terça-feira, 11 de novembro de 2014

Vidas secas no Sudeste

Vidas secas no Sudeste

O climatologista Carlos Nobre diz que, embora não seja possível prever o fim da seca nessa região, os brasileiros devem se preparar para uma forte mudança nos padrões das estações do ano

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Felipe Carneiro Veja - 10/2014
André Câmara


Em sua longa trajetória como climatologista no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o paulistano Carlos Nobre sempre se diferenciou por entender os fenômenos de maneira abrangente, muito além dos modelos meteorológicos.

Atualmente, trabalha no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, razão pela qual ganhou o Nobel da Paz de 2007. "As mudanças climáticas são uma ameaça à segurança mundial, pois causam quebra de safras, migrações em massa e guerras", explica.

Da Inglaterra, onde esteve para ministrar uma palestra sobre o futuro da Amazônia no University College de Londres, Nobre falou a VEJA.

O reservatório da Cantareira, que abastece 8 milhões de moradores do Sudeste, está com apenas 4% de sua capacidade. No Rio de Janeiro, o fogo se espalha pela região serrana. Quando essa seca vai acabar?
Não há como prever. O que posso dizer é que, infelizmente, os meses de setembro e outubro estão mais secos que a média histórica. Como são meses de transição para a estação das chuvas, isso não é um bom sinal. Mas também não significa que novembro terá o mesmo perfil. Para 2015, não há elementos científicos suficientes para dizer se o ano será muito árido ou não. Se for, o impacto será devastador.

Com tantos cientistas debruçados sobre o assunto no Brasil, como justificar tanta imprevisibilidade?
Sabemos o que aconteceu, mas desconhecemos as suas causas. Às vezes, passam-se anos até que se consiga saber o porquê de um fenômeno. Sem essa informação, também não é possível responder se a estiagem vai ou não se repetir. Como os últimos dois anos foram muito áridos no Nordeste, criamos, em novembro do ano passado, um grupo de trabalho com alguns dos mais importantes climatologistas do Brasil para melhorar as previsões meteorológicas.

Não enxergamos nos ventos, na temperatura ou na pressão no Atlântico ou no Pacífico nenhum sinal que pudesse prever a estiagem no Sudeste. Mesmo depois de a seca se estabelecer, voltando a estudar os modelos computacionais, verificamos que nenhum deles dava indício do que acabou acontecendo. As previsões no Sudeste sempre foram mais complicadas. Enquanto no Nordeste o clima depende muito do que se passa nos oceanos Atlântico e Pacífico, no Sudeste a lógica é caótica. É quase impossível decifrar sinais precursores e desenhar o cenário mais possível.

O que se sabe, então, sobre a seca no Sudeste?
A estação do inverno normalmente é um período de pouca chuva na área entre o Paraná, a Bahia e o sul da Amazônia. Nessa época, um sistema de alta pressão atmosférica que vem do oceano impede que as frentes frias tragam a umidade do Sul. Muito atipicamente, esse quadro aconteceu durante o verão, de janeiro a março. Esse sistema seco e de alta pressão ficou parado por ali, barrando as nuvens e provocando a seca. Uma das consequências é que tivemos um mês de fevereiro muito quente. Quando esse sistema arrefeceu, em abril, a temporada de chuvas já havia acabado.

É possível pôr a culpa no aquecimento global?
O planeta está mais quente e há mais vapor de água na atmosfera. É um fato. Então, a probabilidade de ter nuvens, tempestades e ventanias aumenta. Nos anos em que não há chuvas demais, prevalece o cenário oposto. Vai-se então de um extremo a outro. Na Amazônia, há uma alternância de secas e inundações desde 2005, quando aconteceu a maior estiagem até então. Em 2010 o quadro foi ainda mais severo. Mas em 2009 a região viveu uma inundação recorde, que foi quebrado pelo excesso de chuvas de 2012, e novamente em 2014.

