quarta-feira, 27 de junho de 2012

Lixo eletrônico e o uso crítico da tecnologia


2012/06/15 

A grande quantidade de resíduos eletrônicos produzidos no país configura hoje um quadro preocupante. 
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas divulgados em 2010, o Brasil é considerado o maior produtor per capita de lixo eletrônico entre os países emergentes. Os números alertam para uma necessidade urgente de reverter as práticas de consumo. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada pelo Governo Federal há dois anos, ainda não foi regulamentada.
E esta será a tônica da Roda de Conversas desta sexta-feira à noite aqui na Cigac. “Excessos em um futuro próximo” vai contar com a presença do Marcelo Braz, da MetaReciclagem e Marcelo de Carvalho, da UFAM.
Mas para já esquentar um pouco os motores e tentar mostrar à você a importância e abrangência deste debate, nós conversamos com o Felipe Fonseca, pesquisador do Labjor da Unicamp e co-fundador da rede MetaReciclagem.
Cigac: Como você analisa a questão do lixo eletrônico atualmente?
Felipe Fonseca: Acho que a questão principal é o fato de que as pessoas têm uma expectativa equivocada em relação ao lixo eletrônico, já que, em se tratando de lixo eletrônico, a reciclagem muitas vezes não é a melhor solução. O lixo eletrônico gera um custo para ser reciclado e esse custo não se paga no próprio processo, como é o caso do alumínio, às vezes do papel, da garrafa pet. E, além disso, a própria reciclagem do lixo eletrônico é poluente, gera impacto ambiental, gera impacto social, gera impacto econômico. A questão do lixo eletrônico não tem uma saída e é interessante pensar em alternativas para, principalmente, reduzir o consumo e a produção deste lixo. A partir daí pensar em uma maneira de minimizar o impacto, e aí sim, pensar em reciclagem, mas acho que tem que quebrar um pouco esta expectativa de que tratar o lixo é simplesmente reciclar.
Cigac: Então qual que seria a solução? Ou não existe uma solução?
Felipe Fonseca: A solução, na verdade, é um grande contexto de divulgação. Não existe uma solução definitiva, então acho que tem que buscar maneiras de influenciar a indústria para fazer as coisas durarem mais, para fazer coisas que gerem menos impacto quando forem finalmente descartadas. Tem que pensar no ciclo que seja bancado, porque existe custo. Toda vez que o tratamento do lixo eletrônico dá lucro é porque está se fazendo alguma coisa errada, ou o cara está triturando o material e mandando para a China ou está mandando para algum galpão em São Mateus, em São Paulo, onde vai ter adolescente catando esse material sem a proteção adequada. Tem toda uma questão que é o tratamento do lixo eletrônico que custa bastante dinheiro, porque é um material que é entremeado de diferentes tipos de componentes. Então, para separar os componentes e fazer a reciclagem efetiva, isso tem um custo bem elevado, assim tem que pensar em uma maneira de financiar a reciclagem. Primeiro, uma maneira de diminuir ao máximo a necessidade de reciclagem, incentivar o reuso, incentivar a extensão de vida útil do material, incentivar que a indústria faça as coisas durarem mais tempo. E aí, quando for para fazer a reciclagem, tem que pensar em maneiras de financiar isso para que seja feito da forma correta, seguindo as lei trabalhistas, seguindo a legislação ambiental e, principalmente, evitando jogar conhecimento no lixo, que é o que acontece muitas vezes. Cada peça de eletrônico é uma condensação de conhecimento aplicado e quando a gente joga isso no lixo e não faz sua reutilização,  a gente está jogando o potencial de utilização pela sociedade, literalmente, no lixo.
Cigac: Em 2010, a ONU divulgou um estudo que mostra que o Brasil é o maior produtor per capita de resíduos eletrônicos entre os países emergentes. Neste mesmo ano, o Congresso aprovou a Política Nacional de Resíduos Sólidos. De lá pra cá, o que mudou? Na prática, essa política têm garantido o melhor aproveitamento do lixo no país? Qual a maior barreira que impede o melhor aproveitamento do lixo eletrônico no Brasil: lobby? Falta de vontade política? Gestão falha? Uma política menos estruturada…?
Felipe Fonseca: É complicado porque a gente não tem uma visualização. Tem a Política de Resíduos Sólidos que foi aprovada há dois anos, mas ainda não foi regulamentada. Na verdade tem uma grande resistência da indústria principalmente, e também do governo, em assumir a responsabilidade que lhes cabe nesta questão. Eles estão adiando ao máximo adotar medidas, porque isso tem um custo. A indústria tem o argumento de que não se deve assumir a totalidade da responsabilidade sobre o material eletrônico, porque muito material eletrônico entra no Brasil sem passar pelos meios formais, entra por contrabando e tudo mais. A indústria fala que não vai pagar, porque tem um custo ao invés de gerar lucro, não quer pagar pela descaracterização e reciclagem do material que não foi ela