quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Construção civil é novo alvo na luta da madeira sustentável

Construção civil é novo alvo na luta da madeira sustentável

O desafio é convencer a maior consumidora de madeira do país, a construção civil, a optar apenas por material com certificação. Já tem empresa dando bom exemplo

Lygia Haydée, de 
Divulgação AMATA
Madeira certificada
Brasil tem capacidade para fornecer 12,3 milhões de metros cúbicos de madeira certificada, ainda nicho no país
São Paulo – Madeira com certificação não é nenhuma novidade no Brasil. Desde a criação do Conselho Brasileiro de Manejo Florestal (FSC Brasil), já se vão lá 20 anos. Mas apesar da garantia que o selo traz contra o desmatamento, o uso de material certificado é ainda um nicho no país. Contra este cenário, a mais recente batalha do FSC faz todo sentido: conquistar a grande - e poderosa - indústria da construção civil, a maior consumidora nacional de madeira.  
“Ao comprar produtos certificados, é sabido que aquela matéria-prima florestal foi explorada através de técnicas de manejo e que foram aplicadas localmente as leis ambientais e trabalhistas”, diz Maurício Bernardes, gerente de Desenvolvimento Tecnológico da Tecnisa.
A empresa passou a usar 100% de madeira certificada em seus empreendimentos. Cada certificado FSC recebe um selo com número próprio, que garante a sua credibilidade.
O problema no convencimento às companhias de construção ainda é o preço. Hoje, a madeira certificada custa mais que a madeira considerada legal, porém sem o selo de certificação.
Parte dessa chamada madeira legal, porém, pode esconder madeira ilegal camuflada, o que não acontece naquelas com o selo.
“O nosso grande desafio é combater a ilegalidade e o desmatamento. E para garantir que isso aconteça, devemos promover o manejo florestal responsável e o uso da madeira certificada”, avalia a Secretária Executiva do FSC Brasil, Fabíola Zerbini.
O potencial do país é enorme. Estudo mostra que a área certificada aumentou cerca de 1 milhão de hectares no último ano. O Brasil está em 5º lugar em área total certificada, hoje em mais de 7 milhões de hectares de florestas, segundo o FSC, ONG sem fins lucrativos. São mais de 950 empreendimentos certificados
"E ainda há muito para crescer, uma vez que apenas 3% das florestas amazônicas passíveis de serem manejadas são certificadas”, afirma Fabíola Zerbini.
Pesquisa com o mapeamento da oferta de madeira certificada disponível no mercado descobriu que o Brasil tem capacidade para fornecer 12,3 milhões de metros cúbicos de madeira certificada, mas que a baixa demanda não estimula a certificação de novas áreas.
Conquista
Um avanço inegável na construção civil é o Leed, certificação para prédios e edifícios verdes. Quem quiser obtê-la terá de usar madeira certificada. E bancos também já estão cobrando o uso desse material para aprovar financiamentos para empreendimentos.

Projeto determina gratuidade de estacionamentos

Projeto determina gratuidade de estacionamentos

A medida vale para estacionamentos de shoppings, supermercados, aeroportos, rodoviárias e hospitais.
Arquivo/ Beto Oliveira
Marcio Bittar
Proposta de Marcio Bittar limita a gratuidade a três horas. 
Os shopping centers, supermercados, aeroportos, rodoviárias e hospitais podem ficar proibidos de cobrar tarifa de estacionamento em alguns casos. A medida está prevista no Projeto de Lei 5130/13, do deputado Marcio Bittar (PSDB-AC), que limita a gratuidade a três horas de estacionamento.
Pela proposta, os clientes que apresentarem nota fiscal de compra no shopping no dia do estacionamento ficarão livres da tarifa. Já nas rodoviárias e nos aeroportos, o benefício será garantido àqueles que apresentarem cartão de embarque ou desembarque referente ao mesmo dia. Os estacionamentos de hospitais serão gratuitos para aqueles que comprovarem consulta, exame ou visita a enfermo.
Após as três horas gratuitas, os estabelecimentos poderão cobrar normalmente pelo uso do estacionamento.
Inconstitucionais
Marcio Bittar explicou que assembleias legislativas já aprovaram leis que garantem esse benefício, mas os tribunais de Justiça vêm declarando essas normas inconstitucionais. Um dos argumentos levantados é que a lei sobre o assunto deveria ser federal. “O projeto pretende, portanto, preencher essa lacuna na legislação, extinguindo a polêmica ”, disse.
Tramitação
A proposta, que tramita de forma conclusiva, será analisada pelas comissões de Defesa do Consumidor; de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Íntegra da proposta:

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Apesar de progressos, saneamento é ‘sonho distante’ para milhões de brasileiros, diz relatora da ONU

Apesar de progressos, saneamento é ‘sonho distante’ para milhões de brasileiros, diz relatora da ONU

