sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A vida no maior aterro sanitário da América Latina

Lixão da Estrutural, em Brasília, deve ser desativado em 2016

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BRASÍLIA - A apenas 15 quilômetros do centro nervoso do poder no país o vai e vem de enormes caminhões carregados de lixo não para. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, todo o lixo produzido na Esplanada dos Ministérios, no Congresso, no Palácio do Planalto, assim como em todo o Distrito Federal alimenta o maior aterro sanitário da América Latina, segundo o DWaste, considerado o atlas do gerenciamento do lixo mundial. Criado sob a sombra da cidade projetada e seus monumentos, o aterro do Jóquei, popularmente chamado de "Lixão da Estrutural" se estende por uma área de 200 hectares, e ocupa a 23ª posição entre os maiores em atividade no mundo. Em abril deste ano, uma força tarefa do governo local interrompeu as atividades de um grupo que agia dentro do lixão há mais de uma década desviando alimentos com prazo de validade vencido e abastecendo pequenos mercados do entorno da região.
A comunidade que lhe dá nome surgiu aos poucos. Atualmente, 70% dos moradores da localidade da Estrutural têm relação direta ou indireta com o que o aterro produz. Do topo da montanha de lixo com mais de 50m de altura se enxergam os arranha-céus do bairro de Águas Claras, e o cinturão verde do Parque Nacional de Brasília, onde estudos da Universidade de Brasília (UnB) apontam para uma possível contaminação pelo chorume, o líquido tóxico resultado da decomposição do lixo.

Indiferentes a isso, a terceira geração de catadores mantém sua rotina garimpando oito mil toneladas de lixo despejadas diariamente em busca de papelão, metal e plástico sob a vigilância de urubus, carcarás, pombos e garças. Levantamento do Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal (SLU), órgão responsável pela administração do lixão, mostra que 600 catadores trabalham diariamente no local. Mas este número pode chegar a duas mil pessoas nos fins de semana. O desemprego e frequentadores esporádicos alongam as fileiras dos que buscam na coleta complemento da renda familiar que pode chegar a R$ 1 mil por mês. Ali, ninguém é privilegiado por sexo ou idade. Todos seguem um silencioso código de conduta: a posição de cada um no monte de lixo despejado é determinada ao se por a mão na caçamba do caminhão assim que este chega ao local de despejo. Os mais rápidos se posicionam na frente e isso pode ser a diferença entre conseguir material melhor ou não. Tratores e pás mecânicas ajudam a espalhar a carga que chega.
Essa proximidade entre homem e máquina tem seu preço. Há relatos de mutilações, atropelamentos e gente soterrada por toneladas de lixo. Crianças têm papel estratégico. Menores e mais leves, ficam no alto das montanhas de lixo, local onde os adultos não chegam, e com visão privilegiada. Algumas estão acompanhadas dos pais, outras andam em grupos. Todas fogem ao menor sinal de câmeras.
Jelington Henrique de Azevedo, o "Galego", funcionário da Secretaria de Limpeza Urbana (SLU) que acompanhou O GLOBO é enfático sobre a presença de crianças no aterro:
— Nem urubus e cães trazem seus filhotes para cá, apenas os homens.
Galego trabalha no lixão há 29 anos. Foi ele quem escutou, num dia de visita, gritos de um homem caído na beira da estrada no meio da espessa nuvem de poeira dos caminhões. Segundo um companheiro de trabalho, Enoque Souza Gonzaga, estava sem comer por dias e desmaiou de fraqueza. Em poucos minutos todos voltaram ao trabalho, enquanto Enoque era levado por uma ambulância do Samu. A cena é corriqueira para os catadores, assim como o tráfico de drogas, o álcool e a violência.


Segundo o SLU, há 34 cooperativas e associações de catadores no Distrito Federal, porém muitas na informalidade. Um projeto prevê a regularização de todas, e posterior contratação para trabalharem no Aterro Sanitário Oeste, após a desativação do Lixão da Estrutural, prevista para o início de 2016. Para o diretor técnico da SLU, Paulo Celso dos Reis, essa transição não será fácil. Segundo ele há resistência por parte dos catadores:


— Haverá redução das quase três mil toneladas de material retirado diretamente no lixão de forma desordenada para 800 toneladas nas centrais de triagem do novo aterro, com rotina de trabalho regrada, horários e tarefas determinadas. Muitos catadores são contra pois trabalham de forma independente na Estrutural, de onde não querem sair.
O prazo estipulado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos para o fim dos lixões no país venceu em agosto de 2014. Em julho, o Senado aprovou um projeto que prorroga esse prazo. A emenda do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB/PE) prevê prazos mais longos para municípios e capitais de acordo com sua população e capacidade orçamentária. Capitais e municípios de região metropolitana terão até 31/7/2018 para acabar com os lixões. Municípios de fronteira e os que contam com mais de cem mil habitantes terão um ano a mais para implementar os aterros sanitários. As cidades que têm entre 50 e cem mil habitantes terão prazo até 31/7/2020 e os municípios com menos de 50 mil habitantes, 31/7/2021. O projeto está na Câmara.



FONTE: Jornal O Globo

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