que gerou. Na minha opinião, a indústria deveria assumir uma parte e o governo subsidiar uma outra parte do tratamento deste material, porque ele tem um impacto na sociedade que é maior do que simplesmente aquilo que a indústria consegue ver: que é a gestão econômica. O que precisa fazer é criar maneira de unir governo, indústria e terceiro setor no sentido de promover o reuso deste material, justamente para minimizar a necessidade de reciclagem ou de descarte. A discussão hoje -depois que foi aprovada a Política de Resíduos Sólidos- começou, mas se dá somente entre governo e indústria. A sociedade deveria participar mais, acho que a sociedade tem que ser chamada, porque a sociedade tem soluções que a indústria não consegue ter, porque não lhe interessa, não dá lucro.
Cigac: Qual seria uma experiência de reuso de equipamento que deu certo?
Felipe Fonseca: O grande problema é que a legislação nos países desenvolvidos trata apenas da reciclagem. Por exemplo: o cara usa o computador e quando não está mais usando, põe em um lugar, liga para a prefeitura e este material é levado para a reciclagem. Tem uma experiência que acontece na Inglaterra, de um projeto chamado Access-Space, inclusive é parceiro do MetaReciclagem. A gente já fez algum intercâmbio com ele lá. O projeto montou um espaço de apropriação de tecnologia baseada na reutilização de equipamentos eletrônicos e isso influenciou muito o que a gente faz na MetaReciclagem aqui no Brasil. Essa ideia de reuso não acontece no mundo de maneira estruturada, acontece sempre nas bordas e com uma solução que acaba sendo até desleal, porque a gente assume estes projetos, assume uma responsabilidade que é da indústria. E aí, de repente, tem um monte de material que não serve para mais nada e a gente tem que pagar o custo da reciclagem deste material. Existem experiências no Brasil, mas elas não estão sendo feitas de maneira certa, porque são estes grupos organizados na sociedade que acabam assumindo uma responsabilidade que não é deles. Não tem nenhum apoio oficial para lidar com este material que sobra.
Cigac: O que me chamou a atenção foi a gente falar de geração de lixo, excesso e descarte em uma região que vive com restrições. O Semiárido é uma região extremamente rica, mas, ao mesmo tempo, muito pobre. Como lidar, no caso da Cigac, com a questão do descarte e da forma como o lixo pode ser aproveitado, se, aparentemente, a gente tem pouca geração de excesso por aqui?
Felipe Fonseca: Em qualquer cidade pequena de qualquer lugar no Brasil, pequenas vilas perto de Santarém, por exemplo, no Amazonas ou em qualquer outra região do Brasil, a gente encontra pessoas que têm material eletrônico guardado, peças de computador de dez anos atrás, ou coisas assim. Por mais que sejam regiões um pouco mais afastadas e com menos recurso, sempre tem alguma coisa que não está sendo utilizada de maneira plena. A questão é saber como é que a gente vai fazer para a questão do reuso ser estruturada e rentável e não virar mais dano. A gente tem algumas iniciativas, por exemplo, que pegam computadores usados na Europa e mandam para a África, só que muitas delas acabam mandando lixo, estão mandando material inservível. Eu acho que tem uma possibilidade de deslocamento de recurso de um lugar para o outro, mas isso tem que ser feito, de maneira que se veja o todo e não somente pensar que: ah! tá aqui o computador que não está sendo usado e vamos mandar para um lugar em que vai ser usado. Tem toda uma questão do impacto, tanto o impacto de virar lixo, quanto o impacto, por exemplo, de um computador de dez, quinze anos atrás que usa mais energia do que um computador mais recente. Tem toda uma questão delicada que não é simplesmente pegar as coisas de um lugar e mandar para o outro. Tem uma outra dimensão aí: sobre a sensibilidade decorrente desta visão diferenciada que a gente acaba tendo de eletrônica, como que esta sensibilidade vai incentivar a criatividade, incentivar maneiras de enxergar a tecnologia? Como as pessoas vão poder encontrar soluções locais fazendo uso de eletrônicos de baixo custo? Quando a gente fala da vivência que as pessoas tem na MetaReciclagem não é somente para reutilizar  aparelhos antigos, mas sim para utilizar a tecnologia de maneira mais crítica.
A gente está montando na Cigac um laboratório Hacker temporário, chamado Ser Tão Hacker. A ideia é justamente pensar em experimentos que usem a tecnologia de maneira crítica para pensar uma maneira de transformar a situação ou pelo menos de encontrar soluções para problemas ali. A gente fala de criar redes de sensores, criar sistemas de monitoramento, na verdade tem uma série de possibilidades, esta questão do reuso serve para despertar um tipo de criatividade e de sensibilidade que podem gerar soluções para diversas situações que a gente vê em regiões como o Sertão.
Para saber mais, acesse: http://lixoeletronico.org/

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