quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Consumidor: SENACON estabelece novas regras para a celebração de TAC

 Vitor Morais de Andrade

FONTE:https://migalhas.uol.com.br/depeso/339804/consumidor-senacon-estabelece-novas-regras-para-a-celebracao-de-tac

Vejamos as principais questões que envolvem a referida portaria 34/20.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

(Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A partir do dia 5 de fevereiro, entrará em vigor a portaria 34 de 28 de janeiro de 2021, que dispõe sobre as regras para a celebração do termo de ajustamento de conduta nos processos administrativos sancionatórios no âmbito da Secretaria Nacional do Consumidor.

Esta já é a 3ª portaria editada pela SENACON em pouco mais de 3 anos. Praticamente, vivemos uma nova portaria a cada novo Secretário Nacional do Consumidor.

Em 2017, tivemos a portaria 19 de 5 de julho de 2017, que disciplinava tanto a celebração e acompanhamento do Termo de Ajustamento de Conduta - TAC, como também os procedimentos para a formalização de "Recomendação" para fornecedores.

Essa portaria foi editada na gestão do secretário dr. Arthur Luiz Mendonça Rollo e durou quase 2 anos, tendo sido revogada pela portaria 8 de 16 de maio de 2019 e, posteriormente, substituída pela portaria 71, de 28 de fevereiro de 2020, que também dispunha sobre as regras para a formalização do termo de ajustamento de conduta nos processos administrativos sancionatórios, na SENACON. Esta última, foi editada na gestão do sucessor de Arthur Rolo, o professor dr. Luciano Benetti Timm.

A portaria 71 foi, então, revogada pela portaria 34, agora em vigor, já na gestão da atual Secretária Nacional do Consumidor, a professora dra. Juliana Oliveira Domingues.

É interessante analisarmos a evolução trazida por estas portarias ou até mesmo a razão de uma mudança de procedimentos para o TAC a cada nova gestão no âmbito da SENACON. Seja como for, nos parece mais produtivo neste momento destacarmos os principais aspectos da portaria 34/21.

Essa atual portaria, tal qual a anterior, tem aspectos muito positivos trazendo previsibilidade a um processo de resultado muitas vezes incerto, viabilizando a realização de acordo em qualquer fase processual, permitindo desconto do valor principal e a realização de obrigação de fazer de forma alternativa ao pagamento, posição muito salutar, dado que historicamente os valores depositados no Fundo de Direitos Difusos tem sido contingenciado pelo Governo Federal sem que pudesse ser utilizado, em sua maior parte, para ações que beneficiassem interesses difusos.  

Vejamos as principais questões que envolvem a referida portaria 34/20:  

- Em que fase é possível fazer um TAC?

É possível celebrar o TAC na fase de averiguação preliminar ou em sede de processo administrativo sancionador, em curso ou encerrado.

O TAC também pode ser firmado no curso de ação judicial. Neste caso, a sua celebração estará sujeita à participação obrigatória da unidade contenciosa da Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pelo acompanhamento do processo e pela consequente homologação judicial.

- Quando não será possível a realização de um TAC?

Quando o compromissário tiver descumprido o TAC há menos de três anos;

Quando a proposta apresentada possuir o mesmo objeto e abrangência de outro termo de ajustamento de conduta ainda vigente;

Quando a proposta apresentada tiver por objeto processos nos quais a SENACON já tenha se manifestado contrariamente à celebração de termo de ajustamento de conduta; ou não se vislumbrar interesse público.

- Quem será o responsável pela Negociação?

Foi criada uma Comissão de Negociação, responsável pela fase de negociação do termo de ajustamento de conduta. Compete a esta Comissão conduzir as negociações de termo de ajustamento de conduta para: I - ajuste de conduta irregular, objeto de averiguação preliminar ou de processo administrativo sancionador, em curso ou encerrado; e II - tutela preventiva do direito dos consumidores, quando inexistente processo administrativo sancionador em curso.

- Quais as obrigações podem ser firmadas num TAC com a SENACON?

As obrigações podem ser de pagar (preferencialmente) ou de fazer.

Quando o termo de ajustamento de conduta gerar para o compromissário obrigação de pagar, os valores recolhidos serão revertidos para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Quando se tratar de obrigação de fazer, esta poderá ser relativa aos seguintes aspectos: I - regularização da conduta do compromissário; II - prevenção ou ressarcimento de dano aos interesses individuais, homogêneos ou não, coletivos e difusos, dos consumidores afetados; III - realização de investimentos que melhorem a experiência do consumidor ou que atendam ao interesse público envolvido no caso.

- É possível concessão de desconto para pagamento de multa em caso de TAC?

É possível que seja concedido um percentual de desconto com base no valor da pena pecuniária aplicada ou estimada, sendo que as razões para aplicação do desconto deverão ser expostas na manifestação técnico-jurídica que dará sustentação ao desconto.

O cálculo do fator de desconto estará limitado à redução máxima global de até cinquenta por cento (50%) do valor da pena de multa, esperada ou aplicada. As obrigações de fazer, compensarão, ainda que parcialmente, o desconto concedido em transação da pena de multa.

- É preciso Confessar a Irregularidade para fazer o TAC?

Não é necessário a confissão para celebração do TAC. A celebração do acordo, salvo a disposição expressa em contrário, não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta objeto do processo.