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Relatora especial das Nações Unidas para o direito à água e saneamento, Catarina de Albuquerque vistou o Brasil pela primeira vez lembrou que 52% da população ainda não tem coleta de esgoto e somente 38% do esgoto recolhido é tratado.
Visita da relatora ao Complexo do Alemão, conjunto de favelas no Rio de Janeiro. Foto: UNDSS/Paulo Rodrigues
Visita da relatora ao Complexo do Alemão, conjunto de favelas no Rio de Janeiro. Foto: UNDSS/Paulo Rodrigues
A relatora especial das Nações Unidas para o direito à água e saneamento, Catarina de Albuquerque, instou nesta quinta-feira (19) as autoridades brasileiras nas esferas federal, estadual e municipal a dar prioridade aos mais pobres e marginalizados, “para assegurar que a eliminação progressiva das desigualdades no país e que todos tenham acesso a água e saneamento”.
“Ninguém deve ser deixado de lado”, afirmou Catarina de Albuquerque no final da sua primeira missão oficialao Brasil, destinada a avaliar os progressos e desafios que o país ainda enfrenta na realização dos direitos humanos à água e saneamento.
A perita congratulou-se com os significativos progressos alcançados pelo Brasil na realização dos direitos à água e saneamento. “O recentemente adotado PlanSab é um excelente documento que irá guiar as ações a nível nacional nos próximos 20 anos”, afirmou. “Também fiquei positivamente impressionada com os compromissos financeiros na ordem dos 300 bilhões de reais destinados, através do orçamento federal, ao setor.”
“Mas o Brasil é um pais de contrastes”, disse a relatora especial. “Fiquei chocada com a miséria que observei e com a falta de acesso ao saneamento por segmentos significativos da população. Trata-se fundamentalmente de pessoas que vivem nas favelas e em áreas rurais.”
“A situação das pessoas nas favelas e nos assentamentos informais não pode ser esquecida. E, apesar de reconhecer os progressos feitos neste âmbito, a verdade é que ainda existem milhões de brasileiros a viver em situações deploráveis, onde o acesso ao saneamento não passa de um sonho distante.”
“Apesar dos exemplos positivos em termos de participação social no âmbito de alguns dos programas sociais e instituições governamentais, fiquei especialmente impressionada durante o meu contato com muitos brasileiros que repetidamente – nas diferentes regiões que visitei – me disseram que ainda se sentiam invisíveis e esquecidos pelos poderes públicos.”
Catarina de Albuquerque documentou profundas desigualdades no acesso ao saneamento entre as diferentes regiões do país, sendo a região Norte a mais afetada. Enquanto que em Sorocaba (São Paulo) a taxa de tratamento de esgoto é de 93,6%, em Macapá (Amapá) ela é de apenas 5.5%.
Na área do esgoto, a perita explicou que “a baixa taxa de cobertura não corresponde aos avanços feitos pelo Brasil moderno em outras áreas, já que 52% da população ainda não tem coleta de esgoto e somente 38% do esgoto recolhido é tratado. Esta situação leva muitos a viverem com os seus próprios dejetos à porta de casa.”
“O fato de o Brasil ainda ter 8 milhões de pessoas que praticam diariamente a defecação ao ar livre é inaceitável e constitui uma afronta à dignidade humana. A eliminação da defecação ao ar livre deve ser uma prioridade imediata”, destacou Catarina.
Durante a sua missão, a relatora especial recebeu várias queixas de pessoas sofrendo de diarreia e de outras doenças transmitidas pela água de má qualidade e pela falta de esgoto.
“Outra preocupação de muitas pessoas é o elevado preço das tarifas de água e esgoto, especialmente nos lugares onde estes serviços têm sido delegados a companhias que estão obtendo elevados lucros”, alertou a relatora. “As pessoas me explicaram sentirem-se sufocadas pelas elevadas contas que são obrigadas a pagar e que representam uma fatia muito significativa do orçamento familiar.”
“Eu termino a minha missão ao Brasil com um sentimento doce e amargo”, afirmou ela. “Doce, devido aos progressos realizados, à visão que o governo tem para o setor e ao empenho público em apoiar os mais vulneráveis. Amargo, porque tenho presente as vozes e caras dos vários brasileiros que conheci e com quem falei ao longo dos últimos 10 dias e para os quais o direito humano à água e saneamento ainda constitui uma realidade distante e que ainda vivem na sombra de uma sociedade em rápido desenvolvimento”.
“Eu acredito, contudo, que o Brasil está bem posicionado para fazer ainda mais progressos na realização do direito humano à água e saneamento, sendo dada prioridade às populações mais vulneráveis, pobres e marginalizadas”, sublinhou a relatora.
De 9 a 19 de dezembro, a perita independente visitou Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Belém do Pará, onde se reuniu com autoridades federais e locais, organizações da sociedade civil e prestadores de serviço. Também visitou várias zonas rurais e assentamentos informais, com o objetivo de obter informações em primeira mão relativas aos desafios ainda existentes na realização deste direito humano.
A relatora especial apresentará um relatório abrangente para uma próxima sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o qual incluirá seu parecer final e suas recomendações para o governo brasileiro.
Catarina de Albuquerque é a primeira relatora especial das Nações Unidas para o tema direito à água potável e ao saneamento. Ela foi indicada para o cargo pelo Conselho de Direitos Humanos em 2008. Catarina é professora de Direito pelas Universidades de Braga e Coimbra (Portugal) e pela Faculdade de Direito de Washington, da American University (Washington,D.C.,EUA). Ela também presta consultoria jurídica em nível sênior para o Ministério Público. Para saber mais, clique aqui.
Para obter mais informações e para agendamentos com a imprensa, contate Denise Hauser (em Brasília, +55 61 81880422, dhauser@ohchr.org).
Madoka Saji (Escritório do Alto Comissionado para os Direitos Humanos em Genebra): msaji@ohchr.org
Para informes de imprensa relativos a outros especialistas independentes das Nações Unidas:
Xabier Celaya, Direitos Humanos/Nações Unidas – Unidade de Imprensa (+ 41 22 917 9383 / xcelaya@ohchr.org)

Que mistura: as histórias curiosas da química

Que mistura: as histórias curiosas da química

Conheça as histórias mais curiosas da química e saiba como algumas substâncias foram inventadas, como funcionam e como podemos usá-las melhor.