Em dez anos, a Amazônia teve as duas mais intensas estiagens e também as três piores inundações. De acordo com as conclusões do IPCC, da ONU, essa variabilidade maior entre extremos é provavelmente fruto do aquecimento global. Sobre o que está acontecendo em São Paulo e na região da Cantareira, contudo, prefiro ser mais cauteloso.

Por quê?
Há outras complicações. Em anos anteriores, em São Paulo ocorreram chuvas muito intensas, que causaram inundações três vezes mais frequentes do que há setenta ou oitenta anos. A temperatura média na cidade está de 2 a 4 graus mais alta do que no início do século passado. A causa mais provável dessa alteração no microclima de São Paulo é a urbanização.

Com a troca radical de vegetação por asfalto e concreto, São Paulo se tornou uma ilha de calor. O aumento de 30% na média anual de chuvas na cidade nesse período se deveu à elevação da temperatura. Nasci e vivi em São Paulo até os 17 anos. Eu me lembro da inundação no Mercado Municipal pelo transbordamento das águas do Rio Tamanduateí. Foi marcante por ser um evento raro. Atualmente isso vinha acontecendo duas ou três vezes por ano. É preciso estudar se o regime de chuvas alterado na área urbana de São Paulo tem relação com a estiagem na região da Cantareira.

O Brasil deixou de ser menos exposto a desastres naturais em comparação a outros países, como se costumava acreditar?
Existia aqui uma crença de que o Brasil era um país abençoado por Deus. Falava-se com orgulho que não havia furacão, terremoto nem nevasca. Era enrolação sem base na realidade. O Brasil sempre foi um país muito afetado por chuvas intensas, torrenciais, deslizamentos de terra e secas muito pronunciadas no Nordeste. A tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, acabou com essa falsa ideia. A morte de mais de 900 pessoas naquele episódio forçou uma mudança de paradigma. Hoje não há dúvida de que o Brasil é um país propenso a desastres naturais e que é preciso ter uma política pública para diminuir a vulnerabilidade da população e das atividades econômicas.

A seca no Sudeste também está ajudando a derrubar esse antigo mito?
O que a escassez está fazendo agora é sepultar outro mito: o de que o Brasil é um país com muita água. Dizia-se que o país tinha uma das maiores disponibilidades hídricas do mundo, embora com alguns desequilíbrios no Nordeste, mais seco. Não é verdade. Na média, está correto dizer que no Brasil há muita água, mas ela está mais concentrada na Amazônia. Esse não é um recurso distribuído igualmente em todo o território. A seca no Sudeste, então, deve servir de aprendizado. É preciso que todos entendam que a água é um bem escasso em muitas áreas do Brasil.

Como a estiagem poderia ser contornada?
Talvez seja necessário que ocorra valorização econômica da água, que hoje custa muito pouco. Por ser tão barata, a água sempre foi desperdiçada e nunca houve incentivo para elevar a eficiência de seu uso. Um aumento de preço mudaria esse comportamento. Também será preciso redimensionar os reservatórios de água e investir mais nessa área. Não se sabe quanto tempo esse quadro adverso de seca vai durar, mas com certeza absoluta ele vai se repetir com mais frequência.

Será imperativo guardar o excesso de água em uma estação para dispor de reservas no ano seguinte. Não há um cenário apocalíptico no horizonte, com falta de água expulsando as pessoas de grandes cidades ou escassez de comida, mas é certo que haverá outros anos de seca. Talvez dois ou três, em sequência. Até mais. Por isso, temos de nos preparar.

Entre as soluções mais óbvias estão aumentar o número de reservatórios, buscar outras fontes de água, incentivar o reúso e desperdiçar menos. Em Israel e na Alemanha, o esgoto é tratado e a água limpa é lançada de volta aos reservatórios.

