Proteger nascentes é garantir água para todos
As nascentes representam a “galinha dos ovos de ouro” que irão garantir água limpa e abundante num futuro próximo. Porém, em vez de protegê-las, estamos acabando com elas
GLAUCO KIMURA DE FREITAS*
15/04/2015 -
FONTE EPOCA ONLINE
Recentemente o WWF-Brasil lançou uma petição on line para que o governo federal crie um Plano Nacional de Nascentes e Mananciais. Para que serve esse plano? A resposta breve é para garantir água de qualidade e em quantidade para todos os usos e para todas as pessoas.
E por que ele deve ser criado pelo governo federal? O Brasil vem passando por uma crise hídrica que já afeta 40 milhões de brasileiros. As soluções que vêm sendo apresentadas pelos governos são, majoritariamente, baseadas na reservação de água para aumentar a sua oferta perante o crescimento populacional e aumento da demanda nas cidades e no campo, por meio de obras de infraestrutura hídrica, como, por exemplo, a construção de reservatórios, transposições e captação de água subterrânea. A gravidade dessa crise exige que sejamos mais criativos e pensemos em alternativas adicionais à reservação que possam garantir segurança hídrica num futuro próximo.
Esse é o momento das autoridades reconhecerem os serviços ambientais prestados pela natureza e adotarem medidas efetivas para preservá-los. O Plano Nacional de Segurança Hídrica lançado pelo governo federal no ano passado prevê a ampliação da oferta de água por meio de obras de infraestrutura, porém não inclui a recuperação de bacias em seu escopo. Estamos salvando os “ovos de ouro”, mas esquecendo de salvar a “galinha”. Afinal, de onde virá a água que irá abastecer os reservatórios se não das nascentes dos rios que alimentam os reservatórios?
As nascentes representam a “galinha dos ovos de ouro” que irão garantir água limpa e abundante num futuro próximo e, ao invés de protegê-las, estamos acabando com elas. O próprio novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) em seu inciso IV do artigo 4° excluiu as nascentes intermitentes (que secam em períodos do ano) da obrigatoriedade de proteção de faixa de matas no seu entorno. De acordo com a lei, apenas as nascentes permanentes são incluídas na faixa de proteção permanente, num raio mínimo de 15 metros. Como as nascentes que eram perenes estão secando, elas são automaticamente consideradas intermitentes e, portanto, podem ser desmatadas por lei. Essa é, infelizmente, a situação atual.
Quando um rio é poluído ou degradado, mas suas nascentes estão preservadas, há boas chances de recuperarmos todo corpo hídrico. Por outro lado, se as nascentes forem destruídas, pouco se pode fazer. Elas são a fonte necessária à vida e devem ser preservadas ou recuperadas a qualquer custo. E o país está perdendo suas nascentes de modo veloz, desconhecido e, em alguns casos, irreversível. A imagem da nascente seca do rio São Francisco em 2014 foi só um alerta. Em vários municípios, as nascentes já não servem mais à população. Ruas, casas e bairros inteiros são construídos sobre áreas de preservação permanente, onde as nascentes são drenadas e aterradas. No meio rural as fontes são degradadas pelo mau uso do solo na atividade agropecuária, além da construção de estradas e obras de infraestrutura sem planejamento.
Diante da atual crise hídrica, que poderá deflagrar outras crises como de energia, alimentos e, até mesmo, crise social e econômica, o governo federal deve assumir a liderança com apoio do setor privado e da sociedade e criar um Plano Nacional de Proteção de Nascentes e Mananciais (PNNM). O Plano deveria iniciar com um mapeamento inédito das nascentes e sistemas de cabeceiras do país e avaliar as condições de degradação as quais se encontram e identificar sistemas prioritários para intervenções e recuperação. Além disso, propor um pacto nacional com os Estados e municípios para implementar ações de restauração e preservação das nascentes prioritárias, com metas claras e com urgência para serem iniciadas.
Além disso, esse plano seria uma ótima oportunidade de envolver o cidadão e as empresas. Recentemente, na região metropolitana de São Paulo que vem sofrendo com a escassez de água nas torneiras, algumas iniciativas voluntárias de cidadãos vêm mapeando nascentes e córregos “escondidos” entre os concretos e pavimentos da grande metrópole de forma bem sucedida, a exemplo do movimento “Existe Água em SP” criado nas páginas do Facebook. Este e outros grupos identificaram mais de 300 “córregos invisíveis” na região metropolitana de São Paulo, o que dobraria os 287 rios catalogados oficialmente na cidade.
Portanto, fica claro que as obras de infraestrutura para garantir a reservação são necessárias e devem sair do papel rapidamente, porém, é essencial lembrarmo-nos da infraestrutura natural da bacia hidrográfica. Um estudo coordenado pelo professor José Galízia Tundisi demonstrou que os custos de tratamento de água diminuem de R$ 200 a 300 para apenas R$ 1 a 3 por 1.000m³ de água comparando-se uma bacia hidrográfica totalmente desmatada com outra parcialmente preservada. Ou seja, os números confirmam que a vegetação desempenha um papel importante não só na preservação da região, mas também na redução de custos e, consequentemente, no incremento das condições de saúde e qualidade de vida da população.
O plano proposto pelo WWF-Brasil quer, assim, garantir água de qualidade e em quantidade para todos os brasileiros, e acredita que as nascentes devem ser o mote para a ampliação do olhar rumo a uma nova gestão da água, deixando apenas de considerar apenas a infraestrutura “cinza” do concreto das obras para uma infraestrutura “verde” considerando elementos da natureza.
*Glauco Kimura de Freitas é coordenador do programa Água para Vida do WWF-Brasil