por Rafael Kenski / Fernando Gonsales / Marcio Penna

Reprodução: AMC
Tudo é composto por substâncias químicas. O ser humano, por exemplo, é um amontoado de carbono, oxigênio, hidrogênio e outros 18 elementos. Assim como nós, todos os objetos são feitos de átomos que interagem entre si e formam uma infinidade de substâncias com propriedades diferentes. “É impossível ignorar a química porque ela está presente em todas as nossas atividades, das comidas que fazemos até o banho que tomamos”, afirma o químico Joe Schwarcz, da Universidade McGill, Canadá. Manipulando os diferentes elementos, o homem consegue – muitas vezes por acaso – formular remédios, melhorar alimentos e descobrir como a natureza funciona. Também faz coisas fantásticas como transformar pessoas em zumbis ou urina em palitos de fósforo. Nas páginas a seguir, você verá do que a química é capaz e alguns dos capítulos mais curiosos, engraçados ou úteis que essa ciência nos trouxe.
A ciência vai ao banheiro
Em 1669, o alquimista alemão Hennig Brandt começou a destilar urina humana. Ele tinha esperança de que o líquido fosse um remédio capaz de curar todas as enfermidades e que, por ser amarelo, pudesse conter ouro. Ferveu a urina e a deixou condensar, mas é claro que não encontrou nenhum metal precioso. Conseguiu apenas uma pasta branca que, quando esquentada, entrava em combustão. Brandt havia descoberto o elemento fósforo.
A urina é uma combinação de vários detritos do corpo. Entre eles estão substâncias orgânicas e fosfatos – compostos que pegam fogo facilmente quando em contato com carbono. Ao aquecer, as substâncias orgânicas se transformaram em carvão – que nada mais é do que carbono – e fizeram a mistura pegar fogo. Brandt percebeu que a descoberta era importante, mas ainda foi preciso muitas outras pesquisas antes que ela pudesse ter alguma função prática. Os palitos atuais, por exemplo, são feitos de uma massa com clorato de potássio, que reage com o fósforo presente na lixa da caixa e inicia o fogo.
A experiência de Brandt não foi, no entanto, a primeira a utilizar urina.
Essa substância é há milênios misturada a tintas para que elas consigam “pegar” melhor em tecidos e tornar as cores mais vivas. Algumas mulheres no Império Romano, por exemplo, pintavam o cabelo de amarelo com um extrato de folhas de verbasco misturado com urina. Essa propriedade começou a intrigar os cientistas no século XIX, quando foi preciso criar substâncias sintéticas que tivessem o mesmo efeito (afinal, não era fácil transportar centenas de barris de urina até as tinturarias). As pesquisas cumpriram seu objetivo e ainda trouxeram outros benefícios. Em uma das experiências, o químico alemão Adolph von Baeyer transformou o ácido úrico – um dos componentes da urina – em um novo composto, que ele chamou de ácido barbitúrico. A descoberta de Baeyer deu origem a uma série de derivados, os barbitúricos, que fizeram sucesso durante muito tempo como remédio para insônia e até hoje são usados como anestésicos em cirurgias.
A urina foi responsável por uma revolução ainda maior na química. Até o século XIX, acreditava-se que todos os materiais se dividiam em duas categorias: os inorgânicos, como rochas e metais, e os orgânicos, que eram produzidas por seres vivos e, segundo a crença da época, possuíam forças vitais que os tornavam impossíveis de serem copiados. Essa idéia caiu por terra em 1828, quando o químico alemão Friedrich Wohler misturou duas substâncias inorgânicas: cianato de prata e cloreto de amônio. A experiência resultou em cristais de uréia, um dos principais componentes da urina e que, por ser produzida por animais, era considerada uma substância orgânica. Wohler conseguiu assim mostrar que não existem diferenças entre substâncias sintéticas e naturais. A teoria da “força vital” estava derrubada, o que abriu a porta para a síntese de outras substâncias orgânicas, como vitaminas e fertilizantes. Lembre-se disso na próxima vez que for ao banheiro.
Dos celeiros ao campo de guerra
Em algum momento entre os séculos IX e X, um grupo de chineses tentava descobrir o segredo da imortalidade. Eles acreditavam que era possível atingi-la quando os princípios opostos da filosofia taoísta Yin e Yang entrassem em equilíbrio no corpo. Substâncias como o carvão e o enxofre eram tidos como ricos em Yang, enquanto o nitrato de potássio, também chamado de salitre, possuía características Yin. Não se sabe até que ponto a lenda é verdadeira, mas o produto que resultou da mistura chinesa se tornou famoso. Ao juntar essas três substâncias, o salitre fornece oxigênio para que os outros dois queimem de forma explosiva. Estava inventada a pólvora.
Não se sabe como a substância chegou à Europa, mas no século XIII já existiam estudos de como se poderia montar a mistura perfeita. Depois de muitas pesquisas, chegou-se à fórmula ideal, com 75% de salitre, 15% de carvão e 10% de enxofre.
O problema é que o principal ingrediente só era encontrado em minas na Índia e na Espanha. Os exércitos do século XVIII, que dependiam cada vez mais da pólvora, precisavam encontrar outras fontes de salitre. Por sorte, a solução estava em qualquer celeiro.
Cientistas descobriram que um pó branco que se incrustava nas paredes dos abrigos de animais era salitre, produzido pela decomposição da matéria orgânica ali presente. Surgiram então vários esquemas para produzir a substância preciosa, como depósitos repletos de lixo e esterco, molhados com urina, que eram deixados para apodrecer. Napoleão chegou a fazer uma lei ordenando que as pessoas urinassem nesses depósitos e, na Prússia, fazendeiros eram obrigados a empilhar dejetos orgânicos e guardá-los para a guerra. Essa sujeira só terminou no século XX, quando os alemães inventaram o salitre sintético.
Terror químico
A crença de que pessoas podem ser transformadas em zumbis – entidades sem alma trazidas de volta à vida depois de mortas – é muito difundida entre os praticantes do vodu no Haiti. Mais assustadores do que esses seres, no entanto, é o fato de que a química pode explicar o fenômeno.
Em 1962, o haitiano Clairvius Narcisse morreu e foi enterrado, mas reapareceu vivo 18 anos depois. Afirmou que havia tomado uma poção que o fez morrer, mas foi depois ressuscitado e forçado a trabalhar como escravo em plantações, onde era mantido sob efeito de drogas. O antropólogo americano Wade Davis investigou o caso e analisou algumas dessas “poções de zumbi” feitas pelos sacerdotes da região. Percebeu que o único ingrediente comum a todas elas era um tipo específico de baiacu. Esse peixe possui no fígado e nos órgãos sexuais um potente veneno, chamado tetrodoxina, que paralisa o sistema nervoso central e pode fazer as pessoas parecerem mortas. Ele também analisou a substância usada para manter os zumbis em estado de estupefação e percebeu que eles eram feitos da Datura stramonium, uma planta com fortes substâncias psicoativas. A imagem de uma pessoa que ressuscita para andar tonta e cambaleante pelas plantações não era, portanto, tão fora de propósito.
Ninguém sabe se a descoberta de Davis é a resposta definitiva ao mistério. Por via das dúvidas, o código penal do Haiti determina que fazer uma pessoa parecer morta a ponto de ela ser enterrada é considerado assassinato, não importa o que aconteça depois.
O ovo perfeito
Nenhum lugar da casa se parece tanto com um laboratório de química quanto a cozinha, onde diversos ingredientes são misturados, queimados, fermentados e submetidos a processos dignos de experiências científicas. Assim como no laboratório, ter noções de química é essencial para que o cozinheiro consiga preparar corretamente os pratos, até os mais simples. Veja, por exemplo, como levar à perfeição a arte de cozinhar ovos.
A clara possui água, gordura e colesterol. Também tem muitas proteínas que mudam de forma quando aquecidas. Elas se desenrolam e deixam expostas regiões na superfície que as ligam a outras proteínas, formando um emaranhado que transforma a clara no material sólido e branco que conhecemos. O ovo também tem bolhas de ar para que o filhote comece a respirar. Elas se tornam um problema quando cozinhamos porque, além de deixar o fundo do ovo chato, ainda podem aumentar a pressão interna e fazê-lo rachar. Para resolver o problema, basta furar o fundo da casca com uma agulha antes de cozinhar e colocar sal ou limão na água. Os dois ingredientes conseguem tampar o buraco porque agem sobre a clara da mesma forma que o calor: fazem as proteínas se juntarem e endurecerem antes que o ovo vaze na panela.
Há também outras maneiras pelas quais o ovo pode explodir. A casca é irregular e, ao aquecer, cada uma das partes começa a se expandir de forma diferente, o que pode levar a rachaduras. É preciso controlar a forma como ele esquenta para que isso não aconteça. Coloque o ovo em água fria, aqueça até ferver, reduza o fogo por mais 10 minutos e jogue em outro recipiente com água fria. Esse último procedimento também ajuda a eliminar aquela substância esverdeada que se forma em volta da gema. Ela surge quando o sulfeto de hidrogênio presente na clara esquenta e se expande.
