sábado, 11 de julho de 2020

A dosimetria na reparação dos danos morais em tempos de Covid-19

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A pandemia mundial ocasionada pela proliferação do coronavírus, que passou a atingir o Brasil em meados do mês de março, trouxe para os profissionais do Direito novos desafios.

Alterações e inovações legislativas se fizeram necessárias, como por exemplo a edição da Lei nº 14.010/2020, que trouxe regime emergencial e transitório às relações de Direito privado durante o período da pandemia.

No que se refere à responsabilidade civil, destacamos a importância da Lei nº 14.015/20020, que alterou as regras sobre eventual interrupção de serviços públicos (água, energia, telefonia, gás) em virtude de inadimplência do consumidor.

Ainda, no campo processual, destacamos a edição da Lei nº 13.994/2020, que positivou a possibilidade de conciliações não presenciais no âmbito do microssistema dos Juizados Especiais Cíveis.

Nesse caminhar, trazemos aqui uma reflexão acerca de relações jurídicas ocorridas durante o período de pandemia que possam acarretar o ilícito civil ou consumerista, ensejador à reparação por danos morais.

Em artigo recentemente publicado [1], defendemos que para ilícitos praticados durante o período de calamidade pública o quantum arbitrado para fins de reparação deva ser agravado, por aplicação analógica das normas contidas no Código Penal e no Código do Consumidor, este último no que se refere aos crimes nas relações de consumo.

"Como é cediço, as condutas ilícitas praticadas em períodos de calamidade pública sofrem maior reprovação, quando sancionadas pelas diversas normas brasileiras.

No Direito Penal, por exemplo, a pena sempre é agravada quando o fato típico é praticado 'em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido' (CPB, artigo 61, II, letra 'j').

De igual forma, o agravamento da pena conforme o §2º do artigo 266 do mesmo diploma, que trata do crime de interrupção ou perturbação de serviço telefônico, quando praticado em vigência de estado de calamidade pública.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.089/90), igualmente, acerca dos crimes contra as relações de consumo, prevê em seu artigo 76, inciso I, que: 'São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste Código: I – serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade'".

Sob essa ótica, compete registrar que por si só a ocorrência do ilícito e o reconhecimento da existência do dano moral não ensejará automaticamente a agravação do valor de reparação em patamares excessivamente superiores aos que vinham sendo aplicados nos precedentes dos tribunais.

Será preciso um esforço argumentativo das partes envolvidas, trazendo para o seio do processo a questão, porquanto o due process of law exige que a questão seja trazida na causa de pedir e debatida no curso do procedimento.

Na avaliação individualizada do caso concreto, o magistrado, após reconhecer a existência do dano moral indenizável [2], para realizar a dosimetria da reparação e fixar por arbitramento o valor monetário que julga ser o adequado, utilizará o método bifásico.

Nesse método, na sua primeira fase observa o magistrado qual fora o interesse jurídico lesado e o grupo de precedentes jurisprudenciais referentes a casos semelhantes, fixando aí um valor-base provisório para a dose da condenação monetária do ofensor.

Na segunda fase, já com um valor-base provisório em mente, o juiz analisará as circunstâncias do caso concreto sob julgamento, aplicando, se necessário, uma majoração sobre o valor inicialmente encontrado, encontrando ao final o valor que reputa adequado, razoável, justo e sobretudo individualizado para o caso que está a julgar.

Para essa fase, chamo a atenção para os critérios sinalizados pela CLT em seu artigo 223-G, incisos I a XII, que em muito tem auxiliado os juízes na difícil tarefa da dosimetria da reparação por danos morais.

Nesse passo, não é incomum se ouvirem críticas de cidadãos que acionaram a Justiça por não compreenderem como é que para fatos aparentemente semelhantes aos que sofreu um terceiro tenha eventualmente sido reparado em valores monetários mais expressivos que o seu.

Esquecem que na humanidade cada indivíduo é único. Nunca existiu uma pessoa igual à outra e nunca existirá. Quando o magistrado arbitra o quantum reparatório para a vítima, isso é levado em consideração.

Nesse pervagar, então, resta claro que a avaliação das circunstâncias (segunda fase do método bifásico) ganha enorme relevo e importância, principalmente para os advogados, que são os autores das petições iniciais nas ações de responsabilidade civil, com a descrição pormenorizada dos fatos, das suas consequências, da extensão do dano alegado e sobretudo, das condições pessoais do autor-vítima.

Assim, é essencial que as considerações sobre os fatos precisam ser cotejadas com o momento e o ambiente hoje vivido pela eventual vítima na pandemia.

