sexta-feira, 22 de julho de 2016

O céu é verde

A ideia dos jardins suspensos floresce em cidades cujas alturas permitem esses espaços naturais

Jardim suspenso em edifício em Chicago, nos Estados Unidos

Se os prédios emergissem direto do solo, seus telhados estariam cobertos por uma camada de terra e plantas. Não é assim que fazem os seres humanos, é claro. Em vez disso, retiramos toda a vegetação do terreno, erguemos um edifício e o tampamos com uma cobertura impermeável, para que jamais nos dê problema de vazamento. É tentador dizer que a paisagem dos telhados de todas as cidades deste planeta mais parece um deserto artificial, mas isso seria inexato, pois, afinal, o deserto é um hábitat vivo. A realidade é ainda mais deprimente. Os telhados urbanos são mais parecidos com o inferno - um local estéril de piso betuminoso, contrastes de temperatura, ventos fortes e nenhuma simpatia pela água.

Mas quem se aventurar no telhado da Biblioteca Municipal de Vancouver, nove andares acima da região central da cidade, vai se encontrar em um campo, e não em um quintal asfaltado. Sinuosas faixas de festuca cobrem o teto, plantadas em uma mistura de solo especial colocada sobre a última laje. É uma espécie de pasto nas alturas. Ao nível do solo, esse jardim de 1 850 metros quadrados - criado em 1995 pela paisagista Cornelia H. Oberlander - já chamaria atenção. Mas, nas alturas de Vancouver, o efeito chega a ser desorientador. Quando vamos ao topo dos edifícios, em geral nosso objetivo é apreciar a vista. No teto da biblioteca, contudo, não posso deixar de sentir que estou dentro da paisagem - esse inesperado matagal no meio de tanto vidro, aço e concreto.
Telhados vivos não são novidade. No século 19, eram comuns em cabanas feitas de gramíneas nas pradarias dos Estados Unidos, e tetos de colmo ainda podem ser vistos em casas de madeira no norte da Europa. Todavia, nas últimas décadas, arquitetos e construtores de todo o mundo começaram a adotar telhados com cobertura vegetal, não por sua beleza - ela é quase que um efeito colateral -, mas por sua praticidade e sua capacidade de mitigar os problemas ambientais comuns em telhados convencionais.
No lado oposto da cidade em relação à biblioteca, o Centro de Convenções de Vancouver está recebendo novo telhado ecológico. Do outro lado da rua, na cobertura do hotel Fairmont Waterfront, dá para ver a horta de um chefe de cozinha. Em outra região, telhados verdes estão sendo instalados na Vila Olímpica que irá abrigar os atletas da Olimpíada de Inverno de 2010. Conhecer um desses ecotelhados em Vancouver é imaginar como poderia ser a paisagem no alto de nossas cidades, e aí surge uma pergunta inevitável: por que nunca fizemos isso?
Em parte, por causa de motivos técnicos. Apenas agora as membranas impermeáveis tornaram possível a instalação de biocoberturas que capturam água de irrigação, permitem o escoamento da água excedente, possibilitam a manutenção de um substrato cultivável e resistem à proliferação das raízes. Em alguns lugares, como Portland, no Oregon, há incentivos fiscais e outros subsídios para que os construtores instalem esse tipo de telhado. Em outros - como na Alemanha, na Suíça e na Áustria -, as biocoberturas são obrigatórias por lei sempre que o telhado apresentar inclinação adequada. E, cada vez mais, pesquisadores como Maureen Connelly, do Canadá, estão estudando os benefícios práticos proporcionados por esse tipo de telhado, com o objetivo de calcular em que medida são capazes de reduzir o escoamento de chuvas, ajudar na economia de energia e melhorar o nível de ruído nas cidades.
Outro fator que contribui para a difusão dos ecotelhados é a mudança na concepção da cidade. Já não é mais sensato, prático ou ético considerar a cidade apenas como antítese da natureza. Quando encontramos maneiras de tornar mais naturais as cidades, também as tornamos mais habitáveis - e não só para nós, seres humanos.
Os telhados vivos são um lembrete da força exercida pelos sistemas biológicos. No verão, as temperaturas diurnas nos telhados com cobertura asfáltica podem ser muito altas, acima de 65ºC, o que acentua o efeito geral das "ilhas de calor" urbanas - a tendência de as cidades serem mais quentes que as regiões circundantes. Já os telhados com cobertura vegetal atuam como isoladores térmicos, e as temperaturas sofrem apenas pequenas oscilações, reduzindo em até 20% o custo de aquecer e resfriar os edifícios abaixo deles. "Se pintarmos de branco, algo bem mais simples que um jardim suspenso, os telhados das 100 maiores cidades do mundo, a temperatura global deve baixar 1 grau. Isso equivale a tirar 600 milhões de carros das ruas por 18 anos", diz Thassanee Wanick, do movimento ambientalista brasileiro intitulado Um Grau a Menos.
Quando a chuva cai em um telhado normal, ela escorre dessas encostas urbanas e inunda os desfiladeiros artificiais que são as ruas - e, no caminho, toda essa água não é absorvida, deslocando-se quase sempre de maneira descontrolada. Um telhado verde, por outro lado, absorve e filtra a água, arrefece seu ímpeto e até mesmo armazena parte dela para uso posterior. Em consequência, ele ajuda a reduzir o transbordamento de esgotos, aumenta a vida útil dos sistemas de escoamento e devolve uma água mais limpa para a bacia hídrica circundante.
Disponível em: http://viajeaqui.abril.com.br/materias/telhado-jardins-suspensos?utm_source=redesabril_viagem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_ngbrasil

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