O aumento de pressão o faz migrar para as regiões mais frias do ovo, como a gema, onde ele reage com o ferro e forma sulfeto de ferro, o material verde. Quando jogamos o ovo em água fria, a casca diminui de temperatura e atrai o sulfeto para longe da gema.
Finalmente, é bom saber que, quanto mais velho um ovo, mais fácil ele descasca. Ao envelhecer, ele se torna menos ácido, o que faz com que a membrana interna da casca se enfraqueça e não grude na parte branca.
É recomendável deixar os ovos ao menos uma semana na geladeira, com cuidado para que eles não estraguem.
Seguindo todas as dicas, o ovo terá formato, aparência e gosto perfeitos.
Pérolas comestíveis
No século I a.C., a rainha egípcia Cleópatra apostou com seu amante, o general romano Marco Antônio, que ela poderia dar o jantar mais caro da história. Na hora marcada, tudo o que havia sobre a mesa era uma taça cheia de vinagre. Cleópatra retirou cuidadosamente seus brincos de pérolas, esmagou-os e jogou os restos na vasilha, onde se dissolveram. A rainha egípcia não só ganhou a aposta como inventou um novo produto: os suplementos de cálcio.
Pérolas são compostas de carbonato de cálcio, uma substância que pode ser encontrada em muitas das pílulas vitamínicas vendidas nas farmácias. O cálcio é o mineral mais abundante no corpo humano. Ele é necessário na renovação dos ossos, na coagulação do sangue, no funcionamento dos tecidos nervosos e na contração dos músculos. Todas essas funções são prejudicadas pela falta desse mineral, mas uma de suas conseqüências mais graves é a osteoporose, doença em que os ossos se enfraquecem. Repor cálcio é importante, não importa a fonte: pode ser desde pérolas até pedaços de giz. É mais fácil, no entanto, ingerir em laticínios, vegetais como o brócolis e sucos.
Os benefícios desse mineral são tantos que há quem acredite que ele pode até diminuir a violência. O cálcio dificulta a absorção de ferro e manganês pelo cérebro. Um estudo feito no Dartmouth College, Estados Unidos, afirmou que altos índices desses elementos no sangue aumentam as chances de a pessoa cometer roubos e assassinatos. É evidente que a solução para o crime não é tão simples, mas se a hipótese for mesmo comprovada, alguns litros de leite poderão ajudar a diminuir a violência em nossas cidades. Cada comida é uma reunião de químicos que estimulam de forma diferente o olfato e o paladar. São eles que, junto à textura que sentimos ao mastigar, dão a cada alimento seu gosto único. No queijo camembert, por exemplo, grande parte do cheiro e do sabor vêm do ácido butírico e do metil-mercaptan que ele libera.
Esses compostos são, curiosamente, encontrados também no insuportável cheiro que o pé humano emite em seus piores momentos. O motivo é que tanto o queijo quanto os calçados fedorentos estão infectados de fungos. Eles foram parar nos queijos por acaso e continuam lá até hoje porque, apesar do cheiro, transformam proteínas e gorduras nas diversas substâncias que dão gosto a esses petiscos.
A origem do sabor
Todos os queijos são feitos de modo parecido. O leite é aquecido com substâncias capazes de fazê-lo coagular (como o coalho), depois secado e deixado para envelhecer. Originalmente, alguns deles – que hoje recebem nomes como brie, camembert e roquefort – eram guardados em cavernas, onde sofriam a ação dos fungos que se proliferam nesses lugares. Cada região possui espécies diferentes desses microorganismos, que agem de modo distinto sobre os alimentos que estão lá. As cavernas de Roquefort, na França, são infestadas pelo Penicillium roquefortii, o fungo que dá a esse queijo seu gosto único. Atualmente, o efeito desses microorganismos se tornou tão desejado que eles passaram a ser exportados de suas cavernas originais para diversas partes do mundo, dando origem a “roqueforts” feitos em diversos países.
Mas nenhuma discussão sobre sabor é completa se não falarmos do chocolate. A fascinação que ele causa é tão grande que, segundo uma pesquisa do Instituto Gallup, a maioria das mulheres britânicas deixaria de fazer sexo em troca de alguns bombons.
Vários motivos contribuem para que o chocolate seja tão desejado.
O primeiro é que ele possui anandamida, uma substância que o cérebro produz para sinalizar prazer e que é quimicamente semelhante ao THC, o princípio ativo da maconha. Como a quantidade é muito pequena – seria preciso comer quilos para sentir algum efeito – alguns cientistas defendem que o chocolate também estimule a liberação de endorfinas, substâncias sintetizadas pelo cérebro e que podem levar a efeitos similares aos do ópio. Uma outra explicação é que os bombons são ricos em carboidratos, que aumentam no cérebro a quantidade de serotonina, uma substância antidepressiva.
Apesar de toda essa química cerebral, o motivo mais provável para tanta fascinação é a combinação exata de gorduras, açúcares e outros agentes de sabor que derretem na temperatura exata da boca. Dessa forma, ele consegue estimular como poucos o olfato, o paladar e a sensação de mastigar.
O nascimento do plástico
Os plásticos, que hoje estão presentes em centenas de objetos à nossa volta, foram inventados por causa dos jogos de bilhar. No século XIX, esse passatempo era uma das principais atrações entre as poucas opções de lazer da época. Ele havia se tornado tão popular que já trazia problemas: o único material capaz de produzir bolas de bilhar era o marfim, retirado dos dentes de elefantes, que estavam cada vez mais raros. Na tentativa de resolver o problema, uma companhia americana ofereceu um prêmio de 10000 dólares – na época, uma quantia gigantesca – para quem conseguisse produzir bolas sintéticas.
O americano John Hyatt foi uma das pessoas a tentar a sorte no concurso. Há uma lenda de que ele cortou seu dedo em uma experiência e tentou curá-lo com colódio, um líquido feito de nitrato de celulose que tornava as feridas impermeáveis. Só que o vidro de Hyatt havia vazado e virado uma massa sólida. Ele analisou a substância e, depois de anos de pesquisa, descobriu que uma mistura de colódio com cânfora, submetida a temperatura e pressão altas, transformava-se em uma substância moldável que ele chamou de celulóide. Foi o primeiro plástico.
A descoberta deu a Hyatt o prêmio do concurso. O material também foi utilizado em talheres, brinquedos, escovas, colares, instrumentos musicais e em centenas de outros produtos domésticos, além de dar origem aos primeiros negativos utilizados no cinema. Ele tinha o grave problema de pegar fogo facilmente, o que o levou a ser substituído por outros plásticos mais seguros e eficientes. Curiosamente, nunca funcionou de forma perfeita em bolas de bilhar, mas está presente até hoje nos salões de jogos: não há material melhor para fazer bolas de pingue-pongue do que o celulóide.
Falando pelo nariz
Os seres humanos conseguem transmitir mensagens por sinais, gestos e palavras. Para muitos espécies, no entanto, utilizar químicos é a principal forma de comunicação. Essas substâncias – chamadas de feromônios – podem alertar para situações de perigo, demarcar territórios, aproximar a fêmea de um macho e indicar um caminho a ser seguido. “Ao longo da evolução, é relativamente fácil para as espécies adaptarem o maquinário celular à produção de químicos para comunicação, guerra e outros fins”, afirma Wiliam Agosta, autor do livro sobre bioquímica Thieves, Deceivers and Killers (Ladrões, Impostores e Assassinos, inédito no Brasil).
Muitas formigas identificam outro membro de seu grupo tocando suas antenas e trocando químicos com ele. Há também espécies como a americana Protomognathus americanus, que utiliza químicos para atacar e escravizar outra formiga, a Leptothorax curvispinosus. Elas organizam batalhas nas quais conseguem facilmente a vitória graças a uma toxina que carregam. Outra estratégia é espalhar o cheiro de um predador pelo território inimigo para que eles saiam correndo. Uma vez que os adultos foram derrotados, as invasoras vão até onde estão os filhotes dos adversários e seqüestram todos os ovos e pupas que conseguem. Serão essas formigas que, ao crescer, trarão comida para o formigueiro e farão todos os trabalhos. Sem os escravos, a espécie de Protomognathus não conseguiria sobreviver.
Plantas também possuem um enorme arsenal químico para lidar com animais. A nicotina, por exemplo, é a defesa exclusiva do tabaco e de seus semelhantes para evitar ataques de herbívoros. Existem também diversas substâncias utilizadas para atrair bichos que transportam pólen entre as plantas e permitem que elas se reproduzam. A principal delas é o néctar – uma mistura de água, açúcar, aminoácidos e outros nutrientes. Abelhas o utilizam para fazer o mel, mas precisam viajar mais de 37000 vezes entre a colméia e a planta para produzir 1 quilo desse doce. Além das abelhas, existem mais de 289000 espécies de insetos que polinizam plantas, cada uma a seu modo. “Estamos ainda começando a entender como os químicos determinam as relações entre os diversos seres vivos”, diz Agosta.