 

Atualizado em: 3/2/2021 08:39

Vitor Morais de Andrade

Vitor Morais de Andrade

Sócio do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados e professor na PUC/SP. Membro do Conselho de Ética do CONAR. Vice-presidente de Relações Institucionais da Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente - ABRAREC. Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Os custos de uma transação e o dever de informação no Código do Consumidor

 

Por 

O advento do Código do Consumidor (Lei 8.078/90) representou um divisor de águas na proteção e na defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores em relação a temas sensíveis como publicidade, informação, práticas comerciais, controle de contratos, cláusulas abusivas, facilitação de acesso ao Poder Judiciário e a órgãos administrativos, sistema nacional de defesa do consumidor etc.

Diante de um cenário em que a constituição de relações jurídicas negociais se opera mediante a adesão do consumidor a um contrato, cujas cláusulas foram pré-determinadas pelo empresário, houve uma justificável limitação ao outrora quase absoluto princípio da autonomia da vontade, de sorte que não basta a convergência de vontades, sendo necessário ainda aferir se o conteúdo está de acordo com as normas contidas no Código do Consumidor, eis que são de ordem pública e de interesse social, nos termos dos artigos 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal.

Por isso que a noção de autonomia da vontade foi substituída pela autonomia privada, eis que a liberdade negocial continua sendo um postulado importante no campo dos negócios jurídicos, submetido a uma fiscalização mais próxima do dirigismo do conteúdo negocial previsto em lei.

A propósito, os princípios da função social, da boa-fé objetiva e da justiça contratual atenuam o princípio da autonomia privada no campo contratual, de sorte a reduzir o alcance desse princípio diante da presença de interesses jurídicos relevantes afetos à proteção do consumidor que é um direito fundamental e uma das diretrizes da ordem econômica.

Nesse contexto, foi bastante difundido e propagado, com acerto, o entendimento de que o consumidor deve ser considerado o hipossuficiente nas relações jurídicas contratuais a atrair o espectro de proteção previsto no Código do Consumidor, com vistas a assegurar acima de tudo a justiça contratual e trocas úteis e justas.

Nada obstante a teleologia da proteção legal, tem-se verificado, em algumas hipóteses, uma tendência de, a pretexto da vulnerabilidade do consumidor, desprezar por completo a sua autonomia privada, notadamente as opções negociais envolvendo os custos de transação e a boa-fé objetiva com o consectário da prática de comportamentos contraditórios.

Em um contrato de compra e venda de imóvel ou de ingresso de um espetáculo, em que o empresário informa claramente o custo total da transação, repassando uma obrigação relativa à intermediação ao consumidor, é lícito ao Poder Judiciário invalidar tal cláusula a pretexto de ser abusiva?

O operador do Direito não pode considerar o princípio da vulnerabilidade do consumidor como uma norma jurídica absoluta, que sempre irá se sobrepor aos demais princípios e normas. Nas relações jurídicas negociais, o consumidor tem a liberdade de manifestar e de exteriorizar a sua autonomia privada, fazendo escolhas e opções no campo patrimonial e econômico.

Na temática dos custos de transações, qual o limite para a intervenção do Poder Judiciário, a pretexto de assegurar a aplicação das normas de proteção do consumidor? Como se relaciona a autonomia privada com o dirigismo contratual previsto no Código do Consumidor?

Por relevante, em dois paradigmáticos julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça prestigiou o entendimento de que a vulnerabilidade do consumidor não é absoluta, mas relativa, devendo, na temática dos custos das transações, ceder espaço diante de postulados como da autonomia privada, da observância do dever prévio de prestar informação clara e da boa-fé objetiva consubstanciada na proibição de comportamentos contraditórios.

No primeiro, o STJ fixou o precedente jurisprudencial vinculante (Tema 938), pelo qual se reputa válida a cláusula contratual que, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel, transfere ao comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem pela intermediação em incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição, com o destaque do valor da comissão do corretor (REsp 1599511/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino).

No segundo, o STJ considerou válida a intermediação pela internet da venda de ingressos para eventos culturais e de entretenimento mediante cobrança de taxa de conveniência, desde que o consumidor seja previamente informado do preço total da aquisição do ingresso, com o destaque do valor da referida taxa. Mesmo que se trate de um repasse de custos de intermediação, afigura-se suficiente que o consumidor seja informado prévia e adequadamente acerca do custo total da operação, eis que a relação empresário/consumidor é onerosa por excelência (Edcl no REsp 1.737.428-RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino).

Resulta dos dois paradigmáticos julgados do STJ a conclusão de que o caráter protetivo do Código do Consumidor não se traduz em óbice intransponível a impedir a natureza onerosa das relações negociais celebradas entre empresário e consumidor; o que se exige é que o empresário cumpra o dever de prestar previamente a informação clara e adequada ao consumidor sobre os produtos e os serviços.

Em um mercado afeto à livre iniciativa, os postulados da autonomia privada, do dever de informação prévia e da boa-fé objetiva se traduzem em óbices à intervenção do Poder Judiciário no campo dos custos de transações. Embora tenha cedido espaço para outros princípios  como a função social, a boa-fé objetiva, a justiça contratual, a proteção do consumidor , a autonomia privada, quando em harmonia com a livre iniciativa, os interesses metaindividuais e coletivos relevantes previstos no artigo 170 da Constituição Federal, tem importante atuação no sistema de direito contratual privado e revela o direito aos particulares de disporem acerca dos seus interesses no campo econômico e patrimonial.



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 é advogado, professor da graduação e do mestrado da UFRN, doutor e mestre em Direito pela PUC-SP.

Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2021