Como avaliará o magistrado com maior precisão as circunstâncias que envolvem o dano moral sofrido se na petição inicial e nas provas produzidas não há informações mais detalhadas sobre a extensão e as consequências do fato ilícito ou sobre a própria vítima (idade, sexo, questões psicológicas pessoais, questões físicas, condição cultural, social, econômica etc), entre outros aspectos igualmente importantes e que podemos observar no disposto no artigo 223-G, incisos I a XII, da Consolidação das Leis do Trabalho, que por analogia se aplica perfeitamente à dosimetria do dano moral reparável?

Concluindo, percebemos que nas relações jurídicas ocorridas em tempos de calamidade pública, como o que hoje vivenciamos, que possam ensejar o reconhecimento de danos à personalidade, é de bom alvitre que um maior grau de detalhamento das circunstâncias sejam trazidos à discussão na fase conciliatória e pré-processual e também na fase judicial, para que a entrega da prestação jurisdicional seja a mais próxima possível do senso ou sentimento de justiça para a vítima.

[1] SILVA, Geilton Costa Cardoso da. A reparação dos danos morais sofridos em tempos de coronavírus. ConJur, 12 de maio de 2020.

[2] Prefiro a expressão "reparável", para diferenciar da indenização ao dano material. Este sim quantificável objetivamente para gerar a indenização. Para nós o dano moral só poder ser reparado, pois o valor monetário aplicado apenas "repara" o dano, sendo apenas um substitutivo diverso à humilhação ou dor sofrida. Diverso da indenização no dano material, que é complete e totalmente satisfati

 é juiz de Direito membro da Turma Recursal do Estado de Sergipe (TJ-SE) e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2020

sexta-feira, 10 de julho de 2020

DECRETO Nº 10.417, DE 7 DE JULHO DE 2020, recriando o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.

DECRETO Nº 10.417, DE 7 DE JULHO DE 2020

Institui o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.

OPRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84,caput, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 4º e art. 106, parágrafo único, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990,

D E C R E T A :

Art. 1º Fica instituído o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, com a finalidade de assessorar o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública na formulação e na condução da Política Nacional de Defesa do Consumidor, e, ainda, formular e propor recomendações aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para adequação das políticas públicas de defesa do consumidor.

Art. 2º Ao Conselho Nacional de Defesa do Consumidor compete:

I - propor aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor:

a) medidas para a prestação adequada da defesa dos interesses e direitos do consumidor, da livre iniciativa e do aprimoramento e da harmonização das relações de consumo;

b) adequação das políticas públicas de defesa do consumidor às práticas defendidas por organismos internacionais, tais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento;

c) medidas para coibir fraudes e abusos contra o consumidor;

d) aperfeiçoamento, consolidação e revogação de atos normativos relativos às relações de consumo; e

e) interpretações da legislação consumerista que garantam segurança jurídica e previsibilidade, destinadas a orientar, em caráter não vinculante, os diversos órgãos de defesa do consumidor em âmbito federal, estadual, distrital e municipal;

II - promover programas de apoio aos consumidores menos favorecidos;

III - propor medidas de educação do consumidor sobre seus direitos e suas obrigações decorrentes da legislação consumerista;

IV - opinar:

a) nos conflitos de competência decorrentes da instauração de mais de um processo administrativo por pessoas jurídicas de direito público distintas, para apuração de infração decorrente de fato imputado ao mesmo fornecedor, de acordo com o disposto no parágrafo único do art. 5º do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997; e

b) nas medidas de avocação de processos administrativos em trâmite em mais de um Estado, que envolvam interesses difusos ou coletivos, de acordo com o disposto no art. 16 do Decreto nº 2.181, de 1997;

V - requerer a qualquer órgão público a colaboração e a observância às normas que, direta ou indiretamente, promovam a livre iniciativa; e

VI - sugerir e incentivar a adoção de mecanismos de negociação, de mediação e de arbitragem para pequenos litígios referentes às relações de consumo ou para convenção coletiva de consumo.

Art. 3º O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor é composto:

I - pelo Secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que o presidirá;

II - por um representante indicado pelo Ministério da Economia;

III - por um representante indicado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade;

IV - por um representante indicado pelo Banco Central do Brasil;

V - por quatro representantes de agências reguladoras, dos quais:

a) um indicado pela Agência Nacional de Aviação Civil;

b) um indicado pela Agência Nacional de Telecomunicações;

c) um indicado pela Agência Nacional de Energia Elétrica; e

d) um indicado pela Agência Nacional de Petróleo;

VI - por três representantes de entidades públicas estaduais ou distritais destinadas à defesa do consumidor de três regiões diferentes do País;

VII - por um representante de entidades públicas municipais destinadas à defesa do consumidor;

VIII - por um representante de associações destinadas à defesa do consumidor com conhecimento e capacidade técnica para realizar análises de impacto regulatório;

IX - por um representante dos fornecedores com conhecimento e capacidade técnica para realizar análises de impacto regulatório; e

X - por um jurista de notório saber e reconhecida atuação em direito econômico, do consumidor ou de regulação.