Além desses, há outros exemplos no mundo que poderiam ser copiados?
Um bom caso é o de Nova York. O sistema de lá capta água para o consumo humano a mais de 200 quilômetros de distância, nas montanhas a noroeste da cidade, na fronteira com o Canadá. Em tese, os americanos não precisariam fazer isso agora. Mas eles estão levando em conta que o aumento da temperatura no verão significará maior evaporação das suas fontes. Então começaram a fazer hoje aquilo que só seria necessário daqui a cinquenta anos.

A tecnologia tem permitido que a agricultura brasileira sofra menos com a seca?
As plantações irrigadas são menos atingidas, mas a maior parte da agricultura ainda depende da chuva. Ao olhar os números nacionais, o impacto não parece tão grande. Como o Brasil é muito extenso e tem uma agricultura bastante diversificada em todas as regiões, existe sempre uma compensação. Não há um fenômeno único capaz de atingir todo o território. No Sul e no Nordeste, por exemplo, a seca não foi muito pronunciada. Quando se olha apenas para o Sudeste, contudo, é inegável que o efeito foi grande. A produção de cana, que depende muito das chuvas de verão, registrou perdas.

De que maneira os produtores rurais poderão se proteger no futuro?
É necessário um novo zoneamento agrícola, que respeite os caprichos do clima. Antes de plantar, será preciso estudar o que acontecerá com aquela região dali em diante. Também será necessário desenvolver espécies mais resistentes a secas e a altas temperaturas. Dessa maneira, seria possível evitar que ondas de calor causassem a ruptura de colheitas inteiras. A Embrapa já tem um belo histórico nisso e continua trabalhando em novas espécies.

Normalmente, a solução de fortalecer a planta reduz sua produtividade. Sua energia é desviada para torná-la mais resistente, e a planta, ao final, acaba tendo menos frutos ou crescendo menos. Esse é um balanço que tem de ser alcançado ou o Brasil sofrerá muito no futuro próximo. A boa notícia é que o agricultor está mais atento a essas flutuações do que outros setores da sociedade. Ele sente isso na pele. Essa é uma área que já está se adaptando.

Essas alterações também provocarão mudanças na vegetação nativa?
Até o fim do século, existe, sim, essa possibilidade. Os estudos indicam que muitas espécies do cerrado migrarão para o Sul. A mesma coisa deve acontecer com espécies da Mata Atlântica. Daqui a cinquenta ou 100 anos, áreas de Mato Grosso do Sul e do Paraná terão um novo clima, mais propício a espécies do cerrado e da Mata Atlântica.

O Rio Grande do Sul poderá ficar mais parecido com São Paulo em termos de vegetação. Em Santa Catarina, a estação fria de inverno ficará mais amena. Em trinta ou quarenta anos, Santa Catarina vai se tornar um grande produtor de frutas tropicais. Na Amazônia, o impacto será maior. Muitas regiões poderão não ter mais florestas. Ficarão quentes demais, com uma estação de seca mais pronunciada. Ao sul e ao leste da floresta, há tendência de aparecimento de savanas.

Os brasileiros aprendem na escola a classificar regiões do Brasil de acordo com o clima. Esse mapa caducou?
Não resta dúvida de que o clima está mudando e que os livros didáticos precisam ser revistos. O que está em curso é uma tropicalização das regiões consideradas subtropicais, que perdem o prefixo "sub". Em vez de quatro, elas terão praticamente duas estações: o verão, mais quente e seco, e o inverno, chuvoso e frio. As estatísticas mostram que, nas regiões consideradas como subtropicais - o Estado de São Paulo, parte do Centro-Oeste e do Sul -, os meses mais quentes do ano eram janeiro e fevereiro. No futuro, deverão ser outubro e novembro.

