terça-feira, 17 de março de 2015

O lucro líquido da seca

O lucro líquido da seca

O iminente colapso no abastecimento de água no Sudeste prejudica a maioria da população, mas tem ajudado a aquecer os negócios de algumas empresas. Saiba como Brasilit, Fortlev, 5àSec e Drywash estão tirando proveito da estiagem

Lucro na estiagem: Marcelo Roffe, diretor da Brasilit, comemora o aumento nas vendas de caixas-d’água; por outro lado, a seca prejudica a produção de telhas
Lucro na estiagem: Marcelo Roffe, diretor da Brasilit, comemora o aumento nas vendas de caixas-d’água; por outro lado, a seca prejudica a produção de telhas ( foto: Montagem sobre foto de FELIPE GABRIEL)
Moradora da pequena cidade de Oliveira, em Minas Gerais, a advogada Ana Cristina Albuquerque começou a enfrentar problemas no abastecimento de água em outubro do ano passado. Sem água na torneira, ela passou a utilizar o antigo poço artesiano de seu quintal. Não durou muito. Pouco tempo depois a fonte, literalmente, secou. Água nos canos, agora, só através dos inflacionados caminhões-pipa, que estão cobrando o triplo do valor usual, cerca de R$ 600 por 11 mil litros. “Até precisei ir a São Paulo para comprar uma segunda caixa-d’água”, diz Ana Cristina. “Em Minas Gerais, o produto desapareceu das lojas.”
Devido a situações como as dela, a crise hídrica enfrentada pelos moradores da região Sudeste tem feito a alegria de algumas empresas. É o caso da Brasilit, fabricante de materiais de construção. A companhia, controlada pelo grupo francês Saint-Gobain, precisou alterar toda a sua logística de produção, após o surgimento de notícias sobre um eventual racionamento no abastecimento de água na capital paulista. “Fomos obrigados a criar o terceiro turno na nossa fábrica de Capivari, no interior de São Paulo, para atender à demanda”, afirma Marcelo Roffe, diretor comercial da Brasilit.
No entanto, o diretor da empresa controlada pelo grupo francês, que fatura estimados R$ 4 bilhões, no País, afirma que não está exatamente comemorando a falta de água. Por um bom motivo: a seca está prejudicando a produção de telhas, o carro-chefe da marca. “Ficamos felizes com as vendas das caixas-d’água, mas o nosso principal negócio são as telhas e a crise hídrica tem pressionado demais os custos”, diz Roffe. A Brasilit enfrenta a feroz concorrência da capixaba Fortlev, líder no segmento, cujas vendas aumentaram em 50% na capital paulista, nos últimos cinco meses.
A disparada nas vendas deve elevar os resultados da companhia em 20% neste ano, segundo o diretor-comercial, Evandro Sant’Anna. “Não temos do que reclamar”, afirma. “Mas a urgência nas tomadas de decisão, causada pela falta de chuvas, tem afetado bastante nosso planejamento e aumentado os gastos.” No caso das companhias de lavagem a seco, os ganhos se juntam às reclamações. A paulistana Drywash, dona de um sistema capaz de lavar um carro utilizando menos de meio litro de água, cresceu 30% no ano passado. Parte do lucro, porém, foi destinada a cobrir problemas estruturais causados pela falta de água e energia, como obras de instalação de caixas-d’água, na fábrica de São Paulo.
A Drywash também necessitou contratar os caros caminhões-pipa. “Recebe­mos água dia sim, dia não”, afirma Lito Rodríguez, CEO da empresa. “E ainda precisaremos comprar um gerador, que custa cerca de R$ 50 mil, para não correr o risco de a fábrica parar por falta de energia.” Já a rede francesa de lavanderia, 5àSec, dona de uma receita de R$ 173 milhões no Brasil, registrou um aumento de 15% na procura em algumas regiões da capital paulista, especialmente na zona norte, uma das mais afetadas pela estiagem. Mas, por conta da falta de água, os gastos da companhia também subiram.
“Antes lavávamos 80% das roupas com água e 20% a seco, mas tivemos de inverter essa proporção”, diz Sérgio Carvalho, diretor de marketing da 5àsec. “O material químico na lavagem a seco é mais caro.” No ano passado, já computadas as receitas originadas da estiagem, a empresa cresceu 3,7%. Outras companhias, porém, estão aproveitando o momento para ganhar mercado. O grupo sul-coreano Hyundai se prepara para estrear no segmento de geradores de energia no Brasil.
Por meio de uma parceria com a paulistana Emit, fabricante de soluções de infraestrutura, a gigante asiática investirá R$ 27 milhões nos próximos três anos para colocar no mercado brasileiro produtos como geradores movidos a diesel e a gasolina, compressores de ar e hidrolavadoras de alta pressão. “Não poderíamos imaginar momento mais oportuno para a entrada”, diz Murilo Farias, CEO da Emit. Os produtos devem chegar ao País em março e aumentar o faturamento da companhia para R$ 50 milhões, em três anos, ante os R$ 15 milhões atuais. Se existe, no entanto, alguém verdadeiramente feliz com os resultados do seu negócio, é a paulistana Ana Paula Barcena.
Após trabalhar 11 anos como atendente de uma empresa de limpeza, recebendo pedidos de clientes sedentos por um serviço mais sustentável, Ana Paula criou, em 2009, a Natureza & Limpeza. Com R$ 500, a empresária comprou produtos especiais e uma lavadora extratora, voltada para carpetes e estofados. Agora, com a necessidade dos clientes em buscar soluções que utilizem menos água, ela se prepara para alcançar o seu primeiro milhão de reais em vendas. “Posso dizer que fiquei milionária com a seca”, diz Ana Paula, que atualmente conta com dez empregados e já planeja expandir seus negócios para Sorocaba (SP) e Teresópolis (RJ).

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