As mancadas de quem não se entende com crianças

As mancadas de quem não se entende com crianças

A cartilha dos adultos sem o menor jeito com as pequenas e como evitá-la

ISABEL CLEMENTE


Pessoas que têm jeito com criança agem de diversas formas. Umas são didáticas. Simplificam bastante as ideias e chegam como tradutoras de um mundo incrível que elas desconhecem. Contam novidades. Outras ganham com empatia. Crianças quando recebem atenção de verdade se afeiçoam. As divertidas têm passe livre para o universo infantil. Com graça, estabelecem rapidamente uma ponte com o outro. O humor faz o emburrado gargalhar e o triste sorrir. Traz uma nova perspectiva. Deveria ser vendido aos quilos.

Há muitas maneiras de agradar uma criança, mas começo a desconfiar que são poucas e quase sempre as mesmas mancadas capazes de condenar ao fracasso a interação entre adultos e pessoas recém-chegadas ao mundo. São atitudes que as afastam, tais como: 
Ignorar a presença da criança

Nunca mais vou esquecer de um atendimento prestado numa emergência em Brasília. Nossa filha mais velha tinha pouco mais de 2 anos e era o que podemos definir como uma criança colaborativa. Não encrencava nas consultas médicas. Boazinha que só.

Naquela noite, no entanto, uma febre de quase 40 graus não lhe deixava em paz e nos preocupava. Ao entrarmos na pequena sala para o exame clínico, fomos recebidos por uma pediatra de jaleco branco em pé e meio de costas. De costas continuou. Pegou o bloco, a caneta e começou a nos interrogar, sem levantar o rosto para cumprimentar. Ignorou a criança. Eu me perguntava em que momento ela olharia para minha filha não só para dizer olá, mas para verificar o semblante caído, a disposição geral. O primeiro contato visual foi travado na hora do exame. De chofre, a médica pediu "abre a boquinha pra tia". Conforme esperado, a criança não abriu a boquinha. Não só porque a médica não era sua tia mas porque não tinha passado por nenhuma preliminar de bom gosto. A consulta não terminou bem, como vocês podem imaginar. Num primeiro momento, eu e meu marido tentamos convencer a criança a deixar-se examinar, diante de uma médica cada vez mais impaciente. "Se ela não colaborar, não vai dar para examinar", disse a médica, um tanto irritada, despertando meus instintos protetores. Aí a coisa desandou porque solicitei outra pediatra e deixei uma pista para a moça tentar melhorar da próxima vez. "Você sequer olhou para ela!".
Pode ser que a pessoa tenha notado a presença da criança, mas muitas vezes age como se não a tivesse visto. Olha rapidamente, diz “que bonitinha“, daí vira pro adulto do lado e pergunta “qual o nome dela? Quantos anos tem?“.

Na pressa de sermos educados, vamos logo respondendo mas não deveríamos. Esse tipo de atitude só vale se a criança não puder ou não souber falar ainda. Ou se deixar claro que não tá a fim de papo. Daí a conversa segue no andar de cima. Lembre-se: dê oportunidade para a própria criança falar de si mesma.  
Forçar intimidade
Esse é um pecado muito comum. A pessoa acaba de ser apresentada ao seu filho, daí pede beijo, abraço e outras provas de amor à primeira vista. Gente sem-noção tem pra todo lado, mas o nível de autopercepção cai muito diante dos pequenos. Queria uma explicação científica para isso. As pessoas se sentem desobrigadas de seguir certas etiquetas sociais com elas. Por quê?

É como se as crianças não tivessem direito a serem reservadas. Se ela se recusa a dar um beijo, é retraída. Se não desenvolve a conversa proposta - mesmo que chata - é tímida. O responsável tenta explicar, "não, ela não é sempre assim não, não é Fulaninha?", mas Fulaninha já deu as costas, fechou a cara e a frase se perdeu antes do fim.   
Crianças são rotuladas sem dó nem piedade. São presas fáceis para estereótipos.

Sem perceber, muitos adultos cometem um erro aparentemente inofensivo. Comportam-se como se intimidade fosse item da nossa carga genética. "Sou amiga da sua avó", diz a senhora boazinha, se apresentando. Ótimo. Eis uma informação objetiva para a criança. Aí a pessoa completa: agora senta aqui no meu colo e vem cá me contar uma coisa...Oi?
Pode ser que funcione, mas ninguém herda amizades dos avós, dos pais, dos tios ou de quem quer que seja. Para a criança, aquela pessoa, íntima da família há décadas, é uma estranha. Tem que entender isso.

Muitas vezes, por educação, queremos que nossos filhos sejam a encarnação de um manual de etiqueta, o que seria ótimo, eu sei. Temos que lembrá-los o tempo todo certos padrões. Cumprimentou? Disse “bom dia“?

Também sofro quando minhas pequenas me deixam com cara de tacho e resolvem emudecer por completo diante do inesperado. Mas preciso reconhecer que muita gente espera que o cumprimento evolua para uma incrível manifestação de apreço e sociabilidade. Não dá. Cachorrinhos fazem festinha para o primeiro que aparece. Filhote da gente, não. 
Menosprezar o gosto das crianças

Durante muito tempo, acreditei que tratar mal as crianças era bater ou simplesmente não cuidar delas com carinho. Essa é a dupla do mal que costuma assombrar famílias com bebês em casa. E é por essa preocupação que damos início à nossa nova rotina de pais. E se a babá perder a paciência com ela? For ríspida? E se a assistente da creche não tiver carinho com meu bebê? E se essa vizinha bondosa que topou me ajudar for do tipo que grita com um incapaz porque depois ninguém irá saber?

São muitos "e se" aterrorizantes que povoam nossa cabeça. Um bebê não conta depois o que se passou na nossa ausência. Com o tempo percebi o quanto estava enganada. Há muitas outras maneiras mais sutis de se tratar mal uma criança.