Os últimos dias em São Paulo e no Rio de Janeiro foram especialmente de muito calor. Isso é resultado dessa tropicalização?
Exatamente. Muitas vezes os recordes de temperatura no Sudeste estão sendo registrados em outubro e novembro. Esse é o momento em que estaríamos saindo do inverno e entrando na primavera. Esses dias, que também são mais secos, atrasam o início da estação chuvosa. A tendência é de que essa seja a regra no futuro.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Estudo técnico aborda a sustentabilidade na construção civil


O setor de construção gera grandes volumes de resíduos
Publicação "Aspectos da Construção Sustentável no Brasil e Promoção de Políticas Públicas" é uma parceria entre Ministério do Meio Ambiente, PNUMA e CBCS

Por: Tinna Oliveira - Edição: Vicente Tardin

O estudo técnico “Aspectos da Construção Sustentável no Brasil e Promoção de Políticas Públicas", encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) ao Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) e feito em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), traz a perspectiva de como avançar a sustentabilidade na construção civil.
O principal objetivo do estudo é servir de subsídio para que o governo federal desenvolva futuras políticas de promoção da construção civil sustentável, com recomendações para o aprimoramento do desempenho do setor.
A iniciativa faz parte da preparação para subsidiar o 2º ciclo do Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis (PPCS), previsto para acontecer de 2015 a 2018. O PPCS foi lançado pelo MMA, por meio do departamento de Produção e Consumo Sustentáveis, em 2011, com o objetivo de fomentar políticas, programas e ações que promovam a produção e o consumo sustentáveis no país.
A publicação traz uma pesquisa que foi realizada com profissionais do setor, além de abordar as necessidades e oportunidades do ramo. O estudo técnico propõe ações para eficiência energética, uso racional de água e destinação de materiais no ambiente construído.
O setor da construção tem alto consumo de recursos naturais e gera grandes volumes de resíduos. O Conselho Internacional da Construção (CIB) aponta a indústria da construção como o setor que mais consome recursos naturais e utiliza energia de forma intensiva. Estima-se que mais de 50% dos resíduos sólidos gerados pelo conjunto das atividades humanas sejam provenientes da construção.
DESAFIOS
A publicação também aborda desafios do setor, como a necessidade de ampliar o conhecimento sobre o tema construção sustentável, de realizar campanhas de esclarecimento à população, de desenvolver capacitações técnicas dos envolvidos, de criar ferramentas específicas, de disponibilizar novos incentivos e linhas de financiamentos e de demandar legislação e regulamentos específicos.
O estudo foi lançado nesta semana durante o 7º Simpósio Brasileiro de Construção Sustentável, em São Paulo, organizado pelo CBCS e contou com a participação de representantes do setor público, da academia e do mercado. O estudo foi encomendado ao CBCS por congregar experiência técnica em áreas estratégicas e reunir diferentes profissionais do setor da construção.
Assessoria de Comunicação Social (Ascom/MMA) – Telefone: 61.2028 1227

Rios do Imbé também sofrem com a falta de chuvas

Nem os rios da região do Imbé, como os dois principais, Mocotó e Imbé, conseguem resistir à falta de chuvas e assim como o Rio Paraíba do Sul, também estão com seus níveis em baixa. De acordo com a Secretaria Municipal de Defesa Civil, sem as chuvas, as nascentes acabam prejudicadas e um sintoma disso é a própria Lagoa de Cima, que está com a cota reduzida. A estiagem afeta toda a região Sudeste do país.

- Não somente na região do Imbé, mas todos os mananciais estão comprometidos - disse o subsecretário de Defesa Civil, major Edison Pessanha. Os Rios Mocotó e Imbé desaguam na Lagoa de Cima e seguem para o Rio Ururaí, daí para a Lagoa Feia, Canal das Flechas até chegar ao mar entre o Farol de São Tomé e Barra do Furado. 

Para os próximos dias não há previsão de chuvas suficientes para mudar a situação atual. Neste domingo (9) e na segunda-feira (10) é esperada uma chuva que deverá chegar a 30 milímetros e 15 milímetros respectivamente. Nesta sexta-feira (7) o nível do Rio Paraíba do Sul continuava em baixa, com a cota 4,65 metros, segundo a medição da Defesa Civil Municipal.

