sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Ao estilo francês, “o Rio civiliza-se”

Ao estilo francês, “o Rio civiliza-se” Por: Vivi Fernandes de Lima

Publicada em 27 de novembro de 2014
Novos ares para a velha cidade: em 1909, a Avenida Central e o Teatro Municipal. Foto de Marc Ferrez
Novos ares para a velha cidade: a Avenida Central e o Teatro Municipal. Foto: Marc Ferrez, 1909
“Como isso mudou! Então de uns tempos para cá, parece que essa gente está doida; botam abaixo, derru­bam casas, levantam outras, tapam umas ruas, abrem outras… Estão doidos!!!” Assim, cheio de exclamações, o escritor Lima Barreto encontrou um jeito de expressar seu espanto com as reformas urbanas do início do século XX no romance Recordações do escrivão Isaías Caminha. Sua indignação batia de frente com as ações do prefeito Pereira Passos, que governou de 1902 a 1906, nomeado pelo então presidente da República Rodrigues Alves.
Ainda com a missão de consolidar a República, o governo se empenhou em dar à cidade um ar de “civilização”, como se dizia na época, aproximando-a da Europa. Não era possível ficar atrás, por exemplo, de Buenos Aires e Montevidéu. A Gazeta de Notícias chegou a publicar “O Rio civiliza-se!”, expressão que logo virou uma espécie de slogan do governo que transformou a cidade.
Receita francesa
O Rio precisava ficar mais belo e limpo, e a receita era francesa. Pereira Passos, engenheiro de formação, já havia passado por Paris durante a reforma urbana da cidade promovida pelo prefeito Georges-Eugène Haussmann, também chamado de “artista demolidor”. Haussmann remodelou Paris, tornando-se um símbolo da belle époque, expressão francesa que se refere à cultura cosmopolita da Europa. Ele chegou a abrir 12 avenidas no entorno do monumento Arco do Triunfo. E era exatamente esse modelo que inspirou o prefeito do Rio. Resultado: demoliu cerca de 1.700 imóveis e alargou e abriu ruas. Por isso ficou conhecido como o Haussmann Tropical ou o Bota-Abaixo.
Neste período, a cara da cidade mudou em grande velocidade. A Avenida Central (atual Rio Branco) foi aberta, um novo porto foi criado, a região da Lapa também foi reestruturada com abertura da Rua Gomes Freire, o Centro se aproximou da Glória com a criação da Avenida Beira-Mar, e Copacabana ganhou a Avenida Atlântica. “Tudo isso num gosto bem parisiense”, destaca o diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Pedro da Luz Moreira: “É uma reforma muito importante, que pretendia conquistar o gosto internacional. Foram obras muito bem executadas, pensadas, projetadas e que representaram um sucesso do ponto de vista de sua estratégia e da sua implantação também.”
A Avenida Central
Como ligava o Centro da cidade de uma ponta a outra, do Cais do Porto à Avenida Beira-Mar, a Avenida Central foi o principal projeto do “bota-abaixo”. Seus 1.800 metros de comprimento vinham acompanhados de um passeio público, lembrando a famosa Champs Élysées, de Paris. Além de mudar o mapa da cidade, era preciso dar nova cara para os edifícios. A solução encontrada foi o lançamento de um concurso de fachadas. “O resultado, uma eclética justaposição de estilos arquitetônicos, fazia da avenida um enfileiramento de influências estéticas que vinham da Renascença, passando pelo Classicismo e chegando até o Barroco”, escreveu a historiadora Julia O’Donnel.
Em 1905, os cariocas já podiam circular pela Avenida Central. Tudo era novo ali, mas um fato mudou ainda mais os hábitos da população: a luz elétrica pública. Agora, a cidade tinha mais vida noturna e daí para boêmia foi um pulo.
O embelezamento da cidade vinha acompanhado da ideia de limpeza, e, nesse jogo, as residências coletivas, como os cortiços, eram indesejadas pelo prefeito. Além de essas construções serem muito simples – com quartos de madeira, por exemplo – eram consideradas espaços de proliferação de doenças. Isso porque os tanques, cozinhas e sanitários eram comuns a muitas famílias.
A partir do governo de Pereira Passos, uma sucessão de inaugurações de grandes prédios públicos movimen­tou e enfeitou a cidade. O Museu Nacional de Belas Artes, em 1908; o Teatro Municipal, em 1909; e a Biblioteca Nacional, em 1910, são alguns deles. Esses edifícios, inclusive, fazem parte de um grupo pequeno de projetos da época que ainda está de pé. Isso porque as fachadas à francesa deram lugar a espigões ainda na primeira metade do século XX. E uma das pessoas que contribuíram para a derrubada deste pedaço da história do Rio foi – que ironia – alguém profundamente ligado à criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o arquiteto Lúcio Costa. “Depois que ele abraça o modernismo, passa a não gostar do ecletismo e elege a arquitetura colonial, especialmente a mineira, como a arquitetura verdadeiramente brasileira. A Rio Branco era toda construída num gosto eclético. Ele, como um dos responsáveis pelo Iphan, vai permitir que grande parte dessas fachadas seja destruída”, ressalta Pedro da Luz Moreira.
Para Lucio Costa, o ecletismo era um modelo com importação de elementos estrangeiros, que não representava o que era de fato brasileiro. “Mas eu pergunto: o que é brasileiro? Existe em nós uma mistura muito grande e isso é positivo. O ecletismo faz parte dessa mistura, não tem sentido ser apagado da nossa história”, pondera o diretor do IAB.
Se Lima Barreto já chamava de doidos os que demoliam em prol da arquitetura francesa, imagine o que pensaria se tivesse presenciado a destruição dessas novas construções poucas década depois. Mas, esperto que só ele, em 1911, quando foi demolido o colonial Convento da Ajuda, arriscou uma profecia: “Eu creio que, daqui a cem anos, os estetas urbanos reclamarão a demolição do Teatro Municipal com o mesmo afã com que meus contemporâneos reclamaram a do convento.” Nisso, só nisso, nosso escritor errou. Ainda bem.

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