Faça com que elas sintam que você é uma pessoa estranha dentro de casa. Cuide mas não brinque. Alimente mas não as conquiste. Menospreze as brincadeiras delas e ignore suas preferências, mesmo as mais inofensivas. 
"Não, você não vai mais beber água no seu copinho rosa porque EU não quero", é uma frase que expressa uma infeliz necessidade de alguém exercer o poder em cima do seu filho. Soa como tortura. E é. Ao ignorar a preferência da criança sempre, um adulto estará erguendo uma invisível e intransponível barreira nesse relacionamento fadado ao fracasso.  
Dar apelidos pejorativos
Quando eu era pequena, tinha uns "tios" que adoravam me chamar de bicho-do-mato porque eu nunca queria papo com eles e me escondia atrás da minha mãe. Quanto mais eles insistiam no apelido, mais eu fugia deles. Achava insuportável ser comparada a um bicho, mesmo que esse animal habitasse o mundo das metáforas. Felizmente o apelido não pegou, bicho-do-mato cresceu e passou a ganhar a vida conversando, ouvindo e falando bastante com as pessoas. Que coisa. Você pode até estar achando que era bullying. Esquece. Era uma brincadeira de mau gosto mesmo, do tipo que ainda vemos muito por aí.

Certa vez, vi um menino de uns quatro anos tentando chutar um adulto. O homem ria e continha o garoto com o braço esticado evitando sua aproximação pela testa.

“Para, cabeção, qual é, é brincadeira“ - dizia o adulto, enquanto a criança continuava demonstrando toda sua indignação num rompante de raiva e chutes.

Eu também tive vontade de chutar.

A capacidade de uma criança absorver certas piadas que mexem diretamente com sua autoestima é muito frágil. Diria até nula em muitas circunstâncias. Xingamentos descem mal, mesmo quando eles se afastam totalmente de uma análise fiel da realidade. É muito fácil ofender alguém cujo repertório de respostas para a vida ainda está em formação.  
Falar em tatibitati

Soar doce é uma preocupação natural da parte de quem quer se aproximar de um ser delicado. Bebês são delicados e costumamos falar doce com eles, o que não significa falar errado, trocando o R pelo L, o C pelo T e por aí vai. Fica engraçado, mal não faz, mas depois que o bebê cresce e vira uma criança...

No elevador, a ascensorista puxa conversa com uma menina, 2 anos e pouco presumíveis.
– Tê tá tomanto o tuquinho todo, tá?

– Não estou entendendo o que você tá falando – respondeu a criança, que soltou o canudinho para tentar se comunicar da melhor maneira possível com a moça que falava na língua do T.

Para irritar crianças maiores, não precisa nem apelar pro tatibitati. Basta o tom, aquele típico de uma infantilização forçada, que foge do natural e irrita até quem está perto. As crianças se fecham contrariadas. Não raro, você terá que fazer cara de paisagem quando seu filho lançar para você aquele olhar de quem vai dizer em um minuto: por que estão falando assim comigo?
Agora sendo realista: estabelecer uma conversa com crianças pode ser um desafio, ainda mais se você não estiver (mais) acostumado com elas. Muita gente não sabe o que fazer, fica visivelmente desconfortável. Mesmo sendo mãe e tendo dois exemplares em casa, sei que lidar com os filhos dos outros mexe com nossas convicções. Será que minhas táticas vão funcionar com eles também?

Minha dica é trate crianças como pessoas normais. Não infantilize o vocabulário nem fique procurando frases muito simples pra se fazer entender. Se elas não entenderem, vão perguntar. Não subestime a inteligência infantil. Diminua apenas o seu tamanho. Se ela te olhar no olho, tanto melhor. Já será uma baita ajuda. Se a criança te surpreender com alguma pergunta impertinente ou constrangedora, lembre-se que o humor é sempre uma ótima saída com os pequenos. 
• Você sempre foi careca?

• Quando eu era bebê tinha mais cabelo! Eles estão caindo.

• De todas as partes do seu corpo? Até do...?   
Reconheça o valor da curiosidade. “Boa pergunta!“

“Adultos que sabem lidar com criança não sufocam seu novo conhecido com entusiasmo demais nem começam de imediato um interrogatório investigativo (Quantos anos você tem? Onde você estuda?). Na realidade, mantêm uma certa distância primeiro, deixando que a criança aqueça a relação, talvez descobrindo algum assunto de interesse dela ou em comum e perguntando a ela sobre isso“, diz Alfie Kohn, em Unconditional Parenting, livro que inspirou duas colunas anteriores sobre castigos e recompensas.

Os adultos que têm jeito com criança prestam atenção e escutam o outro, mesmo que ele tenha menos de um metro e trinta. O nome disso é respeito.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Ofensiva natureba

Ofensiva natureba

Com o aumento do índice de sobrepeso entre os cariocas, é cada vez maior a oferta de produtos e serviços para quem está em busca de uma alimentação mais saudável - e, ao mesmo tempo, saborosa

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Carolina Barbosa Veja Rio -

Marcos Pinto/Contigo!



Toda quinta-feira, por volta das 20 horas, a mesa já está posta no apartamento da chef Inês Braconnot, no Leblon, com direito a um belo arranjo de flores e a Frank Sinatra, ao fundo, cantando Fly Me to the Moon. Como mandam as regras de etiqueta em um bom restaurante, taças e talheres de diversos tamanhos escoltam o prato à espera dos convivas.

Para quem está na expectativa de um jantar classudo convencional, que custará R$ 120 por comensal, o que vem a seguir é surpreendente. No couvert, croquete de semente de girassol germinada com casquinha de gergelim, cacau e farinha de shiitake. A sequência continua com tartelete de mandioca com cogumelos sobre abacate e brócolis marinados e tem fim com uma espécie de brownie do bem. Ao contrário da versão convencional, o quitute é feito com tâmaras, castanhas-de-caju e passas e servido com calda de cacau. Acredite: tudo o que passou por ali, além de ter apresentação impecável, é delicioso e – melhor ainda – extremamente saudável.

Tais receitas exigiram horas de preparo e atenderam aos preceitos da raw food, braço do vegetarianismo que prega a ingestão apenas de alimentos crus ou aquecidos até 42 graus. “Quando comecei a seguir essa corrente, era tudo cortado, picado e misturado. Fazia bem à saúde, mas não havia nenhum requinte na forma de preparar ou servir”, lembra a cozinheira, que tem entre seus clientes o ator Paulo Betti e a designer Mana Bernardes.

Graças à popularização de técnicas culinárias apuradas e ao aumento da oferta de ingredientes mais apetitosos, a cozinha natural vem conquistando o paladar dos cariocas. Nada a ver com tofu grelhado, arroz integral ou carne de soja. O que vem acontecendo é a multiplicação de lugares e serviços que buscam oferecer uma alimentação rica em nutrientes, mas principalmente saborosa.

É um movimento que se espalha mesmo em ambientes antes dominados pelas bolinhas de queijo ou pelas trouxinhas de pato com laranja. Às lojinhas de produtos naturais, somam-se casas de festas infantis com cardápio de comidinhas orgânicas e bufês chiques que passaram a servir menus alternativos a todo tipo de público. “Hoje em dia, em qualquer evento, é preciso ter alguma coisa vegetariana, sem glúten ou lactose. Antigamente, o pessoal dizia que isso era coisa de hippie”, afirma Anna Elisa de Castro, formada pelo Natural Gourmet Institute, em Nova York, e sócia do 3 na Cozinha. Recentemente, para a festa de uma grife em Ipanema, ela preparou receitas como bifum (para quem não sabe, trata-se de um macarrão de arroz) ao molho pesto e hamburguinho de quinoa. Pensa que alguém estranhou? “Várias convidadas vieram à cozinha me pedir a receita”, conta a chef.