Por: Marcio Fernandes - Foto: Secom -  08/11/2014 09:32:55

Reprodução do Globo online
Reprodução do Globo online


A situação dos reservatórios de água que abastecem o Rio de Janeiro, que captam água no rio Paraíba é dramática, a pior desde 1978. Especialistas vêm alertando seguidamente sobre o risco que o Rio de Janeiro corre se São Paulo captar água do sistema do Paraíba. É preciso ver bem essa questão. Pezão diz que não quer briga, mas quando se trata dos interesses do povo e do risco de desabastecimento de água é preciso ser firme. Pezão quer passar imagem de bonzinho, mas nesta hora o Rio precisa é de alguém que defenda nossos interesses de forma enérgica. Senão vamos ficar no prejuízo. 

domingo, 9 de novembro de 2014

As ilhas artificiais de Pequim

As ilhas artificiais de Pequim

Em uma região marítima envolta em tensas disputas entre sete países asiáticos, a China constrói ilhas artificiais para poder reivindicar o território

FILLIPE MAURO
02/11/2014 10h00 - Atualizado em 02/11/2014 10h27
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Foto feita por aviões de vigilância filipinos em fevereiro mostram cargueiros chineses aterrando ilhas no Mar do Sul da China. Os chineses vem construindo ilhas na região para alegar que detém o território,disputado por vários países (Foto: AP Photo/Philippine Department of Foreign Affairs, File)

