Assim, quando me deparei com o secretário de Recursos Hídricosdo Estado, Mauro Arce, e o presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, em um mesmo palco, dispostos a responder perguntas, não resisti: “Se nos próximos 12 meses as chuvas forem semelhantes às que ocorreram nos últimos 12 meses, os 6 milhões de paulistanos que dependem exclusivamente do Sistema Cantareira terão água em 2015?” A pergunta é simples e não exige adivinhação, pois não questiona se vai chover. Simplesmente solicita a construção de um cenário a partir de dados já conhecidos. O sr. Andreu respondeu: “Se nós tivermos um ano parecido com esse, não teremos uma resposta satisfatórias na região metropolitana no ano de 2015”. O sr. Arce divagou sobre o que ocorreria se nunca mais chovesse. Fiquei sem resposta. Afinal, a água do Cantareira pode acabar? Se os responsáveis pela ANA e pela Sabesp se recusam a nos contar o que pode acontecer em 2015, só me resta uma opção: tentar construir com você, caro leitor, os cenários mais prováveis. Isso é possível porque os dados necessários são atualizados diariamente em uma série de tabelas e gráficos publicados no site da ANA. Convido a olhar com cuidado o gráfico acima. Ele mostra a quantidade de água estocada no Sistema Cantareira ao longo de cada ano, de 1982 até o presente. No eixo horizontal estão as datas. Cada linha vertical marca o início de um ano. No eixo vertical está o volume de água acumulada nos reservatórios do Cantareira em milhões de metros cúbicos (hm³). Este número vai de zero (reservatório seco) a 1.460, reservatório transbordando, totalmente cheio. Você também pode ver uma linha horizontal no valor 486, que separa o volume “vivo”, que pode ser retirado sem uso de bombas (entre 1.460 e 486) e o volume “morto” (entre 486 e 0), que só pode ser retirado por bombeamento.
É fácil verificar que todos os anos o nível do reservatório sobe e desce. Ele enche logo após o ano-novo (período de chuvas), se estabiliza antes da metade do ano, e esvazia na segunda metade do ano (período de secas). Mas o quanto ele enche e esvazia varia de ano para ano, dependendo de quanto chove e de quanta água é retirada. Veja o ano de 1999: ele iniciou com aproximadamente 1.050 hm³, subiu até 1.430 e desceu para 1.030. Em 1999, a água que entrou foi quase igual a água que saiu. Já em 1987, o reservatório começou com 860, subiu para 1.420 e só baixou para 1.200. Naquele ano entrou mais água do que saiu. Acompanhe agora o que aconteceu a partir de 2010. Em 2010 o reservatório chegou ao seu máximo, 1.460, e caiu para 1.200, no ano seguinte (2011) ele subiu para 1.400 e terminou em 1.150. Em 2012, ele subiu muito pouco e terminou o ano em 950. O ano de 2013 já foi trágico, a subida foi pequena e a queda foi grande, e acabamos 2013 já com um pouco mais de 700 hm³, um dos menores níveis históricos. Foram quatro anos em que os níveis registrados em dezembro sofreram quedas grandes e sucessivas. E aí veio 2014, um ano em que ocorreu um fenômeno nunca antes observado. O ano de 2014 foi o único em que o reservatório nem sequer encheu, a quantidade de água armazenada caiu continuamente. Iniciou o ano com 700 hm³ e agora em setembro estamos com somente 370 hm³. Veja que em setembro de 2013 estávamos com 870 hm³. A queda nos últimos 12 meses foi de 500 hm³. Agora, caro leitor, eu pergunto, você é capaz de responder a pergunta que a Sabesp e a ANA se recusaram a responder? Se os próximos 12 meses (setembro de 2014 a setembro de 2015) forem iguais aos 12 meses anteriores (setembro de 2013 a setembro de 2014), qual cenário enfrentaremos em setembro de 2015? É fácil, mas trágico. Se nos próximos 12 meses o nível cair 500 hm³ (como caiu nos últimos 12 meses), chegaremos muito antes de setembro ao nível zero, pois hoje só temos, 370 hm³ no Cantareira. Esta é a resposta simples e objetiva. Se tudo se repetir, milhões de pessoas vão ficar sem uma gota de água. Simples assim. Mas talvez não seja correto ser tão pessimista, vamos imaginar que as chuvas do fim do ano acrescentem 200 hm³ ao reservatório, como aconteceu em 1985, 1988 e 2011. O nível vai passar de 370 para 570. Mas se continuarmos a tirar água como tiramos neste ano, vai cair para quase zero novamente, e as pessoas vão ficar sem água. Mas o melhor seria se São Pedro ajudasse e repetíssemos em 2015 o que ocorreu em 1987, o reservatório subisse 650 hm³ em um único ano (o recorde). Aí passaríamos de 370 para 920 e se retirássemos os mesmos 500 acabaríamos o ano com 420 hm³, um pouco abaixo do limite do volume morto. Melhor, mas ainda preocupante. É claro que estes cenários são os mais crus que um leigo educado pode deduzir a partir dos dados disponíveis. Eles assumem que a Sabesp não vai mudar a maneira como está retirando água do Cantareira e assumem que é possível retirar até a última gota do reservatório, o que não é verdade. O fato é que muito antes de o volume acumulado nos reservatórios chegar a zero não haverá água sequer para organizar um rodízio ou racionamento forçado. Senhor secretário, senhor presidente da ANA, não fiquem acanhados em mostrar o que está errado nesses cenários criados por um simples biólogo. Todos gostaríamos de saber com que cenários a Sabesp e a ANA trabalham. Quais são seus cenários? Sei que devo estar errado nos detalhes, mas todos gostaríamos de saber o que teremos de enfrentar em 2015. Afirmar que teremos água até março não é suficiente. Afinal, é a vida cotidiana de milhões de pessoas que está em jogo. Se outros cenários não forem descritos e justificados, só me resta acreditar que estes cenários, simples, mas lógicos, representam em grande parte o que nos espera em 2015.
FONTE:O ESTADO DE SÃO PAULO
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