sábado, 19 de março de 2016

Governo quer deixar que as empresas façam "autolicenciamento" ambiental


Proposta avaliada pelo Conama permite que empresas façam o processo de licenciamento por conta própria e o governo apenas fiscalize

BRUNO CALIXTO 10/03/2016 


Depois de um desastre como o de Mariana, em Minas Gerais - considerado por muitos como a pior tragédia ambiental do Brasil -, nós poderíamos supor que os esforços das autoridades seriam em melhorar os mecanismos ambientais no Brasil, como licenciamento e fiscalização. Em vez disso, está acontecendo o contrário. Está tramitando com grande rapidez no Conama, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, uma proposta que flexibiliza completamente o processo de licenciamento de uma obra com potencial poluidor no Brasil. Para ambientalistas, a proposta faz com que as empresas possam, na prática, fazer um "autolicenciamento" de suas obras.
GRANDES OBRAS Usina de Belo Monte, no Pará, em 2013. Construir é o principal plano de desenvolvimento do governo (Foto: Lalo de Almeida/Folhapress)
Atualmente, o licenciamento ambiental é feito em três fases. A empresa que quer fazer uma usina, indústria ou extração de minérios, por exemplo, precisa primeiro mostrar que o projeto é viável do ponto de vista socioambiental, recebendo uma Licença Prévia. Depois, analisar os danos concretos que a obra pode causar, quando recebe uma Licença de Instalação. E por fim, atender às exigências impostas pelo órgão ambiental, como o Ibama, quando só então recebe a Licença de Operação e pode funcionar normalmente. Esse processo continua existindo na proposta, mas outras três modalidades de licenciamento são criadas.
Uma das modalidades, o Licenciamento Unificado, permite que a empresa possa operar com apenas uma licença ambiental. Ela vale mesmo para empreendimentos de alto potencial poluidor. Para os empreendimentos de médio ou baixo potencial poluidor, são dois processos possíveis. O licenciamento por adesão e compromisso e o licenciamento por registro. Nos dois casos, a empresa que quer fazer o empreendimento apresenta uma declaração ou registro e envia os documentos necessários por email. Isso já é o suficiente para receber a licença. Ao governo cabe apenas fiscalizar. Na prática, o processo de licenciamento fica todo a cargo da empresa que fará a obra potencialmente poluidora.
O artigo 28 do texto simplifica ainda mais o processo. Ele diz que o órgão ambiental pode, se necessário, definir "redução de etapas, custos ou tempo de análises, podendo ser realizado eletronicamente". Como esse artigo vale até mesmo para as obras de alto impacto ambiental, ele acaba criando uma brecha que permite que empreendimentos como Belo Monte ou as barragens da Samarco pudessem obter o licenciamento apenas apresentando os documentos, sem passar por análises de áreas técnicas.
"O empreendedor literalmente se autolicencia", diz o ambientalista Juliano Bueno de Araújo, do Fórum do Movimento Ambientalista do Paraná. "Isso representa a desconstrução de praticamente 90% de toda a modelagem de licenciamento ambiental que o Brasil tem hoje".
A proposta de novas regras de licenciamento ambiental foi apresentada pela Abema. Essa associação representa as secretarias de meio ambiente estaduais no Brasil. Ou seja, é uma proposta conjunta dos governos estaduais. Quem participa nos bastidores das reuniões do Conama diz que o texto também atrai simpatia do governo federal. Em outras palavras, a nova tentativa de flexibilizar a legislação não parte de ruralistas ou do setor empresarial, mas do próprio governo.
A toque de caixa
Tentativas de flexibilizar a legislação ambiental não são incomuns nos últimos tempos no Brasil. Só que até o momento elas estavam concentradas no Congresso, contando com longo tempo de tramitação  e suscetíveis à opinião pública. Ao levar a questão para o Conama, a flexibilização encontra um "atalho".
Para Araújo, que atua como ambientalista há 28 anos e já foi conselheiro no Conama, a tramitação está acontecendo "a toque de caixa". Alguns fatos relacionados a essa resolução levantam suspeitas. Por exemplo, pela primeira vez na história do Conama o número de representantes nas reuniões do grupo de trabalho foi limitada. Apenas cinco representantes de cada segmento podem participar do processo. Dessa forma, a sociedade civil fica sub-representada. "Isso foge de todas as regras anteriores do Conama", diz Araújo. Outra crítica levantada por ambientalistas foi a data escolhida para a consulta pública: em pleno carnaval. As críticas fizeram o próprio Conama se manifestar, em nota, dizendo que fará novas consultas.
A próxima reunião para avaliar a proposta acontece nesta quinta-feira (10) e sexta-feira (11), em Brasília. Depois, passará para uma Câmara Técnica. Se aprovada, ela passa a valer imediatamente como uma norma técnica. Uma vez aprovada, a resolução anula duas normas anteriores do Conama que hoje formam a base jurídica das regras ambientais brasileiras, as resoluções 01/1986 e 237/1997.
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