Uma das tensões com maior potencial de dano à geopolítica e à economia internacional não está no Oriente Médio ou em algum enclave dos Bálcãs. Ela borbulha há anos em águas bem distantes dessas históricas zonas de conflito, em uma das rotas mais prósperas do comércio internacional. Assim é a vida às margens do Mar do Sul da China, onde se encontram as ilhas Spratly, Paracel e Scarborough Shoal, uma região que viu florescer, nos últimos anos, diversos incidentes diplomáticos e tensas disputas, quase todos envolvendo a China. A área em questão se estende por mais de 410 mil quilômetros quadrados e tem sua soberania disputada em diferentes trechos por China, Taiwan, Filipinas, Vietnã, Malásia, Indonésia e Brunei.
A região é formada por fragmentados arquipélagos sobre os quais não há nenhuma fronteira precisa e bem delimitada. De acordo com a regulação internacional adotada pela ONU em 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), cada país tem uma área de 200 milhas náuticas de exclusividade econômica frente à costa, mas por causa da proximidade entre eles, muitas vezes os limites se sobrepõem, causando disputas. No caso da China, boa parte da distância da costa excede esse limite, mas Pequim argumenta que há mais de dois mil anos a região é predominantemente chinesa.
Como os contornos das ilhas são a base de demarcação de qualquer espaço marítimo, navegar por lá não é o que se pode chamar de uma opção segura. Há sempre grande probabilidade de entrar em zonas contestadas e de se deparar com uma fragata chinesa. Ou, ainda, com uma das mais surpreendentes e novas invenções de Pequim: a fabricação de ilhas. Como meio de se impor perante os outros países envolvidos na disputa, militares chineses agora se empenham na construção de grandes bancos artificiais de areia, onde instalam armazéns, portos e até mesmo pistas de pouso. A ideia por trás dos empreendimentos chineses é simples: por que disputar ilhas com outros países se é possível criá-las?
Southwest Cay, conhecida como Pugad Island, é uma micro-ilha controlada pelo Vietnã, parte das ilhas Spratly, um conjunto de ilhas disputado por vários países no Mar do Sul da China (Foto: DigitalGlobe via Getty Images)
Até os últimos meses, a China desenhava sua estratégia de controle do Mar do Sul pelo princípio de uti possidetis (do latim, “como possui, assim possuirá”). Em outras palavras, tentava ocupar de forma permanente as ilhas já existentes na região, enviando colonos e implementando sua burocracia. Foi o caso da ilha de Yongxing, onde Pequim planejou construir a menor cidade do país, chamada Sansha. A ideia era elevar o número de habitantes e inaugurar uma câmara municipal com capacidade para 60 parlamentares. Tudo isso em vastos 2 km². Seus habitantes nunca foram mais de 200. Todos vizinhos de uma desproporcional pista de pouso, com 2,5 quilômetros de extensão.
As ilhas artificiais são um segundo passo dessa tática. “Nessa questão, é a terra que domina o mar”, afirma Clive Schofield, pesquisador do Centro Nacional de Recursos e Segurança Oceânica da Austrália. Para ele, esse princípio sintetiza as intenções chinesas. “Apenas territórios onde há soberania determinam as fronteiras marítimas", afirma. É como se pouco a pouco a China reivindicasse uma parte maior do Mar do Sul, reproduzindo o que fez com a ilha de Yongxing e sua cidade, Sansha.
Além da disposição intricada dos países do Mar do Sul da China, há uma série de fatores que contribuem para o agravamento das tensões. O primeiro deles é o intenso fluxo de embarcações cargueiras por aquelas águas. O Mar do Sul é um dos principais eixos de navegação por onde passam volumes gigantescos de mercadorias e insumos - chamados de SLOCs, ou “linhas de comunicação oceânica”. É por lá que o petróleo extraído do Oriente Médio chega à costa leste da China, uma das regiões mais industrializadas e aquecidas do mundo.
Segundo dados da Agência Americana de Informação Energética (EIA), uma média de 13 milhões de barris de petróleo foram distribuídos pela região ao longo de 2011. Schofield ressalva que, com a recente queda no PIB chinês, hoje esses valores podem ser um pouco menores, mas “continuam expressivos”. Controlar a região é possuir um privilégio precioso dentro das relações comerciais internacionais.
Para além do fator estratégico, houve por muito tempo especulações a respeito do potencial energético e mineral próprio da região. Acreditava-se que tamanha ambição da China, por ilhas sem qualquer atrativo aparente, pudesse ser justificada pela existência de bacias e petróleo e gás natural no leito marítimo. A informação foi confirmada em 2013 pela EIA, em um relatório onde dizia haver reservas de 11 bilhões de barris de petróleo no Mar do Sul da China. Isso é quase equivalente à Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Antes da revelação desses dados, os únicos recursos econômicos extraídos daquelas águas vinham da pesca de países menos industrializados da região. E eles já eram tão reprimidos pelas fragatas chinesas quanto são hoje.
O brasileiro Moisés Lopes de Souza, pesquisador da Universidade Nacional de Chengchi, em Taiwan, acrescenta a importância de um terceiro ator na disputa, para além da China e dos países do Sudeste Asiático. As tensões no Mar do Sul da China são vistas com enorme atenção pelos Estados Unidos. Segundo Souza, “mais de 20% do comércio exterior dos Estados Unidos tem como destino mercados que somente são alcançados por aquelas rotas”. Quando as primeiras ilhas artificiais chinesas começaram a ser implantadas, em meados de 2013, Obama autorizou o aumento do contingente de oficiais da marinha para a base Robertson Barracks, em Darwin, na Austrália. A oposição chinesa foi imediata. “Não é a toa que os países da região, despeito de suas diferenças, ainda defendem a presença dos Estados Unidos na região como um contraponto a assertividade chinesa”, afirma Moisés.
O presidente chinês, Xi Jinping, recebe o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, no Grande Salão do Povo em Pequim, na China  (Foto: AP Photo/Andy Wong)
A sucessão do presidente Hu Jintao por Xi Jinping apenas agravou esse quadro. Xi Jinping é considerado um reformador dentro do Partido Comunista Chinês. Dedicou seus próximos anos de governo à luta contra a corrupção e à retomada do antigo “Sonho Chinês” prometido na década de 1930 por Mao Tsé-Tung. Esse “sonho” inclui não apenas maior qualidade de vida e prosperidade geral, mas também a união da pátria chinesa. Nesse sentido, “Macau e Hong-Kong já foram ‘recuperados’, Taiwan e os territórios no Mar do Sul da China seriam os próximos da lista”, explica Moisés.
Ao mesmo tempo em que ampliam o alcance do militarismo chinês, as ilhas artificiais deixam várias dúvidas a respeito de sua eficiência para o projeto chinês. Clive Schofield diz que a a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, a UNCLOS, é um dos documentos jurídicos mais completos já escritos e considera difícil “deformar” fronteiras por meio de ilhas artificiais. “Para ser considerado como referência, um território deve ser formado pela natureza; ilhas artificiais funcionam como plataformas de petróleo – não tem direito a mais que 500 metros de zona de segurança”. De ilha em ilha, os chineses aos poucos conquistam parte do Pacífico.
Se essa ilha fosse minha
Uma das disputas mais delicadas do mundo opõe China, os Estados Unidos e todo o sudeste asiático. Em jogo a exploração de uma reserva de petróleo do tamanho da Bacia de Campos e o controle de uma das rotas mais intensas de navegação.