Longe daqueles que transformam a abstinência de carne, leite, ovo ou alimentos cozidos em profissão de fé, essa nova geração de naturebas não é adepta de radicalismos. Pelo contrário. Os seguidores da alimentação natural não abrem mão dos prazeres da gula, do chope, dos quitutes dos botequins, de um brigadeiro de chocolate belga de vez em quando. Em compensação, aventuram-se na cozinha para preparar refeições saudáveis e têm na ponta da língua (e nas prateleiras da despensa) os mais novos lançamentos das lojinhas especializadas ou da feira de orgânicos. 
Tomás Rangel
Mariana Ximenes: "Outro dia fiz um jantar naturebinha e até quem não era fã dessa comida gostou"
Trata-se de um grupo que se torna cada vez mais robusto e do qual faz parte a atrizMariana Ximenes, no ar como a vedete Aurora da novela das 6, Joia Rara, da Rede Globo. Boa de garfo, do tipo que traça sem culpa uma leitoa assada, ela sabe que não pode viver em uma eterna orgia gastronômica – como bem mostram suas medidas invejáveis: 1,65 metro de altura e 48 quilos. 

Seu café da manhã ultimamente tem sido apenas um suco verde, bebida que mistura ingredientes como couve, pepino, cenoura e linhaça germinada, além de outras folhas. Em dias de gravação, ela segue uma lição que aprendeu com a colega Claudia Raia. Carrega uma marmita recheada com legumes, verduras – todos cultivados segundo práticas sustentáveis de produção –, peixe e, eventualmente, arroz e feijão. “Não abro mão de comer o cordeiro do Nova Capela ou os bolinhos do Bracarense. Só não faço isso sempre”, afirma. “Outro dia preparei um jantar naturebinha e até quem não era fã desse tipo de comida gostou”, revela a aspirante a chef, de 32 anos.

Alçados ao posto de salvadores da boa forma, plantas, raízes e frutos fazem parte da nossa alimentação desde os primórdios da humanidade. À medida que os homens foram aprendendo a caçar, com lanças e facas, as proteínas ocuparam um espaço maior no cardápio. A dieta de carnes e folhas seguiu equilibrada durante séculos. Com a Revolução Industrial, no fim do século XVIII, porém, a comida industrializada começou a ganhar mercado como uma opção mais prática e adequada à rotina dos homens e mulheres que passaram a encarar longas jornadas de trabalho fora de casa.

Altamente calóricos e com teores elevados de aditivos químicos, os enlatados, os congelados e as opções de fast-food não saíram mais das prateleiras dos mercados, ao mesmo tempo em que a população se tornou visivelmente mais gorda. Nos Estados Unidos, três em cada cinco pessoas (61,6%) sofrem com o sobrepeso ou a obesidade. Nós não estamos muito atrás: no Rio, esse índice é de 52,4%.

Foi justamente na tentativa de exterminar esses quilos extras que começou a se desenhar no exterior, durante os anos 60, um movimento de volta às origens, com a popularização das principais correntes de alimentação natural e o desenvolvimento daagricultura orgânica. Agora esse processo chega ao seu ápice. “As pessoas nunca se preocuparam tanto com o que põem no prato. E não se trata de um modismo, mas de necessidade mesmo”, diz a nutricionista Patricia Smith.

Essa turma não gosta muito de ouvir isso, mas os agrotóxicos e fertilizantes cumprem um papel fundamental na agricultura. Sem eles, seria impossível atingir um nível de produção capaz de alimentar a população do planeta. Os orgânicos são ótimos, é cada vez mais fácil encontrá-los nas gôndolas de supermercado, em lojinhas, feiras e até restaurantes, mas comê-los ainda é um luxo. E para poucos. Eles representam apenas 1% da produção mundial, o que faz com que custem muito mais caro do que seus pares convencionais. A diferença de preço pode variar de 30% a 600%.

Adepta desse tipo de alimentação, a atriz Grazi Massafera resolveu começar a própria plantação, no terreno de casa. “Além de ser um investimento na nossa saúde, a conta do supermercado fica mais em conta”, explica.

Os produtores, no entanto, costumam defender a tese de que os benefícios em longo prazo superam o prejuízo financeiro. “No alimento convencional não está embutido o preço da poluição do solo, da água, do remédio que você pode vir a tomar, da intoxicação do produtor. Se colocarmos tudo isso na ponta do lápis, esse produto sairá muito mais caro”, afirma o ator Marcos Palmeira, que inaugurou o Armazém Vale das Palmeiras em fevereiro deste ano, no Leblon, para vender legumes, pães, queijos e vegetais de sua fazenda, na Serra Fluminense. Desde então, os pedidos já aumentaram 30%.

Em certa medida, o que está acontecendo aqui é reflexo de um movimento que vem se consolidando lá fora. Nos Estados Unidos, paraíso dos hambúrgueres, tornam-se cada vez mais populares redes de fast-food, como Pret a Manger, Lyfe Kitchen e Veggie Grill, que apostam no estilo de vida verde. A ideia nesses endereços é que o cliente faça uma refeição rápida, com tudo pronto e embalado para consumo, mas sem ingerir frituras ou outros inimigos da boa forma.

Foi justamente esse modelo que serviu de inspiração para o restaurante cariocaMarket, em Ipanema. Depois de fechar as portas por causa do preço do imóvel, ele será reaberto no mesmo bairro ainda neste mês.

Nessa mesma linha, no vizinho Leblon, ao lado da Pizzaria Guanabara, será inaugurado o Jaee, dos sócios Fred Weissmann e Maria Emanuella Severiano Ribeiro, com sessenta tipos de salada, sanduíche e suco que poderão ser incrementados com os ingredientes da moda, como a chia e o goji berry.

Partindo para o universo da alta gastronomia, além de restaurantes estrelados comoOro Le Pré Catelan, que passaram a oferecer menus vegetarianos ou light, a grande novidade será o Pomar, que chega ao Itanhangá neste ano. Para montar a casa, a chefAndrea Henrique se inspirou no Pure Food and Wine, meca da alimentação saudável em Nova York, que faz sucesso há quase uma década e atrai clientes como a atriz Katie Holmes, o jogador Tom Brady e o ex-presidente Bill Clinton. De lá trouxe a ideia de elaborar uma carta de bebidas toda orgânica, com cachaças, vinhos e drinques. “Ninguém aguenta mais tomar água com gás e comer omelete com salada fora de casa para se manter na dieta”, diz Andrea.

