terça-feira, 6 de janeiro de 2015

De jacas e chuvas


NATUREZA URBANA

De jacas e chuvas

Em meio ao agito da capital Brasília, ainda há espaço para o canto de pássaros, muitas frutas no pé e a solidariedade de vizinhos

-  A  A  +
Attílio

Dá ou não dá para confiar no ser humano? Perto de casa há duas avenidas com nome. Podem acreditar, existem duas avenidas com nome em Brasília. A das Jaqueiras e a das Mangueiras. Quando chega esta deliciosa época de
 chuva, elas se enfeitam de tal maneira que nem precisavam das placas de identificação. A das Jaqueiras fica coalhada de enormes frutos, deve pesar mais de 15 quilos cada um, e bem ali à mão do freguês, para quem quiser pegar e se esbaldar - eu não, que "panhei nica" com a jaca, como se diz na minha terra, desde que passei mal, na infância, ao comê-la em demasia. Hoje, não tolero nem o cheiro.

A das Mangueiras se cobre de tanta fartura que parece querer concorrer com as precoces árvores de Natal, responsáveis por agitar o comércio e o espírito da temporada. As frutas vão ficando avermelhadas, penduradas lá no alto, coloridas tal qual bolas natalinas. Só que, ao contrário das jacas, não estão à altura de quem passa. Muitos então inventam de lhes atirar pedras, o que ameaça a integridade de quem transita a pé ou de automóvel.

Volto, então, à pergunta: dá ou não dá para confiar no ser humano? Pois, no meu bairro, alguém confeccionou varas compridas, com uma forquilha na ponta, para facilitar a vida do cidadão que quiser colher mangas no canteiro central da avenida. São várias ferramentas como essa ao longo do curto trajeto. Nada de pedras. Nada de proibições. Solução prática e solidária.

Esta época de chuva, para mim, é propícia às boas notícias. A melhor: eles voltaram. Eles quem? Cléo e Daniel, ora! O casal de andorinhas que mencionei neste espaço há exato um ano. Os dois me levaram a pesquisar hábitos e características e descobrir que voam para fazer verão por essas bandas, depois se mandam até o ano que vem. Pois não é que se foram em janeiro e agora estão de volta? Manhã dessas acordei com o conhecido canto que Cléo (o macho) entoa para atrair Daniel (a fêmea), e me emocionei ao chegar pé ante pé à janela e revê-los a celebrar a dança da sedução.

Se não fosse apenas pela fauna e pela flora, observemos as cores da paisagem. Os flamboyants já recuaram, mas outros tons lá vêm a desenhar a moldura da primavera molhada desse cerrado valente. Aliás, o verde dos campos nem espera começar a chover para se encher de brilhos e brotos. Passo ao largo do Parque Nacional e festejo o renascimento anual ainda durante as queimadas. Não me entendam mal, mas algo me diz que a sabedoria da natureza aprendeu a saudar a chuva de antemão, pois ela sente que, na hora certa, as águas vão rolar.

O problema somos nós, meus amigos. Que jogamos lixo nas ruas e ajudamos a entupir a rede pluvial, causando enchentes previsíveis e evitáveis. Que nos apressamos a asfaltar tudo, esquecendo que a terra precisa absorver a "chuva boa prazenteira" que o poeta cantou. Terra boa, doida para matar uma sede de meses.

Gosto tanto de chuva que até pedalar no molhado me dá prazer. Riscos há, mas, como estou em fase otimista e confiando no ser humano, vou apostar que, neste verão, motoristas e ciclistas vão se entender, respeitar as leis, manter um metro e meio de distância, zelar pela vida. Quer apostar?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo sua participação e opinião !