Guerreiros climáticos do Pacífico bloqueiam o maior porto de carvão do mundo

Guerreiros climáticos do Pacífico bloqueiam o maior porto de carvão do mundo



A intenção foi chamar a atenção para as consequências da mudança climática nesses países. A Austrália é o quarto maior produtor de carvão no mundo.


Por Lyndal Rowlands, da IPS
Fonte: Envolverde


canoa Guerreiros climáticos bloqueiam o maior porto de carvão do mundo
Um ativista rema rumo a um navio no porto de carvão de Newcastle, na Austrália, para chamar a atenção sobre o impacto da mudança climática nas ilhas do Pacífico. Foto: Dean Sewell/Oculi para 350.org

Nações Unidas, 21/10/2014 – Trinta ativistas contra a mudança climática oriundos de 12 pequenos países insulares do Oceano Pacífico bloquearam com suas canoas, junto com centenas de australianos em caiaques e pranchas de surf, o maior porto de exportação de carvão do mundo, em Newcastle, na Austrália. Organizado com apoio do grupo ecologista 350.org, com sede nos Estados Unidos, o ato, realizado no dia 17, atrasou a saída de oito dos 12 navios que passaram pelo porto durante as nove horas de bloqueio.
A intenção foi chamar a atenção para as consequências da mudança climática nesses países. Os ativistas, que se autodenominam Guerreiros Climáticos do Pacífico, eram de 12 países insulares do Pacífico, incluindo Fiji, Tuvalu, Tokelau, Micronésia, Vanuatu, Ilhas Salomão, Tonga, Samoa, Papua Nova Guiné e Niue. “Queremos que a Austrália recorde que faz parte do Pacífico e que somos uma família, e ter esta família significa que permanecemos juntos. Não podemos permitir que um dos irmãos mais velhos destrua tudo”, declarou à IPS Mikaele Maiava, um dos ativistas.
A Austrália é o quarto maior produtor de carvão no mundo. “Assim, queremos que a comunidade australiana, especialmente os líderes da Austrália, pensem em algo mais além de seus bolsos… na humanidade, não apenas para o povo australiano, mas para todos”, acrescentou Mikaele, nascido em Tokelau.
Ao discursar na inauguração de uma mina de carvão no dia 13, o primeiro-ministro australiano, Tony Abbott, disse que “o carvão é bom para a humanidade”. Porém, Mikaele discorda. “Falamos de humanidade. A humanidade tem a ver com as pessoas perderem sua terra? Sua cultura e identidade? Tem a ver com viver com medo de que as futuras gerações já não possam viver em uma ilha bonita? Essa é a resposta para o futuro?”, questionou o ativista.
Mikaele afirmou que ele e seus companheiros estão conscientes de que sua luta não se limita ao Pacífico, e que a mudança climática também afeta outros países do Sul em desenvolvimento. “Estamos conscientes de que essa luta não é só pelo Pacífico. A mensagem que queremos passar, sobretudo aos governantes, é que somos seres humanos. Essa luta não se trata só de nossa terra, mas é pela sobrevivência”, ressaltou.
Mikaele contou como seu país já sofre as consequências da mudança climática: “Vemos mudanças nos padrões climáticos e também vemos a ameaça para nossa segurança alimentar. É difícil gerar um futuro sustentável se a terra já não é tão fértil e os cultivos não crescem devido à invasão da água salgada”.
guerreros Guerreiros climáticos bloqueiam o maior porto de carvão do mundo
Mikaele Maiava, de Tokelau, com outros ativistas da Guerreiros Climáticos do Pacífico no porto de carvão de Newcastle, na Austrália. Foto: Dean Sewell/Oculi para 350.org