A maior dificuldade para aqueles que buscam esse estilo de vida muitas vezes está dentro de casa. No dia a dia, é complicado abrir mão de certos hábitos e praticidades, mas esse obstáculo está ficando mais fácil de ser vencido. Já existem inúmeros serviços de delivery – de suco verde a açaí vivo, passando por papinhas orgânicas para crianças e congelados light, detox, vegan, sem glúten ou lactose –, além de cursos para aqueles que querem aprender a preparar essas receitas.

Um dos mais concorridos é oferecido pela nutricionista Andréa Santa Rosa em parceria com Renato Caleffi, do restaurante Le Manjue Organique, em São Paulo, e vem atraindo cozinheiras de várias famosas, como Angélica, Juliana Paes e Guilhermina Guinle.

Uma das aulas de agosto, R$ 280 por pessoa, teve como tema o preparo de risotos, entre eles o de quinoa com carne de caju. Sim, carne de caju. Trata-se de um elemento recorrente na cozinha vegetariana que tem a consistência parecida com a do frango, mas nada mais é do que a fruta espremida e, depois, desfiada e cozida. “O pulo do gato é aprender a adaptar o cardápio através da substituição de alguns ingredientes por outros mais saudáveis”, afirma Caleffi. A propósito: o chef está à procura de um ponto na Zona Sul para fixar, em sociedade com Andréa e o marido, o ator e diretor Márcio Garcia, a filial carioca de seu restaurante. A ofensiva natureba está só começando.

AS TRIBOS NATUREBAS 
Os diferentes estilos e os seguidores de cada corrente de alimentação 

1. MACROBIÓTICA
Divididos em duas categorias, de acordo com a filosofia oriental do yin e yang, os alimentos devem ser combinados de forma complementar na hora da refeição. Produtos industrializados, carne vermelha, leite, laticínios e açúcar são proibidos. Fazem parte dessa tribo Madonna e Gwyneth Paltrow.

2. VEGETARIANA
Não se consomem carne vermelha nem branca, mas, dependendo do estilo do seguidor, alguns de seus derivados são permitidos. Os lactovegetarianos fazem uso de leite e laticínios. Ovos estão excluídos. Fazem parte dessa tribo Paul McCartney e Alanis Morissette.

3. VEGANA 
É o vegetarianismo ainda mais radical, quase uma filosofia de vida. Os veganos não comem nenhum alimento de origem animal, como ovos, queijo e leite, e também não fazem uso de roupas e objetos derivados dos bichos. Fazem parte dessa tribo Natalie Portman e Olivia Wilde.

4. CRUDIVORISTA
Além de proibir as carnes, esse estilo prega apenas a ingestão de alimentos crus ou aquecidos a até 42 graus, o equivalente à temperatura da palma da mão. Fazem parte dessa tribo Robin Williams e Alicia Silverstone.

5. ORGÂNICA 
Aqui a preocupação não é com o tipo de alimento que pode ser ingerido, mas com a forma como ele é cultivado, livre de insumos químicos como agrotóxicos, para evitar pragas, e fertilizantes, que aumentam a produtividade do solo. Faz parte dessa tribo Grazi Massafera.

6. SEM GLÚTEN NEM LACTOSE 
Seus seguidores não ingerem alimentos com aveia, trigo nem centeio, no primeiro caso; tampouco consomem itens como leite de vaca e de cabra, queijo, manteiga, requeijão e creme de leite, na segunda situação. Fazem parte dessa tribo Isis Valverde e Miley Cyrus.

O QUE VEM POR AÍ
Ingredientes que já estão à venda lá fora e podem se popularizar por aqui em breve

1. GOLDENBERRY
Cultivada em fazendas no entorno da Cordilheira dos Andes desde o império inca, essa frutinha, conhecida como físalis, é vendida seca. Ótima fonte de nutrientes como betacaroteno, flavonoides e vitamina A, pode ser usada em saladas, sobremesas e no preparo de biscoitos.

2. TEFF
O minúsculo grão etíope não contém glúten e é uma ótima fonte de ferro. Pode ser consumido cozido e, no exterior, sua farinha também é muito usada na fabricação de pães.

3. MACA PERUANA 
Com forma semelhante à do rabanete, esse tubérculo é pouco calórico e rico em fibras, o que dá saciedade e ajuda a emagrecer. Vendido em cápsulas ou farinha, também contém ômega-3, que ajuda a regularizar o colesterol.

4. MULBERRY
Espécie de amora seca, é ótima fonte de ferro, cálcio, vitamina C, proteínas e fibras. Também contém resveratrol, o mesmo agente antienvelhecimento encontrado no vinho tinto.

5. MULBERRY
Popular nos Estados Unidos, onde já está à venda em lojinhas e supermercados, é uma bebida feita a partir da fermentação do chá-preto ou do chá-verde com açúcar, que contribui para regenerara flora intestinal.

ROTA SAUDÁVEL 
Endereços e serviços cultuados pela nova geração de naturebas, no Rio de Janeiro

1. ARMAZÉM VALE DAS PALMEIRAS 
O espaço do ator Marcos Palmeira vende vegetais, pães, queijos e azeites orgânicos.
Endereço: Avenida Ataulfo de Paiva, 1100, loja C, Leblon, (21) 2294-0988.

2. CURSO DE CULINÁRIA FUNCIONAL 
Comandado pela nutricionista Andréa Santa Rosa, acontece duas vezes por mês.
Endereço: Rua Professor Júlio Lohman, 105, Estrada do Joá, (21) 2429-7045.

3. EMPÓRIO DA PAPINHA 
São sessenta versões feitas com orgânicos.
Endereço: Estrada da Barra da Tijuca, 1636, loja A, bloco A, Barra, (21) 2491-1699;
Rua Visconde de Pirajá, 414 (Quartier Ipanema), 2º piso.

4. ESCOLA DE CULINÁRIA NATURAL 

A chef Clara Aurora ensina a fazer pratos da culinária natural e da macrobiótica, em aulas semanais.
Endereço: Rua Barão da Torre, 81, Ipanema, (21) 2521-1729.

5. ESPERANZZA 
Faz entrega de suco vivo, açaí vivo, leite de castanhas com linhaça germinada e granola viva. Entregas pelo (21) 2484-7826.

6. INÊS BRACONNOT
Com couvert, entrada, prato principal e sobremesa, tudo cru, a chef recebe até seis pessoas para provar seu menu raw food. Reservas por e-mail.

7. JAEE
Inaugura com cardápio de sucos, sanduíches e saladas.
Endereço: Avenida Ataulfo da Paiva, 1228, loja B, Leblon.

8. MARKET 

O restaurante reabre até o fim do mês com pratinhos rápidos para comer na hora ou levar para casa.
Endereço: Rua Visconde de Pirajá, 452, loja 1, Ipanema, (21) 3283-1438.

9. POMAR 

Abre até o fim do mês com pratos vegetarianos, veganos e raw (crus) e uma mercearia. Endereço: Estrada da Barra da Tijuca, 1636 (Espaço Itanhangá), Barra.

10. SÍTIO DO MOINHO 
A loja vende produtos orgânicos variados e oferece café da manhã aos sábados.
Endereço: Rua General Urquiza, 188 C, Leblon, (21) 3795-9150.