§ 1º Cada membro do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor terá um suplente, que o substituirá em suas ausências e impedimentos.

§ 2º O membro de que trata o inciso II docapute respectivo suplente será indicado pelo Ministro de Estado da Economia.

§ 3º Os membros de que tratam os incisos III ao V docapute respectivos suplentes serão indicados pela autoridade máxima das entidades que representam.

§ 4º Os membros de que tratam os incisos VI ao X docapute respectivos suplentes serão indicados pelo Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, após chamamento público, conforme normas definidas em ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, e terão mandato de dois anos, permitida uma recondução.

§ 5º Na ausência do Presidente, as reuniões do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor serão presididas por seu substituto no cargo.

Art. 4º O quórum de reunião do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor será de dois terços dos membros e o quórum de aprovação será de maioria simples dos membros.

Parágrafo único. Além do voto ordinário, o Presidente do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor terá o voto de qualidade em caso de empate.

Art. 5º O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor se reunirá em caráter ordinário, no mínimo, quatro vezes ao ano, na cidade de Brasília, Distrito Federal, e em caráter extraordinário a pedido de seu Presidente ou por solicitação de, no mínimo, um quarto de seus membros.

Art. 6º Serão convidados a compor o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, sem direito a voto:

I - um membro de Ministério Público Estadual, indicado pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais;

II - um membro do Ministério Público Federal, indicado pelo Procurador-Geral da República; e

III - um membro da Defensoria Pública, indicado pelo Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais.

Art. 7º O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor poderá convidar autoridades, técnicos e representantes de órgãos públicos ou privados para prestar esclarecimentos, informações e participar de suas reuniões, sem direito a voto.

Art. 8º A Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública exercerá a função de Secretaria-Executiva do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.

Art. 9º O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor poderá instituir comissões especiais com a finalidade de realizar tarefas e estudos específicos destinados à defesa do consumidor na ordem econômica constitucional brasileira.

Art. 10. As comissões especiais:

I - serão compostas na forma de ato do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor;

II - não poderão ter mais de sete membros;

III - terão caráter temporário e duração não superior a um ano; e

IV - estarão limitadas a três operando simultaneamente.

Art. 11. Os membros do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor e das comissões especiais que se encontrarem no Distrito Federal se reunirão presencialmente ou por videoconferência e os membros que se encontrem em outros entes federativos participarão da reunião por meio de videoconferência.

Art. 12. É vedado aos membros a divulgação de discussões em curso no Conselho Nacional de Defesa do Consumidor sem a prévia anuência de seu Presidente.

Art. 13. A participação no Conselho Nacional de Defesa do Consumidor e nas comissões especiais será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.

Art. 14. O Decreto nº 2.181, de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 5º ...................................................................................................................

Parágrafo único. Se instaurado mais de um processo administrativo por pessoas jurídicas de direito público distintas, para apuração de infração decorrente de um mesmo fato imputado ao mesmo fornecedor, eventual conflito de competência será dirimido pela Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que poderá ouvir o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, considerada a competência federativa para legislar sobre a respectiva atividade econômica." (NR)

"Art. 16. Nos casos de processos administrativos em trâmite em mais de um Estado, que envolvam interesses difusos ou coletivos, a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública poderá avocá-los, ouvido o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, e as autoridades máximas dos sistemas estaduais." (NR)

Art. 15. Ficam revogados:

I - o Decreto de 28 de setembro de 1995, que cria a Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor; e

II - o Decreto de 11 de janeiro de 1996, que acrescenta inciso ao art. 2º do Decreto de 28 de setembro de 1995, que cria a Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor.

Art. 16. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de julho de 2020; 199º da Independência e 132º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

André Luiz de Almeida Mendonça

Anatel integra novo ‘Conselho Nacional de Defesa do Consumidor’

Presidente Jair Bolsonaro recriou órgão que havia sido extinto em 1990.

Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado

Nesta quarta-feira, 8, o presidente da República, Jair Bolsonaro, recriou, via decreto publicado no Diário Oficial da União, o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC).

Originalmente instituído em 1985, antes mesmo da Constituição de 1988, durante a presidência de José Sarney, o CNDC foi extinto em 1990, após uma reestruturação do Ministério da Justiça.


O novo CNDC terá como objetivo assessorar o ministro da Justiça e Segurança Pública no desenvolvimento e condução da Política Nacional de Defesa do Consumidor, além de recomendar adequações em políticas públicas dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como o Procon, Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros.

Ele também promoverá programas de apoio aos consumidores de baixa renda, além de medidas de educação da população sobre seus direitos.




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O órgão será presidido pelo Secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública e composto por representantes do Ministério da Economia, do Banco Central, Cade e Procons estaduais e municipais. Uma associação de defesa do consumidor, um fornecedor e um jurista também serão integrantes.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) também compõe o CNDC, bem como a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).