A costa de Tokelau sofre erosão. “A linha costeira está mudando. Há 15 anos, quando ia para a escola, podia caminhar em linha reta. Agora tenho que andar por uma linha torcida porque a praia sofreu a erosão”, contou Mikaele. Tokelau se converteu no primeiro país do mundo a utilizar 100% de energia renovável quando adotou a energia solar em 2012 para abastecer sua população, de aproximadamente 1.400 pessoas.
Mikaele e seus companheiros ativistas construíram com as próprias mãos as canoas que trouxeram para a Austrália para o protesto, o meio tradicional de transporte e pesca em seus países. Outra “guerreira” climática, Kathy Jetnil-Kijiner, das Ilhas Marshall, fez chorar o público presente na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro, ao ler um poema escrito por sua pequena filha, Matafele Peinam.
“Ninguém se mudará, ninguém perderá sua terra natal, ninguém se converterá em um refugiado da mudança climática. Ou deveria dizer ninguém mais. Aos ilhéus de Carteret, em Papua Nova Guiné, e aos de Taro, em Fiji, aproveito este momento para pedir-lhes desculpas”, afirmou Jetnil-Kijiner, se referindo aos que são considerados os primeiros refugiados climáticos do mundo.
O Fórum das Ilhas do Pacífico qualificou a mudança climática como “maior ameaça para os meios de vida, a segurança e o bem-estar dos povos” da região. Segundo Jetnil-Kijiner, “a mudança climática é uma ameaça imediata e grave para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza em muitos países insulares do Pacífico, e para a própria sobrevivência de alguns”.
“Entretanto, esses países estão entre os menos capazes de se adaptar e responder a esta mudança, e as consequências que enfrentam são desproporcionais em relação à sua minúscula contribuição coletiva para as emissões mundiais” dos gases-estufa, ressaltou Jetnil-Kijiner. As autoridades das ilhas do Pacífico redobraram suas cobranças e desafiaram o governo australiano a não demorar mais na adoção de medidas contra a mudança climática.
“A Austrália é um país do Pacífico. Ao optar por desmantelar suas políticas climáticas, se retirar das negociações internacionais e seguir adiante com a expansão de sua indústria de combustíveis fósseis está totalmente em desacordo com o resto da região”, afirmou Simon Bradshaw, da organização Oxfam. “Os vizinhos mais próximos da Austrália identificam sistematicamente a mudança climática como seu maior desafio e prioridade absoluta. Portanto, é inevitável que as ações recentes de Canberra repercutam em sua relação com as ilhas do Pacífico”, acrescentou.
“Uma pesquisa recente encomendada pela Oxfam mostra que 60% dos australianos acreditam que a mudança climática tem consequências negativas na capacidade da população dos países mais pobres para cultivar alimentos e ter acesso a eles, chegando a 68% entre a faixa etária de 18 aos 34 anos”, destacou Bradshaw.