.
"Bangalore era a cidade mais limpa da Índia", afirmou Amiya Kumar Sahu, presidente da Associação Nacional de Resíduos Sólidos da Índia. "Hoje, é a mais imunda."
A crise do lixo de Bangalore surgiu diretamente de seu estrondoso sucesso. Empresas de tecnologia começaram a se estabelecer em Bangalore nos anos 80. Quando cresceram, muitas criaram instalações exemplares e isoladas do caos urbano, criando sua própria eletricidade, água, transporte e uma rara sensação de tranquilidade.
Mas o segredo sujo dessas instalações e dos condomínios fechados onde os seus executivos construíram mansões é que eles não tinham onde colocar o lixo. Muitos contratavam caminhoneiros para levar o lixo para fora da cidade, cuidadosamente evitando perguntar o destino. Os caminhoneiros encontravam terrenos baldios ou camponeses que aceitavam e simplesmente despejavam suas cargas.
Logo a população da cidade seguiu a liderança das empresas. Seu programa de coleta de lixo de porta em porta, iniciado em 2000, foi visto como modelo em um país onde sistemas minuciosos de coleta de lixo municipal ainda são raros. Mas poucos – inclusive funcionários do governo – sabiam para onde o lixo era levado ou, após a abertura dos aterros sanitários, como eram descartados.
"Nunca seguimos práticas científicas de aterro sanitário", Rajneesh Goel, diretor do funcionalismo público de Bangalore, disse em uma entrevista.
Na medida em que a população de Bangalore explodiu com o sucesso de sua indústria de tecnologia, o peso no sistema sanitário chegou quase ao ponto de quebra. Agora, com o último aterro sanitário aqui em Mandur prestes a fechar permanentemente e a cidade ficando sem pedreiras abandonadas para silenciosamente desviar a carga de um dia, o sistema sanitário pode desabar.
"Toda essa contaminação dos lençóis freáticos voltará para nós; mais de 300 de nossos lagos já se foram", Goel afirmou em um encontro público onde implorou ajuda. "O problema está saindo do controle, e finalmente irá nos engolir. Temos que fazer alguma coisa."
A escolha que Goel tem de enfrentar é implacável: encontrar um novo local para descartar 4.000 toneladas de lixo por dia, ou fazer esse lixo desaparecer de alguma forma. Já que a supervisão tenebrosa dos antigos aterros sanitários da cidade tornou a criação de aterros novos impossíveis de se conseguir, ele está agora tentando criar – quase do zero – um dos mais ambiciosos programas de reciclagem do mundo.
Goel admitiu que o sucesso está longe de ser garantido.
"Estou tentando passar um quadro bem favorável, mas não se enganem", afirmou após esboçar os seus planos. "É uma história de 50 anos, e existem certas restrições no sistema."
No passado, empresas do setor privado cresceram com muito sucesso, em parte, por isolar o restante da Índia e evitar interações com o governo irregular e corrupto. Mas os melhores executivos aqui agora afirmam que não podem mais dar as costas para o caos que os rodeia.
"Construir essas ilhas, ou expandi-las para se tornar toda a Índia, não creio que isso vá dá certo", disse S. Gopalakrishnan, copresidente executivo da Infosys, a gigante de tecnologia, líder na Índia. Ele gesticulou para a janela que dá vista para as instalações imaculadas de sua empresa, que incluíam uma pirâmide de vidro, áreas de alimentação, quadras de basquetebol e jardins. "Em algum momento, a resistência ao mundo exterior irá esmagá-los."
De fato, a disfunção indiana está agora cobrando o seu preço sobre a produtividade lendária da Infosys, S. Gopalakrishnan disse. O tempo de deslocamento de seus funcionários é maior, seus problemas com escolas mais intratáveis.
"Se você tem apenas 100 funcionários, o impacto não é tão grande", afirmou. "Mas com 150.000 funcionários, o meio ambiente nos afeta cada vez mais enquanto indivíduos e, sim, isso reduz a velocidade das coisas. Em algum momento, não conseguimos simplesmente fechar a mente para o que está acontecendo ao nosso redor."
Poucos esperam que o governo municipal de Bangalore resolva o problema sozinho. Em vez disso, surgiu uma rede de organizações sem fins lucrativos para executar os sistemas de reciclagem; essas organizações não governamentais abraçaram milhares de catadores que reviram diariamente o lixo da cidade para recuperar resíduos valiosos como papel, vidro e certos plásticos.
"Já possuímos um sistema informal de 15.000 catadores, e existem ONGs que podem capacitá-los", afirmou Kalpana Kar, que trabalha no conselho consultivo de gerenciamento de resíduos há mais de uma década. "Vamos formalizar todos eles."
Contudo, para que esse sistema funcione, as residências de Bangalore devem separar os resíduos orgânicos, os recicláveis secos como plásticos e papel, e o lixo hospitalar. Kar agora gasta a maior parte do tempo tentando persuadir os moradores de Bangalore a fazer exatamente isso.
Um dia desses, ela saiu para outra reunião, mas parou logo fora de sua porta e apontou para um empregado que saía de uma casa nas proximidades. O empregado carregava duas lixeiras para o outro lado da rua e as jogou em um terreno baldio. Cachorros de rua e um porco selvagem logo chegaram para se alimentar, mas deixaram o plástico e outros resíduos.
"O que está fazendo?", Kar gritou com o empregado. Ele balançou os ombros e apontou para a casa do patrão. Kar já havia tentado muitas vezes convencer o funcionário a não jogar lixo da casa no terreno cada vez mais nojento, afirmou, mas o ele desconsiderou suas preocupações.
"As pessoas na Índia acham que se a sua própria casa estiver limpa, o problema simplesmente vai embora", afirmou. Não obstante, ela está otimista de que Bangalore poderá reciclar quase todos os seus resíduos, o que seria um feito e tanto para uma cidade de 8 milhões de habitantes.
"A cidade está de joelhos", disse balançando os ombros. "Não temos escolha."
Logo na saída de Bangalore, um número crescente de fazendas de suínos estão coletando restos de comida dos ricos lixos de hotéis e restaurantes da cidade. Numa dessas fazendas, porcos enormes grunhiram de empolgação quando um caminhão chegou, cheio de barris de comida descartada.
Os trabalhadores despejaram cascas de pepinos, salsichas cruas, lentilhas aguadas e mais no chiqueiro de concreto onde uma mulher com os pés descalços esperava. Usando uma mão para segurar o seu sári, usou a outra para retirar sacolas plásticas e copos de sorvetes. Logo, estava coberta de lavagem. Finalmente, outro trabalhador, com uma pá, jogou a comida em grandes pocilgas, e os porcos roncavam em feliz gula.
Para Vankatram, um criador de porcos sem sobrenome, o preço de pegar essa comida que seria descartada era ter de carregar os resíduos secos do hotel, sacos gigantes de plásticos variados e de papel. Tais resíduos poderiam ser reciclados, mas em vez disso Vankatram os queima. Locais de queima de lixo são comuns na Índia e contribuem para a sufocante poluição do ar.
"Espero que nos próximos 10 anos, a Índia se torne mais limpa", afirmou Sahu, da Associação Nacional do Lixo. "Mas neste momento, está muito ruim."
The New York Times News Service/Syndicate – 

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