segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Quando as estruturas pedem reforços

Quando as estruturas pedem reforçosLiana John - 05/09/2013 às 18:08

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Se metais, minerais e polímeros convencionais não dão conta de garantir o desempenho esperado em estruturas de pontes, viadutos ou edificações, é hora de a Engenharia Civil se render à flexibilidade e à resistência das fibras naturaisPiaçava,curauálicuri são algumas das espécies nativas adotadas como reforço de vigas, painéis e placas, em compósitos estruturais. E, com certeza existem muitas outras opções nas matas, cerrados e campos do Brasil, prontas para serem testadas.
Compósito, vale detalhar, é um material com dois ou mais componentes diferentes, cujas características e propriedades são combinadas. A madeira já é um compósito feito pela natureza, com celulose (o componente mais flexível) mais lignina (o componente mais durável). E a madeira também pode ser parte de um compósito reforçado pelo homem com fibras naturais, como o curauá (Ananas erectifolius), originário da Amazônia e cultivado no Pará, e o sisal (Agave sisalana) proveniente do México e cultivado no Nordeste.
“Estudamos as fibras naturais como reforço em tábuas para vigas de grandes dimensões, quando é preciso fazer emendas para chegar ao comprimento desejado, caso das estruturas de pontes ou de telhados”, exemplifica o engenheiro civil e doutor em Engenharia de Estruturas, Antonio Alves Dias, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP). Ele orientou um aluno de Iniciação Científica e um mestrado sobre esse tema.
“Os compósitos com fibras naturais poderiam ser usados inclusive para reforçar estruturas que necessitam de reparos ou restauração, em substituição à fibra de vidroou à fibra de carbono”, acrescenta. A dificuldade atual, segundo o pesquisador, é conseguir encontrar mantas de fibras naturais prontas para aplicação, como acontece com os compósitos sintéticos. A questão, aí, é desenvolver esse mercado. Sobretudo no caso do curauá: apesar de a fibra ser considerada de excelente qualidade, sua exploração envolve uma logística complexa e custosa a ser negociada entre alguns poucos e pequenos produtores da Amazônia e a grande demanda de potenciais fabricantes do Centro-Sul.
Quando a fibra natural adicionada ao compósito é a piaçava (Attalea funifera), no entanto, a história é um pouco diferente. A fibra de piaçava é extraída de uma palmeira capaz de produzir em solos de baixa fertilidade, considerados impróprios para outras culturas. No Brasil, mais de 90% das plantações estão situadas na Bahia, embora ainda exista um pequeno porcentual procedente de reservas extrativistas amazônicas. Cada palmeira rende até 10 kg de fibra por ano, durante 20 anos. A maior parte da produção era destinada a fábricas de vassouras, que agora são feitas de plástico. Assim, há disponibilidade de matéria prima e possibilidade de adaptar o sistema de produção para novas aplicações.
A fibra de piaçava não é tão boa quanto o sisal e o curauá nas emendas de vigas de madeira, conforme a avaliação de Antonio Alves Dias, porém se presta muito bem a servir de reforço para matrizes poliméricas, garantindo a necessária resistência mecânica e, ao mesmo tempo, bastante flexibilidade na composição do material. Isso faz toda a diferença em projetos com requisitos específicos, de acordo com as pesquisas realizadas por uma equipe da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), liderada pelo engenheiro metalúrgico e doutor em Ciência e Engenharia dos Materiais, Sérgio Neves Monteiro.
Ao testar compósitos à base de poliéster com as fibras de piaçava dispostas de modo longitudinal, os pesquisadores da UENF observaram uma tensão de ruptura maior do que a de materiais semelhantes, feitos com bagaço de cana-de-açúcar, ou mesmo maior do que compensados e aglomerados de madeira. Ou seja, é possível fabricar estruturas mais resistentes quando se tem a piaçava como reforço. E há vantagens extras como o comprimento das fibras, de até 4 metros, e o potencial para aproveitar até resíduos industriais de piaçava.
Outra fibra eleita para reforçar estruturas é a das folhas da palmeira licuri (Syagrus coronata), estudada pela engenheira mecânica com doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais, Mirtânia Antunes Leão, do Instituto Federal da Bahia (IFBA). Abundante no semiárido nordestino, essa palmeira produz um coquinho que sustenta a ararinha-azul-de-lear e fornece óleo comestível. Suas fibras têm alto teor de lignina e, portanto, o reforço em compósitos poliméricos confere firmeza e rigidez estrutural, além de ter boa durabilidade.
Uma dificuldade a ser contornada é o alto teor de cera que impregna naturalmente a fibra de licuri e atrapalha a adesão da fibra à base. Mas isso pode ser superado com tratamentos químicos ou com o uso de resinas termoplásticas, entre outras soluções. Em sua tese de doutorado, defendida em março de 2013, Mirtânia testou também oenvelhecimento ambiental do compósito feito com licuri, simulando a exposição a raios ultravioleta, umidade e variações de temperatura. “A fibra do licuri comportou-se muito bem, com resultados superiores aos das fibras de curauá e juta”, diz a pesquisadora, acrescentando que o material ainda ficou muito bonito, com uma textura apropriada até para uso como portas de armário, divisórias ou outras peças aparentes.
Ainda faltam mais pesquisas para colocar estas e outras fibras naturais em uso. Mas já dá para vislumbrar a perspectiva de desenvolver diversos materiais para reforçar estruturas na construção civil e até para a decoração de interiores!
Foto: Liana John (palmeiras nativas, Traipu de Fora, BA)

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