quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Sabesp abusa da lei ao deixar dados sobre a crise de água em sigilo


Para especialista em acesso à informação, governo está banalizando o uso dos mecanismos que permitem o segredo de informações públicas.


BRUNO CALIXTO
10/2015 

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, discursa em Piracicaba (Foto: Mauricio Bento / Brazil Photo Press / Ag. O Globo)





























No dia em que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ganhou um prêmio pela forma como enfrentou a crise de água de São Paulo (mas não o recebeu pessoalmente), o IG publicou uma reportagem mostrando que muitos documentos relacionados à gestão dos recursos hídricos pela Sabesp receberam o carimbo de "secretos". Ou seja, só poderão ser divulgados daqui a quinze anos. É o segundo caso de arquivos colocados em sigilo pelo governo do Estado, que também enfrentou controvérsia ao classificar como ultrassecretos dados do transporte em São Paulo. 
Transparência nunca foi o forte da Sabesp e do governo de São Paulo na condução da crise de falta de água no Estado. Durante todo o ano de 2014, a empresa e as autoridades foram criticadas pela falta de informação sobre a verdadeira dimensão da crise. A própria Justiça concedeu liminares dizendo que a forma como a Sabesp divulgava os índices de reservatórios era irregular.
No começo de 2015, isso pareceu mudar. O governo trocou o secretário de recursos hídricos e o presidente da Sabesp, e a empresa começou a divulgar os bairros que enfrentam redução de pressão. Parecia que, enfim, teríamos transparência nos dados sobre a crise hídrica. A reportagem do IG mostra que não foi isso o que aconteceu.
Em março, os repórteres do IG pediram, pela Lei de Acesso à Informação, acesso a uma lista de 492 locais prioritários para o abastecimento de água em São Paulo. São locais em que a Sabesp fez ligação direta com a adutora e, portanto, em caso de racionamento, não ficarão sem água. Segundo o governo, são hospitais, pronto-socorros e presídios. A Sabesp negou e, dias depois do pedido dos jornalistas, tornou os documentos secretos pelos próximos 15 anos. Não bastasse isso, em 30 de maio a empresa colocou todo o seu Cadastro Técnico e Operacional em sigilo. Na prática, isse permite que a Sabesp não divulgue dados sobre cortes de água pelos próximos 15 anos
Represa do Sistema Cantareira em Joanópolis, São Paulo, no começo de outubro de 2015 (Foto: Luis Moura/WPP / Agência O Globo)

























Mas a Sabesp e o governo Alckmin podem colocar esses documentos em segredo? Segundo Mariana Tamari, especialista na Lei de Acesso à Informação da ONG Artigo 19, seria plausível que a Sabesp deixasse alguns documentos em segredo, se a empresa tiver justificativa para isso e essas justificativas estejam de acordo com os critérios da lei. Mas não é esse o caso. "Existe uma banalização da classificação de informações como sigilosas. A gente ainda vive numa cultura enraizada de falta de transparência, e o caso dos transportes em São Paulo e agora da Sabesp evidenciam isso."
A Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012, foi criada justamente para consolidar uma cultura de transparência. O segredo é a exceção. Documentos só podem ser colocados em sigilo quando há evidências concretas de que a divulgação coloca em risco a segurança nacional ou a integridade física de cidadãos. "Você só classifica informações que são realmente necessárias para garantir a segurança. Há mais de um ano vivemos essa crise hídrica e não houve sequer grandes manifestações exigindo posicionamento do governo, quanto mais descontrole social ou ações terroristas. Não temos justificativa plausível, nenhum indício para esse sigilo."
Sabesp se pronunciou oficialmente na manhã desta quarta-feira (14). Em nota, a empresa disse que as instalações subterrâneas precisam ser sigilosas para evitar atos de sabotagem ou vandalismo no sistema de abastecimento de água. Mas voltou atrás no sigilo à lista de entidades que têm acesso direto às adutoras. Segundo a Sabesp, a lista será divulgada ainda nesta semana.
Ao voltar atrás, tanto no caso da Sabesp quanto no do Metrô, o governo do Estado mostra que a Lei de Acesso à Informação está sendo utilizada de forma indevida. Segredos de Estado são importantes por uma questão de segurança pública, mas não podem ser banalizados por questões políticas, impedindo o acesso da população a questões cruciais para uma sociedade, como é o caso do abastecimento de água. 
Apelar para os dispositivos de sigilo de documentos oficiais em detrimento da transparência parece ser prática comum. Em junho deste ano, O Globo revelou uma manobra do Itamaraty para colocar sob segredo por até 10 anos documentação solicitada por ÉPOCA. Eram telegramas, produzidos durante o governo Lula, que citavam a empreiteira Odebrecht. Eles foram classificados inicialmente como reservados (sigilo de cinco anos) e, em razão do prazo, já deveriam ser públicos. Mas houve sugestão dentro do Itamaraty para que o arquivo fosse reclassificado como secreto (sigilo de 15 anos), em razão de ÉPOCA já ter feito reportagem sobre as ligações de Lula com a empresa. Após a revelação da manobra, o Itamaraty liberou os documentos.
FONTE: http://epoca.globo.com/

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