quinta-feira, 2 de julho de 2015

Terra de Francisco José: o sentido do norte

As mudanças climáticas já provocam grandes discussões ambientais no arquipélago russo

Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL   |   Por: David Quammen
     
« O código da morsa
Feodor Romanenko ergue os braços “Dear colleagues”, começa em inglês, com um sorriso travesso, e, a seguir, dispara a falar em francês com sotaque russo. “Caros colegas” não são as únicas palavras em inglês que ele conhece, mas é evidente que estão entre as suas prediletas, sem contar que são bastante úteis para chamar a atenção de um grupo internacional tão diverso quanto o nosso. Caros colegas, sugiro que a gente comece a escalada por ali, diz ele, apontando uma encosta assustadora. Caros colegas, pausa para o almoço! Caros colegas, ele se vangloria entusiasmado durante a reunião noturna, hoje o meu grupo fez cinco descobertas incríveis, incluindo dois tipos de basalto! E sedimentos do Mesozoico! E indícios de descongelamento recente! Romanenko é geomorfólogo, está vinculado à Universidade Estatal de Moscou e, depois de 28 temporadas de pesquisas nas costas e nas ilhas do oceano Ártico, ainda exibe por sua área de estudos o mesmo entusiasmo de um menino. Avançando com dificuldade pela agreste paisagem setentrional, ele deixa transparecer uma alegria contagiosa pelo esforço científico em campo – pelo paciente acúmulo de observações exatas, descoberta de padrões, compilação de dados que talvez venham a ser úteis para resolver, entre outros mistérios, a questão do gelo.
Viemos com Romanenko para o Ártico russo, até um arquipélago conhecido como Terra de Francisco José, e a questão do gelo está por trás de muito do que viemos aprender aqui. Na realidade, ela se desdobra em dois aspectos: por que o gelo permanente está derretendo? Quais são as consequências ecológicas disso? Quando se organiza uma expedição biológica às regiões polares extremas, nos limites do Ártico ou da Antártica, nesta nossa época de mudanças climáticas, a questão do gelo sempre é fundamental.
A nossa abordagem é indireta. Chegamos ao norte vindos de Murmansk, pelo mar de Barents, e somos quase 40 pessoas, os membros da expedição Pristine Seas [Mares Intocados] de 2013, com o objetivo de observar o remoto arquipélago de várias perspectivas – entre outras, as da botânica, microbiologia, ictiologia e ornitologia. A Terra de Francisco José compõe-se de 192 ilhas, quase todas formadas de sedimentos mesozoicos recobertos de uma camada de basalto, e com topo tão aplainado que, vistas sem gelo (como vem ocorrendo com frequência cada vez maior), lembram mesetas ou morros achatados. No passado não houve nenhuma ocupação humana permanente – até os soviéticos estabelecerem instalações de pesquisa e bases militares. Essa presença foi reduzida durante a década de 1990, mas agora, com o degelo, com a abertura de novas rotas marítimas e com o vislumbre de oportunidades econômicas, a região está voltando a atrair a atenção das autoridades russas.
Durante um mês navegamos de um lado para o outro no arquipélago. Estamos 800 milhas náuticas, ou 1 481 quilômetros, ao norte do círculo Ártico. Viajamos a bordo do Polaris, um navio de turismo reformado, com armários convertidos em laboratórios, microscópios instalados em mesas de jantar e um salão repleto de equipamentos de mergulho especiais. A nossa equipe conta com russos, americanos, espanhóis, britânicos, um australiano e um par de franceses. Todo dia, alguns de nós descemos à ilha diante da qual estamos ancorados a fim de colocar etiquetas em aves, contar morsas ou coletar espécimes de plantas, enquanto outros mergulham na água gelada para fazer o inventário dos microrganismos, algas, invertebrados e peixes. Os dias com caminhadas por vezes são longos, mas sempre retornamos ao barco antes de escurecer – na verdade, nunca fica escuro. O Sol jamais se põe, circulando para lá e para cá pelo céu setentrional. A influência de Feodor Romanenko é importante para todos, não só no aspecto científico, mas também para o moral da equipe, devido ao seu contagiante entusiasmo pela geologia.
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