sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Quatro anos de seca resultam em medidas mais duras na Califórnia, entre elas, o racionamento

O Oeste americano enfrenta a falta d’água

Há três gerações a família Diener cultiva os mesmos 26 mil metros quadrados no Vale Central da Califórnia. Na década de 1920, eles produziam cevada e alfafa para alimentar as tropas de mulas que serviam aos canteiros de obras de Los Angeles. Na década seguinte, com a substituição da força animal pelos veículos a motor, passaram a cultivar o algodão usado na fabricação dos pneus de borracha.
Hoje, à medida que o estado da Califórnia se arrasta pelo terceiro ano de seca, John Diener e os filhos estão começando a se dedicar à produção de cactos em suas terras.
Diener cultiva safras em uma escala tão grandiosa quanto possível no Vale Central, dedicando centenas de hectares à produção de tomates, amêndoas e brócolis orgânicos, entre outros. Mas ele não costuma pensar como a maioria dos lavradores na região. Talvez pelo fato de ser o filho caçula de um caçula e, por isso, estar acostumado a tirar o máximo de situações difíceis. Ou talvez os anos em que viveu longe do vale tenham lhe trazido a confiança de quem está habituado a se virar por conta própria.
Seja qual for o motivo, ele não põe muita esperança na construção de mais represas, na redução das restrições ambientais ou em qualquer das outras medidas com que os vizinhos estão contando a fim de obter algum alívio em termos financeiros. Meras soluções de curto prazo, descarta ele, dando de ombros. “O verdadeiro problema”, diz, enquanto dirige a sua picape pela labiríntica rede de estradas poeirentas no vale, “é que não há água suficiente no sistema”.
Na divisa oeste da sua propriedade, ao pé das encostas sem neve das montanhas costeiras do estado, Diener caminha pela terra ressecada entre fileiras de cactos jovens, inspecionando os brotos. Junto com pesquisadores do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, Diener ali plantou 8 hectares com uma variedade patenteada do cacto conhecido como figueira-da-barbária, que espera vender ou como alimento ou como suplemento nutricional rico em minerais. Embora os anos de seca tenham concentrado os sais no solo, os cactos parecem estar indo bem.
“Se for o caso, a gente planta mais”, ele diz, com um sorriso. “Afinal de contas, temos de aproveitar todas as oportunidades.”
A história do vale central da Califórnia é parecida com a de grande parte do Oeste americano, e com a de outras regiões desérticas ocupadas por humanos ao redor do mundo. Alteramos as regiões mais secas dos estados da Califórnia, Nevada e Arizona de modo a satisfazer as nossas ambições, e durante muitos anos não tivemos de nos preocupar com os seus limites naturais. Mas o crescimento demográfico e asmudanças climáticas estão deixando evidentes esses limites.
Mudanças climáticas no oeste americano
Como em quase todo o restante do Oeste americano, os resultados agrícolas dependem menos da quantidade de chuvas e mais da quantidade de neve. A despeito de invernos por vezes rigorosos no Oeste, diminuiu o acúmulo de neve nas últimas décadas, e os especialistas acham que essa tendência vai se acentuar. “Os invernos mais quentes estão reduzindo o volume da neve armazenada nas montanhas, e também fazendo com que comece a derreter mais cedo na primavera”, comenta Philip Mote, diretor do Oregon Climate Change Research Institute, vinculado à Universidade Estadual do Oregon.
No princípio deste ano, enquanto a Costa Leste do país tremia de frio, a Califórnia fervia. No ano passado, incêndios florestais destruíram casas em subúrbios, um reservatório esvaziado deixou expostas as ruínas de um vilarejo da época da corrida do ouro e, na primavera, a cachoeira do Yosemite estava reduzida a um fio d’água. Enquanto a seca alcançava recordes históricos, as disputas políticas retomavam rotinas conhecidas.
Os agricultores conclamaram o Parlamento a revogar a proteção a espécies de peixes ameaçadas. Os moradores urbanos lembraram que, em média, 41% da água na Califórnia é usada na agricultura, ao passo que menos de 11% abastece as cidades (e quase 49% permanece nos rios). Prevaleceram as frases de efeito, e ao menor sinal de chuva as discussões silenciavam por completo.
“E sempre ocorria que, nos anos de seca, as pessoas mal se lembravam dos anos de abundância”, escreveu John Steinbeck em seu épico romance de 1952, A Leste do Éden, que mostrava a tragédia de uma família no Vale de Salinas no início do século 20, “e durante os anos chuvosos perdiam toda lembrança dos anos de seca”.
Tal capacidade de esquecimento é quase uma característica inata no Oeste americano. Mas não há motivo para isso. Basta, por exemplo, ver o que ocorre na Austrália, um país com situação bem similar à existente hoje na Califórnia e no Oeste americano. Tanto na Califórnia como na Austrália, há zonas desérticas na área central, ao passo que as bordas do território são temperadas e urbanizadas. Ambas dependem de complexos sistemas de dutos para mover a água. Na verdade, os dois irmãos canadenses que, no final do século 19, construíram alguns dos primeiros sistemas de irrigação na Califórnia também ajudaram a planejar os sistemas de água na árida bacia hidrográfica australiana dos rios Murray e Darling.
Australia: solução para reduzir o consumo urbano
Na Austrália, a chamada Grande Seca, que se prolongou por uma década na virada do século 21, desencadeou no princípio o mesmo tipo de escaramuça política que toma conta da Califórnia. No entanto, depois de anos de destruição ambiental, crise de falta de água nas cidades e enormes prejuízos por parte dos agricultores, os políticos australianos – e os produtores rurais – tiveram de assumir riscos consideráveis.
“No auge da seca, tornou-se evidente que não tem como dissimular a verdade do meio ambiente”, diz o professor Mike Young, da Universidade de Adelaide, que participou da reação do país à seca. A Austrália conseguiu reduzir o consumo urbano de água graças ao investimento de bilhões de dólares em medidas de conservação, educação e melhoria na eficiência da rede. O país adotou um esquema que assegurava um suprimento mínimo de água para o ambiente, com o restante sendo dividido em parcelas que podiam ser rapidamente negociadas – ou guardadas. Embora tenham lutado contra as mudanças, os produtores rurais, graças aos estímulos financeiros, logo passaram a usar a água de maneira mais criativa e eficiente. O consumo diminuiu.
“O sistema de manejo da água na Califórnia – cujos custos anuais superam os 30 bilhões de dólares – está muito aquém do exemplo admirável da Austrália”, afirma Michael Haneman, da Universidade da Califórnia em Berkeley. “A Califórnia e quase toda a região Oeste do país nada fizeram para facilitar o manejo da escassez de água”, diz ele. “Nunca nos mostramos dispostos a realizar, com antecipação, as mudanças indispensáveis para enfrentarmos um futuro mais seco.”
Racionamento de água
Todavia, após décadas de exploração desenfreada dos lençóis freáticos na Califórnia, autoridades regionais aprovaram normas para a preservação dos reservatórios subterrâneos de água e o governador, Jerry Brown, anunciou recentemente medidas de racionamento obrigatório. Los Angeles e outras cidades conseguiram melhorar a eficiência no uso da água. “Há muita folga no sistema, e a gente vinha tolerando isso, só porque não havia nenhum tipo de punição”, comenta Peter Gleick, presidente do Pacific Institute. “Agora temos de aprender a viver de acordo com os limites impostos pela natureza.”
A história da água no Oeste americano não mudou, e ainda é feita de ambição e otimismo, em quantidades perigosas. Mas esta seca da Califórnia, assim como outras que virão, talvez levem à abertura de um novo capítulo.
John Diener pretende fazer parte disso. Ao contrário de muitos produtores do Vale Central, não deixou de morar em sua propriedade. Ele continua a frequentar a igreja na vizinha Riverdale e, quando fica sem tempo, acaba ouvindo a missa em espanhol na igreja que os seus tios ergueram na década de 1940. Embora apegado à terra ocupada por sua família há quase um século, ele é de um pragmatismo a toda prova.
No ano passado, como não recebeu nada de água fluvial, Diener deixou descansando metade das suas terras. Plantou tomates e brócolis, irrigando-os com os eficientes sistemas de gotejamento subterrâneos que adquiriu nos últimos anos. Além disso, está se dedicando a um projeto de parceria público-privada local visando transformar beterraba em etanol. E, claro, continua a cuidar dos 8 hectares de cactos. Ainda não começou a ganhar dinheiro com eles, mas está otimista com a possibilidade de encontrar um mercado: os cactos do tipo figueira-da-barbária são muito conhecidos no México e em outras partes da América Latina como nopales, e valorizados como suplementos alimentícios ricos em selênio. Este é um futuro que o seu pai e o seu tio mal poderiam imaginar. Contudo, se estivessem vivos hoje, esses Diener de uma geração anterior certamente aprovariam a mudança de rumo. Pois foi graças a adaptações assim que também eles conseguiram sobreviver.
FONTE: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL

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